Sentei-me na poltrona de couro escuro, com as mãos tremendo sobre as pernas. Vittorio havia insistido que eu precisava de ajuda. Que esse tal Dr. Rossetti era "a chave" para desbloquear o que minha memória se recusava a mostrar. Sua voz, quando me disse isso, carregava uma mistura que eu não soube interpretar: urgência, controle e uma ternura estranha.
Agora, enquanto esperava, sentia que estava prestes a enfrentar algo que poderia me quebrar ou me salvar. Talvez ambos.
A porta se abriu suavemente e ele apareceu. Alto, de postura impecável, com aquele olhar intenso que parecia atravessar até a alma. O Dr. Rossetti tinha uma voz profunda e pausada, como um segredo que se revela lentamente.
- Catalina - disse, estendendo a mão -. Prazer em conhecê-la.
Peguei sua mão e senti uma leve descarga, uma faísca desconfortável que me fez retirar a mão rapidamente. Era medo ou algo mais?
- Vamos começar com algo simples - disse ele, sentando-se diante de mim -. Como você se sente hoje?
Quis mentir. Quis dizer que estava bem, que não precisava de nada, que tudo era um engano. Mas a verdade ficou presa na minha garganta, pesada e escura.
- Confusa - consegui dizer -. E cansada.
Ele assentiu compreensivo.
- É normal se sentir assim quando se enfrenta lembranças fragmentadas - murmurou -. Nossa mente protege o que não está pronta para ser revelado.
Ao dizer isso, senti uma pontada no estômago, uma mistura de náusea e alívio. Seria possível que eu não estivesse louca? Que tudo fizesse sentido?
Tentei respirar fundo, sentindo o suor começando a aparecer na minha testa e as palmas das mãos ficando úmidas.
- Quer me contar algo do seu passado? - perguntou suavemente -. O que lembrar, mesmo que seja um fragmento.
Quis fechar os olhos e afundar no nada, mas também havia uma parte de mim que desejava agarrar qualquer esperança, qualquer pedaço, por menor que fosse.
- Lembro... de um jardim - comecei -. Flores vermelhas, cheiro de terra molhada. Mas depois tudo fica borrado.
O Dr. Rossetti anotou algo em seu caderno, sem interromper.
- Jardins costumam simbolizar refúgio, desejo de proteção - disse -. E às vezes, prisão também.
Um calafrio percorreu minhas costas.
- Prisão? - perguntei, com a voz trêmula.
- Sim. Às vezes, aquilo que nos protege também nos prende.
Lembrei então de Vittorio, seu olhar sombrio e seu abraço possessivo. Seria ele meu guardião ou meu carcereiro? Ou ambos?
Meus pensamentos foram interrompidos por uma nova sensação, um flashback que surgiu sem aviso.
Eu estava na penumbra de um quarto, uma sensação de sufocamento, o som surdo de um relógio marcando o tempo e minha própria respiração acelerada. Vittorio estava ali, com olhar intenso e mãos firmes sobre meus ombros.
- Você não precisa ter medo - dizia -. Estou aqui para te proteger.
Mas o medo era mais forte, e a culpa me devorava.
Voltei à consulta e olhei para o Dr. Rossetti, me perguntando se ele poderia me ajudar a desvendar aquele nó que me sufocava.
- Por que Vittorio insiste que você me veja? - perguntei, com uma mistura de desconfiança e necessidade.
Ele ficou em silêncio por um momento, e depois falou num tom que eu não consegui interpretar.
- Porque ele sabe que você precisa de alguém fora do círculo que te aprisionou.
Meu coração acelerou, e o medo voltou a tomar conta de mim. Que círculo seria esse? Quem realmente estava preso?
- E você? - perguntei -. Está aqui para me ajudar ou para controlar?
O Dr. Rossetti sorriu para mim, um sorriso que tinha algo de enigma e promessa.
- Às vezes, a linha entre ajudar e controlar é muito tênue - disse -. Mas prometo que minha intenção é te ajudar a encontrar a verdade.
Suas palavras foram como um bálsamo e ao mesmo tempo um aviso. Eu sabia que esse caminho não seria fácil.
A cada pergunta, a cada pausa, sentia meu corpo se tensionar e relaxar ao mesmo tempo. O suor frio, a náusea e a respiração ofegante eram minha companhia constante.
Mas havia algo naquela relação, na dinâmica entre nós, que despertava algo inesperado: um desejo proibido, uma ternura perigosa.
Mais tarde, enquanto caminhava para a saída, senti o olhar de Vittorio sobre mim, como um peso invisível que me esmagava e me segurava ao mesmo tempo.
Ele se aproximou e pegou minha mão sem permissão, num gesto que misturava carinho e posse.
- O que ele te disse? - perguntou com voz baixa, quase ameaçadora.
Não respondi. Apenas senti o suor frio escorrer pelas minhas costas e o coração batendo forte.
- Lembre-se - sussurrou -. Aqui você está segura. Mas não esqueça quem te trouxe até aqui.
A ambiguidade no tom dele me rasgou. Era uma promessa ou uma ameaça?
De volta ao meu quarto, a memória fragmentada começou a surgir lentamente, como um quebra-cabeça que se monta peça por peça.
Vi imagens: um homem de olhos intensos, um grito sufocado, uma mão que se estende e depois se retira.
A linha entre o real e o imaginado se borrava, e eu estava presa nesse limbo.
À noite, enquanto tentava dormir, um novo pensamento me atormentou com força.
E se a verdade que o Dr. Rossetti tentava desenterrar não fosse a que eu esperava? E se eu enfrentasse algo pior que o medo, o desejo ou a culpa?
