A Neta Perdida: Vingança
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Capítulo 3

A porta do casebre se abriu bruscamente, interrompendo o silêncio opressor. Um rapaz jovem, talvez da minha idade, entrou como um furacão. Ele não era o Zé. Era mais alto, mais limpo, e seus olhos, apesar de assustados, não tinham a maldade que eu via nos outros. Ele olhou para o Zé, que ainda segurava o pedaço de pau, e depois para mim, encolhida no chão.

"O que vocês estão fazendo?", o rapaz perguntou, a voz carregada de reprovação. "Bater em mulher, Zé? Que vergonha!"

Era um dos meus primos. O mais novo, o Léo. Eu o reconheci na hora, apesar de ele ter se tornado um homem. A esperança explodiu no meu peito, tão forte que me deixou sem fôlego.

"Léo!", eu gritei, minha voz rouca e fraca. "Sou eu! A Mariinha!"

Ele se virou para mim, o rosto uma máscara de confusão. Ele me olhou, mas não havia reconhecimento em seus olhos. Apenas pena e estranheza. Como poderia? A última vez que ele me viu, eu era uma menina de dez anos com tranças no cabelo. Agora eu era uma mulher suja, machucada e em pânico.

"Mariinha?", ele repetiu, franzindo a testa. "Que Mariinha? Eu não te conheço."

Aquelas palavras foram como um soco no estômago. A esperança que floresceu um segundo antes murchou e morreu.

A mãe do Zé, que tinha entrado logo atrás de Léo, aproveitou a oportunidade.

"Tá vendo, Léo? Eu não te disse que ela era louca?", a velha disse, com uma falsa expressão de preocupação. "Desde que chegou aqui, não para de inventar essas histórias. Agora deu pra dizer que é sua prima. Coitada, deve ter batido a cabeça."

Léo olhou da velha para mim, e a incerteza era clara em seu rosto. Ele era um bom rapaz, eu sabia disso. Mas a situação era bizarra demais. Eu não parecia a prima dele. Eu parecia uma fugitiva de um hospício.

"Ela disse que o vô Sebastião é avô dela", Zé acrescentou, tentando se justificar. "A gente só tava tentando acalmar ela."

"Acalmar? Com um pedaço de pau?", Léo retrucou, o desprezo evidente em sua voz. Ele olhou para mim de novo, uma mistura de pena e desconfiança. "Olha, senhora, eu não sei quem ela é, mas não é assim que se trata ninguém. Se ela tá doente, tem que levar no posto."

A velha fez uma cara de ofendida.

"Levar no posto? Com que dinheiro? A gente já pagou por ela, não temos mais nada!"

Léo balançou a cabeça, claramente desconfortável com toda a situação. Ele não sabia o que fazer. Ele não acreditava em mim, mas também não confiava naquela família.

"Deixem ela em paz, pelo menos", ele disse, antes de se virar e sair, fechando a porta atrás de si.

Ele me deixou. Meu último fio de esperança se foi com ele.

A mãe de Zé sorriu, um sorriso vitorioso e cruel.

"Viu só? Ninguém acredita em você. Nem sua própria 'família'", ela zombou. "Agora você vai aprender a ficar quieta."

Ela e Zé me agarraram e me arrastaram para fora do quarto principal, me levando para um barraco nos fundos do quintal. Era um antigo depósito de ferramentas, ainda mais sujo e escuro que o quarto. O cheiro de umidade e ferrugem era sufocante. Eles me jogaram lá dentro como um animal.

"Você vai ficar aqui até aprender a se comportar", a velha disse, antes de fechar a porta pesada de madeira e passar um ferrolho por fora.

Fiquei sozinha na escuridão quase total, apenas um fio de luz entrava por uma fresta na madeira podre. O desespero ameaçou me consumir. Chorei por um tempo, deixando a dor e a frustração saírem. Mas então, a raiva voltou. Eu não ia morrer ali. Eu não ia deixar eles vencerem.

Comecei a tatear no escuro, procurando por qualquer coisa que pudesse me ajudar. Minhas mãos tocaram em madeira, metal, teias de aranha. E então, meus dedos se fecharam em torno de algo frio e curvo. Uma foice. Estava velha e enferrujada, mas a lâmina ainda parecia minimamente afiada. O cabo de madeira era sólido.

Agarrei a foice com as duas mãos. Era pesada, desajeitada, mas era uma arma. Era poder. Sentei-me no chão, de costas para a parede mais distante da porta, e segurei a foice na minha frente. Meu coração batia forte, não de medo, mas de determinação.

Quando a porta se abriu novamente, horas depois, a silhueta do Zé se projetou contra a luz do fim da tarde. Ele entrou, segurando uma corda.

"Minha mãe disse que é pra te amarrar, pra você não tentar fugir de novo", ele disse, a voz hesitante. Ele estava com medo de mim. Bom.

Quando ele se aproximou, eu levantei a foice.

"Fica longe de mim", eu disse, a voz baixa e perigosa.

Ele parou, os olhos arregalados, fixos na lâmina enferrujada.

"Larga isso, sua louca!"

"Eu não sou louca. E se você der mais um passo, eu vou cortar sua garganta", ameacei. Eu não sabia se teria coragem para fazer isso, mas meu tom não deixava dúvidas.

Ele recuou, tropeçando nos próprios pés.

"Mãe!", ele gritou, correndo para fora do barraco.

Eu fiquei ali, tremendo, mas de pé. A foice na minha mão era a única coisa entre mim e eles. Uma pequena vitória, mas no meu inferno particular, era tudo. Pela primeira vez desde que cheguei, eles estavam com medo de mim. A caça, por um breve momento, tinha se tornado a caçadora.

                         

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