Mais tarde, a porta de nossa casa se abriu e Jake entrou carregando Elsie nos braços. Ela estava completamente encharcada, como se tivesse enfrentado uma tempestade, e ele a envolvia com gestos suaves, como quem embalava algo frágil.
Era a primeira vez que eu via Elsie de perto. Ela parecia um filhote assustado, vulnerável. Sua pele era de uma palidez quase translúcida, e seus olhos estavam vermelhos e úmidos.
Quando seus olhos cruzaram com os meus, ela recuou, se aconchegando ainda mais ao peito de Jake.
Jake franziu o cenho e, com um tom irritado disfarçado de preocupação, disparou: "Isabel, mude essa expressão. Você está assustando ela."
Ignorei e voltei a organizar minhas coisas, em silêncio.
Minha mãe surgiu da cozinha segurando uma tigela fumegante de sopa de frango. Ela passou por Jake sem sequer olhá-lo e veio direto até mim. "Isabel, tome um pouco, querida. Vai te aquecer."
Eu abri a boca para agradecer, mas o som de um choro interrompeu minhas palavras. "Jake, eu sinto tanta falta da minha mãe... Ninguém nunca fez sopa de frango para mim."
Jake limpou suas lágrimas com uma delicadeza revoltante. E então me lançou um olhar cortante. "Isabel, você sabe que Elsie não tem família. Acha mesmo apropriado exibir esse carinho todo com sua mãe na frente dela? Ela é sensível, inocente... Vai levar isso para o coração. Por que você precisa dificultar tudo?"
Sustentei o olhar dele e respondi, com frieza: "O fato de ela não ter família não é responsabilidade minha. E se você acha que estou dificultando algo, te garanto que não tenho tempo nem paciência para isso."
Eu nunca costumava discutir com Jake, muito menos nesse tom.
Por um instante, ele pareceu surpreso, logo em seguida, impaciente. "Mesmo que não seja sua culpa direta, você teve sua parcela no que aconteceu com Elsie. Se não tivesse insistido para que ela sumisse naquela época, ela não teria..."
Jake se interrompeu.
Ao olhar para a mão esquerda dele e perceber que o anel de noivado havia desaparecido, um sorriso amargo surgiu em meu rosto.
No fim, não importava o quanto ele fingisse ou tentasse parecer justo, a verdade sempre escapava pelas rachaduras.
Jake nunca havia me perdoado completamente e, pior ainda, nunca havia deixado de amar Elsie.
Engoli o nó na garganta. "Então, o que exatamente você quer?"
Jake desviou o olhar, como se fosse difícil me encarar. "Vou reservar um bom hotel para os seus pais, eles podem sair ainda hoje. A presença deles só vai deixar Elsie mais desconfortável. E você... bem, você vai cuidar dela pelos próximos dias."
Levantei o rosto e o encarei. "Eu vou embora com os meus pais."
Jake parecia não acreditar. Ele parou por um segundo e, em seguida, soltou um suspiro aliviado. "Isabel, você sempre foi tão compreensiva... Eu sabia que entenderia. Algumas pessoas não são boas para a recuperação dela. Mas não se preocupe... Quando tudo estiver mais calmo, vou te buscar."
Após dizer isso, ele avançou e tentou segurar minha mão - coisa que raramente fazia, e que agora, curiosamente, parecia estar disposto a fazer por causa de outra.
Seus dedos estavam quase tocando os meus quando Elsie o puxou de volta. "Jake, estou com muito frio..."
Jake virou a cabeça reflexivamente, viu os olhos de Elsie cheios de lágrimas e, sem dizer mais nada, a carregou apressadamente até o banheiro.
Pela porta entreaberta, vi quando ele se ajoelhou diante dela, retirando com cuidado a blusa molhada de seus ombros.
"Jake, eu consigo sozinha..."
Com tom de voz suave, ele respondeu: "Seja boazinha. Não se mexa O médico disse que seus pulsos ainda estão frágeis."
Observei as costas largas tão familiares dele, a mesma imagem do rapaz que, anos atrás, cuidava de mim com tanto zelo naquele pequeno apartamento alugado, logo após a faculdade.
Naquela época, um simples colar de prata era o suficiente para representar nosso amor.
Mas os tempos haviam mudado, e Jake também.
A dor apertou minha garganta e fechei os olhos, tentando conter as lágrimas. Talvez eu devesse ter percebido há muito tempo que ele não era mais o jovem que fazia meu coração disparar.
"Mas Jake, eu não voltarei nunca mais."
Nesse instante, compreendi que escapar do casamento havia sido um acerto. Pelo menos, não havia bens a partilhar, nenhuma guerra judicial à vista. Mesmo assim...
"Senhorita Douglas, os bens entre você e o senhor Shaw somam um valor significativo. Leva em torno de uma semana para finalizar a separação."
Eu acenei com a cabeça.
Como eu havia decidido terminar com Jake, não deixaria meus bens com ele. Eu estava esperando há sete anos, então mais uma semana não me mataria.
Quando voltei à empresa, os olhares eram inevitáveis. Cada passo pelos corredores era acompanhado por murmúrios curiosos e especulações silenciosas.
Só dentro do elevador pude respirar aliviada, ainda que por pouco tempo.
Foi então que percebi que os botões estavam cobertos por adesivos de coelho.
Minha assistente, Noreen Robertson, percebeu minha confusão e hesitou antes de explicar: "Foi a senhorita Davies quem colou. O senhor Shaw mandou deixar, já que isso a deixa feliz."
Noreen sabia das tensões entre mim e Jake, por isso, escolheu as palavras com cuidado. "Jake é um bom homem, Isabel. Só está cuidando dela porque... bem, porque ela não tem mais ninguém. Você é diferente, é a noiva dele."
Por muito tempo, eu acreditei nisso também, que Jake era apenas um bom samaritano, alguém que estendia a mão por piedade, mas, de repente, ele simplesmente deixou de me amar.
"Nós não temos mais nada", murmurei.
"Como disse?", Noreen perguntou, confusa.
Olhei para o coração rosa colado no botão do último andar e repeti com firmeza: "Jake e eu não temos mais nada."
Assim que terminei a frase, as portas se abriram.
Jake estava ali, parado, com uma Elsie sorridente em um vestido encantador atrás dele.