Eu mesma me surpreendi com a calma da minha voz. A dor era tão imensa que havia se transformado em algo frio e pesado, como uma pedra de gelo no meu peito.
"Você está exagerando" , ele disse, gesticulando com desdém. "O que aconteceu com seus pais foi uma tragédia, um acidente. Não tem nada a ver comigo. E sobre o bebê... foi um aborto. Acontece. Não foi o fim do mundo."
Naquele instante, eu tive certeza. Eu duvidei da minha própria sanidade, me perguntei se eu não estava cega nos últimos anos. Como eu pude amar um homem assim? Como eu pude construir uma vida, fazer planos, sonhar com uma família ao lado de alguém tão desprovido de empatia?
Ele via a vida dos outros, a minha dor, a morte do meu pai, como meros inconvenientes em seu caminho para conseguir o que queria.
"Acabou, Pedro" , eu disse, com uma firmeza que o assustou. "Eu não quero mais olhar para a sua cara. Eu não quero mais respirar o mesmo ar que você. Eu quero que você pegue suas coisas e suma da minha vida. Assine os papéis."
Pela primeira vez, ele pareceu entender que eu não estava blefando. O pânico em seus olhos se transformou em fúria.
"Eu não vou assinar porra nenhuma!" , ele gritou, pegando os papéis da mesa. "Você é minha esposa! Você vai ficar aqui, onde é o seu lugar!"
Com um gesto violento, ele rasgou o acordo de divórcio em mil pedaços. O papel picado flutuou no ar e caiu sobre o chão sujo, misturando-se aos restos da nossa vida destruída.
"Você acha que pode se livrar de mim assim tão fácil? Acha que eu vou deixar você manchar meu nome com um divórcio escandaloso? Nunca!" , ele cuspiu as palavras, o rosto vermelho de raiva.
Ele pegou a pasta do sofá, agarrou as chaves do carro e caminhou em direção à porta.
"Pense bem no que você está fazendo, Sofia. Você vai se arrepender."
Ele bateu a porta com tanta força que um dos porta-retratos na parede caiu e se espatifou no chão. Era uma foto nossa, no dia do casamento. Sorrindo. Felizes. Ou pelo menos, eu achava que estávamos.
Eu olhei para os cacos de vidro, para o nosso sorriso partido. E não senti nada.
Nenhuma tristeza. Nenhuma perda.
Antigamente, uma briga como essa me deixaria em prantos. Eu passaria a noite em claro, esperando ele voltar, pronta para pedir desculpas mesmo sem ter culpa, só para ter paz. Eu cederia. Eu sempre cedia.
Mas agora era diferente. O Pedro que eu amava estava morto, se é que ele algum dia existiu. O homem que rasgou aqueles papéis e bateu a porta era um estranho, um monstro. E eu não tinha mais medo dele.
Eu não me importava mais.
Enquanto varria os cacos de vidro e os pedaços do acordo de divórcio, uma memória me veio à mente. Lembrei-me do início do nosso namoro. Ele me contou sobre Clara. Disse que ela era seu primeiro amor, seu "anjo" , mas que ela o havia trocado por um homem mais rico e se mudado para o exterior. Ele chorou no meu ombro, dizendo como seu coração estava partido.
Eu, com pena, o consolei. Eu o ajudei a superar.
Depois de um tempo, ele me disse algo estranho. Disse que se apaixonou por mim porque eu o lembrava dela. Não na aparência, mas no "jeito" . A forma como eu sorria, como eu inclinava a cabeça quando estava pensativa. Ele dizia isso como se fosse um elogio.
Na época, eu achei romântico. Achei que significava que ele tinha um "tipo" .
Hoje, eu entendi a verdade horrível.
Eu nunca fui amada por quem eu era. Eu era apenas um substituto. Uma cópia barata da "original" que ele não pôde ter. Ele não se apaixonou por mim. Ele se apaixonou pela sombra de outra mulher em mim.
E agora que a original estava de volta, a cópia não tinha mais utilidade.
Eu joguei os cacos e o papel rasgado no lixo.
Ele podia ter rasgado os papéis, mas não podia rasgar a minha decisão.
O divórcio iria acontecer. Mesmo que eu tivesse que arrastá-lo para o inferno para conseguir.