Pedro, vendo meu silêncio, deve ter interpretado como uma brecha. Ele tentou a abordagem que sempre funcionava antes. Ele suavizou a voz, tentou um sorriso charmoso e se aproximou.
"Amor, vamos lá. Não fica assim" , ele disse, tentando me abraçar. "Sei que errei em não te contar antes, mas eu estava com medo da sua reação. Eu fiz tudo pensando no melhor para todos nós."
Eu me afastei de seu toque. A sensação de sua pele na minha me causava repulsa.
"Não me chame de amor" , eu disse, com a voz fria e firme.
Ele pareceu surpreso com a minha resistência.
"Sofia, por favor. Vamos superar isso juntos. Como sempre fizemos."
Uma lembrança me atingiu em cheio. Lembrei-me de uma vez, anos atrás, quando estávamos começando a namorar. Ele me levou para conhecer os pais dele. O pai dele, um homem sério e tradicional, me olhou de cima a baixo e depois disse a Pedro, em voz alta, que eu não era "do mesmo nível" que eles. Que Clara, sim, era a nora que ele sempre sonhou.
Naquele dia, Pedro me defendeu. Ele segurou minha mão e disse ao pai que era a mim que ele amava. Que eu era a mulher da vida dele. Ele me abraçou e disse que nunca deixaria ninguém me diminuir.
Eu acreditei nele.
Que tola eu fui.
Aquele Pedro, o homem que me defendia, nunca existiu. Era uma máscara. Agora, a máscara havia caído, e eu via o verdadeiro Pedro: um homem fraco, subserviente aos desejos de sua família e obcecado por uma ideia doentia de "linhagem" . Ele não me defendeu por amor. Ele me usou porque Clara não o queria na época. Eu era o prêmio de consolação.
A dor daquela percepção foi aguda, mas breve. Ela foi rapidamente substituída por uma determinação gélida.
"Não haverá 'nós' , Pedro" , eu disse, levantando-me do chão. Minhas pernas estavam um pouco bambas, mas minha resolução era de ferro. "Não haverá outro filho. Não entre nós."
Ele se levantou também, a frustração evidente em seu rosto.
"Você está sendo dramática. É claro que vamos ter outros filhos. Você só precisa de um tempo."
Ele enfiou a mão no bolso e tirou o celular, como se estivesse mudando de assunto para algo mais agradável.
"Olha, eu estava até pesquisando. Que tal uma viagem? Para a Europa. Paris, Roma... onde você quiser. A gente passa um mês fora, você relaxa, esquece tudo isso. Quando voltarmos, você estará nova em folha."
Ele me mostrou a tela do celular. Imagens de praias paradisíacas e cidades românticas.
O mesmo celular que ele usou para postar a foto com Clara.
"Você já está planejando essa viagem com ela, não é?" , eu perguntei, sem emoção.
Ele ficou desconcertado.
"O quê? Claro que não! Isso é para nós!"
"Não minta para mim, Pedro. Eu não sou mais a idiota que acredita em tudo o que você diz. Essa viagem é a sua 'viagem pré-bebê' com a sua amante grávida, não é?"
O rosto dele ficou vermelho. A raiva misturada com a vergonha de ter sido pego.
"E se for? O que tem demais? Eu também mereço um pouco de felicidade! Você não sabe a pressão que eu estou sofrendo!"
"Ah, por favor" , eu zombei. "A pressão de escolher entre a esposa que você drogou e a amante que carrega o seu 'herdeiro puro' . Que vida difícil."
Ele não aguentou. A raiva explodiu.
"Você não sabe de nada! Você é só uma camponesa! Clara, sim, entende o que é ter um nome, uma família de verdade!"
Foi a gota d' água.
Eu caminhei calmamente até a gaveta da escrivaninha. O mesmo lugar onde guardávamos nossos documentos importantes, nossos passaportes, nossa certidão de casamento.
Tirei de lá um documento que eu havia preparado com um advogado assim que saí do hospital.
Coloquei-o sobre a mesa de centro, em cima da sujeira e do caos do nosso "aniversário" .
Eram duas cópias.
Um acordo de divórcio.
"O que é isso?" , ele perguntou, a voz subitamente insegura.
"É o fim, Pedro" , eu disse, empurrando uma caneta na direção dele. "Assina."
Ele olhou para os papéis, depois para mim, com os olhos arregalados em descrença. A arrogância em seu rosto deu lugar a um pânico mal disfarçado.
"Divórcio? Você está maluca? Eu não vou te dar o divórcio."