O frio do quarto penetrou nos meus ossos, e senti que algo estava mudando dentro de mim.
Algo escuro e poderoso.
Justo quando eu ia fechar os olhos, ouvi um sussurro no escuro, uma voz que não era nem minha nem de Vittorio.
- Não confie nele - disse a voz -. Ele não é quem parece.
O frio virou gelo.
Quem estava me avisando? E por quê?
Voltei à consulta no dia seguinte com o coração acelerado, como se uma tempestade estivesse prestes a explodir dentro de mim.
A lembrança daquela voz sussurrante ecoava na minha cabeça com a força de um presságio.
O Dr. Rossetti me recebeu com sua calma habitual. Tinha aquela habilidade inquietante de fazer o ambiente parecer menor e, ao mesmo tempo, mais intenso.
Ele me olhou com aqueles olhos escuros que pareciam guardar segredos infinitos, e eu me perguntei quantos desses segredos estavam relacionados comigo.
- Hoje vamos explorar algo diferente - disse, abrindo sua pasta -. Gostaria que você me contasse sobre seus sonhos, se os lembrar.
Sonhos. Aquela fronteira entre a vigília e o abismo. Eu quase não os lembrava, mas sabia que eram fragmentos importantes.
- Sonhei que corria por um jardim - comecei, a voz quase um sussurro -. Havia rosas, mas também espinhos. Sentia que algo me perseguia, mas não podia ver o que era.
Ele assentiu, anotando delicadamente.
- O jardim é o reflexo da sua mente, Catalina. As rosas, seus desejos e esperanças; os espinhos, seus medos e traições.
Senti meu corpo respondendo às suas palavras: o suor misturava-se com o desejo, o medo se infiltrava em cada respiração. Vittorio não estava ali, mas sua presença podia ser sentida em cada sombra do quarto.
- E a pessoa que te persegue? - perguntou Rossetti -. Você consegue lembrar de algo mais?
Fechei os olhos e tentei deixar a imagem surgir. Mas só veio um lampejo: uma mão estendida, uma promessa quebrada, um grito sufocado.
- Não sei - admiti -. Só sei que tenho medo.
Ele se aproximou um pouco, e pude sentir o aroma do seu perfume, um cheiro de madeira e terra molhada, que me fez sentir estranhamente segura e vulnerável ao mesmo tempo.
- O medo é a chave para abrir sua memória - disse com voz baixa -. Mas devemos manejá-lo com cuidado.
Naquele momento, senti um calor subir do meu estômago até o pescoço, misturando-se com a náusea que sempre me acompanhava. Era uma mistura de desejo e perigo, como se estivesse prestes a cair numa armadilha da qual não poderia escapar.
De repente, uma imagem invadiu minha mente, mais vívida do que antes. Vittorio, aproximando-se de mim na penumbra, suas mãos firmes segurando meu rosto. Sua voz, suave e exigente:
- Não se preocupe, Catalina. Eu cuidarei de você.
Mas havia algo no olhar dele que me fez me afastar, uma sombra escura que eu não podia ignorar.
O Dr. Rossetti percebeu minha tensão e suavizou o tom.
- Cada memória que você recuperar é uma batalha - disse -. Mas você não está sozinha.
Quis acreditar nele, quis me apegar a essa promessa, mas a culpa e a confusão me sufocavam.
- E se a verdade dói? - perguntei -. E se ela me destruir?
Ele me olhou com uma mistura de compreensão e dureza.
- Então reconstruiremos os pedaços juntos. Mas primeiro, devemos enfrentar o que te mantém presa.
A porta da consulta se abriu abruptamente e uma enfermeira entrou com um café.
- Aqui está, Catalina. Para ajudar com a ansiedade.
O aroma amargo me atingiu, misturando-se ao suor e ao medo. Peguei o copo tremendo e bebi devagar, tentando acalmar o turbilhão dentro de mim.
Mais tarde, no quarto, Vittorio apareceu sem avisar, com aquele sorriso encantador que tanto me confundia.
- Como foi com o doutor? - perguntou, sua voz um sussurro que roçava a pele.
Senti meu corpo reagir sem permissão, um calor subindo do peito, um desejo difícil de controlar.
- Difícil - respondi -. Mas acho que preciso entender.
Ele se aproximou e segurou meu rosto entre as mãos, olhando-me com intensidade.
- Eu só quero te proteger, Catalina. Mesmo que às vezes você não saiba como.
As palavras dele me derreteram e me quebraram ao mesmo tempo. Eu sabia que por trás daquela ternura havia um homem controlador, ambíguo, perigoso.
Uma mistura de culpa e desejo me envolveu enquanto me entregava àquele abraço que era ao mesmo tempo salvação e prisão.
Naquela noite, no escuro, as vozes do passado começaram a sussurrar mais forte. Fragmentos de memórias que eu não queria enfrentar: uma briga, uma traição, um segredo guardado com unhas e dentes.
E no meio de tudo, a figura de Vittorio, como um farol escuro que guiava e cegava.
O medo, o desejo, a culpa... tudo se entrelaçava numa dança perigosa que eu não sabia como parar.
Quando o sono parecia me vencer, senti um contato frio no pulso. Abri os olhos e vi uma nota deslizar sob a porta. Peguei com mãos trêmulas e li:
"Cuidado com quem te cerca. A verdade é mais escura do que imagina."
Meu pulso parou.
Quem teria deixado aquela nota? E que verdade ela escondia?
O silêncio da noite tornou-se insuportável, e soube que a batalha estava apenas começando.