"Por que vocês me odeiam tanto?" A pergunta saiu da minha boca como um sussurro quebrado, enquanto meu pai me arrastava de volta para o quarto. A dor da humilhação era pior do que a dor física dos seus dedos cravados na minha pele.
Minha mãe veio atrás de nós, o rosto ainda uma máscara de fúria fria.
"Nós não te odiamos, Sofia. Nós estamos te protegendo."
"Me protegendo de quê? Do meu próprio futuro?"
A mão dela voou e atingiu meu rosto com força. O estalo ecoou no corredor.
"Não seja insolente! Você não sabe de nada! Você é doente, perigosa! Essa ficha prova isso!"
Ela balançou a pasta no ar, como se fosse uma escritura sagrada.
Eles me jogaram no quarto de novo, e desta vez, além de trancar a porta, empurraram uma cômoda pesada contra ela. Eu estava em uma prisão dentro da minha própria casa.
Nos dias que se seguiram, o mundo exterior tentou entrar em contato. Primeiro, foram meus amigos. Minha mãe atendia o telefone e dizia, com uma voz pesarosa, que eu não estava bem, que estava passando por um momento difícil e precisava de espaço. Depois, foi meu professor de física, o Sr. Carvalho, que sempre me incentivou.
"Sra. Mendes," ouvi minha mãe dizer ao telefone, a voz carregada de uma falsa tristeza. "A Sofia... ela não está em condições de ir para a universidade. Os médicos acham que a pressão dos estudos foi o gatilho. Ela teve um surto psicótico."
Um surto psicótico. A palavra era tão absurda, tão distante da minha realidade, que eu quase ri. Mas o riso morreu na minha garganta quando ouvi a resposta do professor.
"Meu Deus... eu não fazia ideia. Pobre menina. Ela é tão brilhante. Se houver algo que eu possa fazer..."
"Apenas reze por ela, professor. Apenas reze," minha mãe concluiu, desligando.
A comunidade, antes uma fonte de apoio, tornou-se um coro de piedade mal direcionada. As pessoas que me viam crescer, que elogiavam minhas notas, agora sussurravam quando minha mãe passava na rua. Elas olhavam para a nossa casa com uma curiosidade mórbida. Eu ouvia os comentários da janela do meu quarto.
"Coitados dos Mendes, ter uma filha assim."
"Ela parecia tão normal, não é?"
"Dizem que ela tentou atacar a própria mãe."
Cada palavra era uma pá de terra jogada sobre o meu caixão. Eles estavam me enterrando viva com suas mentiras.
O prazo final para a matrícula na universidade veio e passou. Eu o marquei na parede do meu quarto com uma unha, um epitáfio para o meu sonho. A dor era uma coisa física, uma pressão constante no meu peito que me impedia de respirar direito. Eu me encolhia na cama, o rosto enterrado no travesseiro para abafar os soluços. Perdi a noção do tempo, dos dias se transformando em noites. A comida que minha mãe deixava na porta do quarto muitas vezes ficava intocada.
O que eu tinha feito para merecer isso? Comecei a vasculhar minha memória, procurando por qualquer sinal, qualquer pista que pudesse explicar a crueldade deles. Seriam eles meus pais de verdade? Eu teria sido adotada? Talvez houvesse alguma doença mental hereditária na família que eles estavam desesperados para esconder, e eu era a prova viva dela. Tentei encontrar uma lógica, qualquer coisa que fizesse sentido, porque a alternativa – que eles estavam fazendo isso por pura maldade – era impensável.
Mas nenhuma teoria se encaixava. Eles eram meus pais. As fotos de infância, as memórias de joelhos ralados e festas de aniversário, tudo era real. A crueldade era nova, ou talvez, sempre esteve lá, adormecida, esperando por um gatilho. E o gatilho foi o meu sucesso.
A dor, aos poucos, começou a se transformar em outra coisa. Uma brasa de raiva começou a queimar no fundo do meu desespero. Eles podiam ter roubado minha vaga, manchado minha reputação e me trancado, mas não podiam destruir minha mente. Eu ainda era Sofia Mendes, a aluna mais inteligente da minha turma. E se eu consegui passar uma vez, eu conseguiria de novo.
Com uma nova determinação, comecei a planejar. Eu não tinha mais um notebook, mas tinha meus livros didáticos. Eu tinha minha memória. Comecei a estudar novamente, em segredo, no silêncio do meu quarto-prisão. Eu faria o vestibular no ano seguinte. E no próximo. E no próximo, se fosse preciso. Eu ia lutar. Eles não iam me quebrar. A cada equação que eu resolvia, a cada capítulo que eu relia, eu sentia um pouco da minha força voltar. Era a minha forma de rebelião, a minha arma secreta. Eles podiam controlar meu corpo, mas minha mente ainda era livre. E era com ela que eu os venceria.