Quando chegamos, Gabriel já estava lá, andando de um lado para o outro em nossa sala de estar, o horizonte da cidade um cenário dramático para sua angústia. Ele havia tirado o paletó e a gravata, as mangas da camisa arregaçadas nos antebraços. Ele parecia um homem se preparando para uma luta.
Ele parou quando entrei, seus olhos procurando meu rosto. "Lena."
Eu não disse nada. Passei por ele até as janelas do chão ao teto e olhei para o rio Pinheiros, uma fita escura e agitada de preto.
"Eu sei que você está com raiva", ele começou, sua voz suave, persuasiva. A voz que ele usava para fechar negócios de bilhões de reais e encantar investidores céticos. "Você tem todo o direito de estar. Mas você tem que entender. O IPO..."
"Não", eu o interrompi, minha voz plana. "Não ouse falar comigo sobre o IPO agora."
"É tudo, Lena! É tudo pelo que trabalhamos!"
"Nós?" Eu me virei, a fúria que eu estava suprimindo finalmente explodindo. "Nós trabalhamos por isso? Fui eu que te segurei quando você estava pronto para desistir. Fui eu que acreditei em você quando sua própria família te chamou de fracassado. E é assim que você me paga? Me humilhando publicamente e reivindicando o filho de outra mulher?"
"Não é assim!" ele insistiu, dando um passo em minha direção. "A Júlia é... ela é frágil. Ela não tem ninguém. A família dela a expulsou. Ela veio a mim pedindo ajuda."
"E o que eu sou, Gabriel? Eu não sou frágil? Eu não estou carregando seu filho? Ou o nosso bebê não importa tanto quanto o filho do seu amor de infância?"
As palavras pairaram no ar, pesadas e venenosas. Ele se encolheu como se eu o tivesse esbofeteado de novo.
"Claro que nosso bebê importa", disse ele, sua voz caindo para um sussurro desesperado. Ele se ajoelhou diante de mim, pegando minhas mãos nas suas. Seu toque parecia estranho, errado. Eu não me afastei, meu corpo congelado em choque. "Lena, olhe para mim. Eu te amo. Você é minha esposa. Nada muda isso."
Eu olhei para o topo de sua cabeça, para o homem que eu amava ajoelhado aos meus pés, e não senti nada além de um vasto e vazio frio.
"É só de fachada", ele continuou, suas palavras saindo apressadas. "Uma história para a imprensa. Assim que o IPO for finalizado, tudo voltará ao normal. Nós revelaremos a verdade, eu prometo. Eu direi ao mundo que você é quem está carregando meu herdeiro. Nós adotaremos nosso próprio filho discretamente. Legalmente, será limpo. Ninguém nunca saberá."
A audácia pura de seu plano me tirou o fôlego. Ele queria que eu escondesse minha própria gravidez. Que eu desse à luz nosso filho em segredo, apenas para "adotá-lo" mais tarde, tudo para proteger sua imagem pública e o preço das ações de sua empresa. Ele estava me pedindo para aceitar que nosso filho nasceria como um segredo sujo, enquanto o de Júlia seria celebrado.
"Você está louco", eu sussurrei, puxando minhas mãos de seu aperto. "Completamente louco."
"É o único jeito!" ele implorou, levantando-se. "Minha mãe já concorda. Seus pais também. Todos eles concordam que esta é a melhor solução para proteger a família e os negócios."
A menção de nossas famílias foi como um golpe físico. Sua mãe, Eleonora Moraes, uma mulher que valorizava a posição social acima de tudo, sempre me viu como um acessório para o sucesso de seu filho. E meus pais adotivos, os Almeida, que me acolheram quando criança, mas nunca me amaram de verdade, eram alpinistas sociais da mais alta ordem. Claro que eles ficariam do lado de Gabriel. A fortuna dos Moraes era um prêmio ao qual eles fariam qualquer coisa para permanecerem ligados.
"Você contou a eles?" Eu perguntei, minha voz tremendo. "Você discutiu o destino do meu filho com eles antes mesmo de falar comigo?"
"Eu tive que gerenciar a crise, Lena!"
"Isso não é uma crise, Gabriel! Esta é a nossa vida! Nossa família! Nosso filho!" Minha voz falhou na última palavra. Envolvi meus braços em volta da minha barriga, um instinto primitivo de proteger a pequena vida que ele estava tão disposto a sacrificar.
"E eu estou protegendo ele!" ele gritou, sua frustração transbordando. "Estou protegendo o futuro dele! A fortuna que ele está destinado a herdar!"
"Ele não precisa de uma fortuna!" Eu gritei de volta, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. "Ele precisa de um pai que o reconheça! Um pai que não troque sua legitimidade por um símbolo na bolsa de valores!"
Ele passou a mão pelo cabelo, sua compostura finalmente se quebrando. Ele parecia encurralado, desesperado. "O que você quer de mim, Helena?"
Ele usou meu nome completo. Ele só fazia isso quando estava tentando se distanciar, transformar um conflito pessoal em uma negociação de negócios.
"Eu quero o divórcio", eu disse, as palavras com gosto de ácido.
Seu rosto ficou flácido de choque. "Não. De jeito nenhum. Um divórcio agora está fora de questão. Seria um desastre."
"Eu não me importo com o seu desastre, Gabriel. Você criou o meu."
Ele caminhou até mim, agarrando meus braços. Seu aperto era forte, quase doloroso. "Você não vai se divorciar de mim. Você não vai sair deste apartamento. Nós vamos passar por isso, como uma família. Você entende?"
A ameaça era inconfundível. Eu era uma prisioneira em minha própria casa. A casa dele. Ele tinha o dinheiro, o poder, o apoio da família. Eu não tinha nada.
A campainha tocou, um som agudo e intrusivo que nos fez pular. Gabriel me soltou e foi até a porta.
Meu coração afundou quando vi quem era. Júlia. Ela estava lá, parecendo pequena e indefesa, uma mala de viagem a seus pés. Atrás dela estavam a mãe de Gabriel, Eleonora, seu rosto uma máscara de fria desaprovação, e meus próprios pais adotivos, suas expressões uma mistura de ganância e pena.
O inimigo havia chegado. E eles estavam se mudando para cá.
Eleonora passou por Gabriel sem lhe dirigir uma palavra, seu olhar gelado pousando em mim. "Helena. Precisamos conversar."
Meu destino, ao que parecia, não estava mais em minhas mãos. Era uma transação comercial, e eu era o passivo sendo gerenciado.