Minha mãe, Maria Mendes, estava sentada no sofá, dobrando roupas. Meu pai, João Mendes, lia o jornal na poltrona ao lado. Nenhum dos dois levantou o olhar. O silêncio na sala era pesado, denso, e engoliu minha felicidade em um instante.
"Mãe?" eu insisti, a voz já tremendo um pouco.
Ela finalmente olhou para mim, mas seus olhos não tinham nenhum brilho de orgulho, apenas uma frieza que me gelou por dentro. Ela se levantou, caminhou até mim e pegou o celular da minha mão com uma força desnecessária.
Seus olhos passaram pela tela, e seu rosto se contraiu em uma máscara de raiva.
"Você não vai a lugar nenhum."
As palavras dela caíram sobre mim como pedras.
"O quê? Como assim? É a universidade, mãe. É o meu sonho."
"Seu sonho acabou," ela disse, a voz cortante. "Você vai ficar em casa. Onde é o seu lugar."
Meu pai continuava escondido atrás do jornal, um cúmplice silencioso do meu desespero. Olhei para ele, implorando por ajuda, mas ele nem sequer se moveu.
A confusão deu lugar ao pânico. Eles não podiam estar falando sério.
"Isso não é justo! Eu estudei tanto! Vocês não podem fazer isso!"
A resposta da minha mãe foi me empurrar em direção ao meu quarto.
"Nós podemos e vamos. É para o seu próprio bem."
Ela me jogou para dentro do quarto e trancou a porta por fora. Ouvi o som da chave girando na fechadura, um som que se tornaria a trilha sonora do meu cativeiro. Bati na porta, gritei, chorei, mas a única resposta que recebi foi o silêncio deles e o som abafado da televisão sendo ligada na sala.
A opressão não era nova, mas essa era a primeira vez que eles me prendiam fisicamente. O ar no meu quarto de repente ficou rarefeito, as paredes pareceram se fechar sobre mim. Mas a resignação não era uma opção. Eu era inteligente, era dedicada, e agora, precisava ser resiliente. Eu sabia que minha mãe guardava a chave reserva em uma caixa de costura antiga na sala de estar. Eu só precisava esperar.
Esperei até o meio da noite, quando a casa estava mergulhada na escuridão e no silêncio. Com o coração na boca, usei um clipe de papel que guardava na minha gaveta para tentar abrir a fechadura simples da porta do meu quarto. Depois de minutos que pareceram horas, a fechadura cedeu com um clique suave. Escapei do meu quarto como uma ladra na minha própria casa.
Fui direto para a sala, onde meu notebook estava. Eu precisava fazer a matrícula online, garantir minha vaga antes que eles pudessem fazer algo para tirá-la de mim. Liguei o aparelho, a luz da tela iluminando meu rosto ansioso. Digitei o site da universidade, minhas mãos tremendo tanto que mal conseguia acertar as teclas.
Quando estava prestes a clicar no botão de confirmação da matrícula, a luz da sala se acendeu.
Minha mãe e meu pai estavam parados na porta, seus rostos contorcidos de fúria.
"O que você pensa que está fazendo, sua louca?" gritou minha mãe.
Ela avançou sobre mim, arrancou o notebook das minhas mãos e o atirou contra a parede. O som do plástico e do metal se quebrando ecoou pela casa silenciosa. Eu gritei, mais pelo sonho estilhaçado do que pelo aparelho destruído.
"Por que?! Por que vocês estão fazendo isso comigo?!"
Meu pai, que até então era apenas uma sombra, agarrou meus braços com força.
"Já chega, Sofia! Você é um perigo para si mesma!"
Os gritos chamaram a atenção dos vizinhos. A Sra. Almeida, que morava ao lado, apareceu na nossa porta, com um olhar preocupado.
"Está tudo bem, Maria? Ouvi uma gritaria."
Minha mãe, com uma calma assustadora que contrastava com a violência de segundos antes, foi até uma gaveta na estante e tirou uma pasta de papelão amarelada. Ela a abriu e mostrou um documento para a vizinha.
"Não se preocupe, Sra. Almeida. É apenas a Sofia, tendo uma de suas crises. Você sabe como é."
Ela mostrou a folha para a vizinha, que espiou por cima do ombro dela. O rosto da Sra. Almeida mudou instantaneamente. A preocupação foi substituída por uma mistura de pena e medo. Ela olhou para mim, não mais como a menina estudiosa que conhecia, mas como um animal selvagem, imprevisível.
"Ah... entendo," ela murmurou, recuando. "Sinto muito, Maria. Se precisar de algo..."
Ela não completou a frase. Apenas se virou e foi embora, fechando a porta atrás de si.
Fiquei ali, paralisada, os braços ainda presos pelas mãos do meu pai, olhando para aquela pasta misteriosa. O que havia naquele papel que tinha o poder de transformar preocupação em medo? Que mentira eles estavam contando que era tão poderosa a ponto de apagar quem eu era? Naquele momento, eu soube que minha luta não era apenas pela universidade, era pela minha sanidade, pela minha própria identidade.