Capítulo 4 A Rotina de Ricardo

O som do teclado ressoava no escritório silencioso. A luz artificial do local refletia a frieza que havia invadido a vida de Ricardo desde o divórcio. Já se passavam três semanas desde que Beatriz se foi, e a agenda de Ricardo estava mais cheia do que nunca. A rotina, que antes lhe parecia um fardo, agora era seu único refúgio. O trabalho era a única coisa que lhe dava sentido.

"Senhor Pérez, temos uma videoconferência com os investidores de Londres em 10 minutos", disse Carmen, a secretária, na porta do seu escritório.

Ricardo não levantou o olhar da tela. "Obrigado, Carmen. Tudo pronto para a apresentação?"

"Está tudo preparado. Só falta a conexão."

Ricardo assentiu sem dizer mais nada. Carmen o observou por um momento, notando a escuridão nos seus olhos, mas se afastou sem acrescentar nada. Ela já tinha aprendido a não questionar o seu silêncio. Os dias passavam rápido, mas Ricardo não sentia que estava avançando. Na vida, tudo seguia igual, mas por dentro, sentia que algo havia se quebrado.

A videoconferência começou. As faces dos investidores apareceram na tela. Todos sorrindo, prontos para falar sobre a expansão da empresa em novos mercados. Mas Ricardo não estava ali com eles. Sua mente estava em outro lugar, em um espaço vazio e escuro onde Beatriz já não existia.

"Ricardo, você tem algum comentário sobre o relatório de expansão?", perguntou Mark, um dos principais investidores, tirando-o de seus pensamentos.

"Eh... sim, claro", disse Ricardo, recobrando a compostura. "As projeções estão sólidas. Com os novos fundos, poderemos entrar no mercado asiático com uma vantagem competitiva significativa."

Mark assentiu, mas seu olhar não estava tão firme quanto o de costume. "Você está bem, Ricardo? Parece um pouco... distraído."

Ricardo apertou os dentes. Não podia permitir que isso interferisse. O trabalho precisava ser sua prioridade, ele tinha que seguir em frente.

"Está tudo sob controle, Mark. Vamos fazer o possível para garantir que a expansão seja bem-sucedida."

A chamada terminou e, como de costume, Ricardo ficou mais alguns minutos olhando para a tela em branco. O pior não era que sua vida pessoal havia desmoronado, mas que a sensação de vazio aumentava a cada dia. Ele havia conquistado tudo o que queria no mundo profissional, mas havia perdido o mais importante. Sentia-se preso em uma rotina que não conseguia quebrar.

Decidiu dar uma volta pelo escritório, na esperança de se distrair um pouco. No caminho, se encontrou com José, seu diretor de operações, que não pôde evitar fazer um comentário.

"Vai dar uma pausa, Ricardo? Você parece exausto."

Ricardo mal levantou o olhar. "Só preciso de um pouco de ar fresco."

José o observou com certa preocupação, mas não disse nada. "Sabe que se precisar conversar... estou aqui. Todos estamos, né?"

Ricardo olhou para ele por um segundo, tentando manter uma expressão neutra. "Não é necessário, José. Estou bem."

Mas, embora dissesse isso, não sentia. Suas palavras eram vazias, como sua vida ultimamente.

Naquela noite, Ricardo não jantou em casa. Ficou trabalhando até tarde, revisando relatórios e olhando gráficos. O telefone tocou uma vez, duas, três... mas ele não atendeu. Sabia que era Carmen, perguntando se ele precisava de algo mais. Mas ele não queria ouvir vozes. Não queria falar. Só queria estar sozinho.

De repente, no meio da quietude da noite, uma nova mensagem apareceu no seu telefone. Era Beatriz. "Ricardo, sei que não falamos há muito tempo. Só queria saber se você está bem."

As palavras pareciam vir do fundo da alma, mas ele não sabia o que responder. Como dizer a ela que sua vida já não fazia sentido sem ela? Como poderia consertar algo que nem sabia por onde começar?

Por um momento, pensou em ligá-la. Mas a ideia de ouvir sua voz, de saber que ela já não fazia mais parte de sua vida, o impediu. Ele não podia enfrentar isso. Não ainda.

No dia seguinte, Ricardo decidiu se afundar ainda mais no trabalho. Acordou antes das 6h, revisou e-mails e depois teve reuniões ininterruptas até o meio-dia. Às 14h, já estava em uma videoconferência com sua equipe em Tóquio.

"Ricardo, precisamos saber se o investimento para o software de inteligência artificial será aprovado neste trimestre", perguntou Takashi, o diretor no Japão.

Ricardo assentiu, embora na sua cabeça, a única imagem que via era a de Beatriz, com os olhos tristes no dia em que assinaram o divórcio. "Sim, Takashi. Discutimos isso na semana passada e está aprovado. Diga à sua equipe para começarmos o desenvolvimento. Não há tempo a perder."

Após a chamada, Ricardo não se permitiu descansar. Ligou para seu advogado para revisar os últimos detalhes do contrato de divórcio. Cada palavra, cada frase nos documentos, lhe lembrava o que ele havia perdido.

À noite, já em seu apartamento, Ricardo se sentou no sofá, olhando as luzes da cidade. O burburinho lá fora não o alcançava, sua mente continuava presa em um turbilhão de pensamentos. "O que aconteceu com a gente?", pensou. "Por que não consegui fazer as coisas direito?"

A sensação de culpa o invadiu, mas rapidamente ele a afastou. Não podia permitir que isso o enfraquecesse. Na manhã seguinte, ele tinha uma reunião importante com os novos investidores em Madrid. Não podia falhar.

Levantou-se do sofá e começou a revisar mais e-mails, mais relatórios. A rotina o absorvia, o mantinha ocupado, e isso era tudo o que ele precisava. Não havia espaço para mais nada.

Nas semanas seguintes, Ricardo mergulhou no trabalho como nunca antes. As horas voavam e as reuniões não davam espaço para pensar no que havia perdido. Cada vez que pensava em Beatriz, na vida que haviam tido juntos, ele se dizia que não podia se permitir essa fraqueza. Já não era tempo para sentimentos. Já não havia lugar para o amor.

Mas, por dentro, algo continuava vazio.