A cena foi um soco no estômago. Em sete anos de casamento, Ricardo nunca havia cozinhado para mim. Nem mesmo uma torrada. Mas lá estava ele, bancando o pai doméstico perfeito para o filho de outra mulher na minha cozinha.
Meu peito se contraiu, uma dor familiar que era tanto emocional quanto física. Eu tinha que sair dali antes que Leo voltasse da pré-escola e visse isso. A ideia de meu filho testemunhar essa cena casual e amorosa entre seu pai e outro menino era insuportável.
"Ah, você voltou", disse Enzo, sua voz pingando desdém. Ele torceu o nariz. "Papai Ricardo, por que ela mora aqui? Eu não gosto dela."
Ricardo colocou uma panqueca perfeitamente dourada no prato de Enzo e bagunçou seu cabelo. "Seja legal, Enzo. Ela é só a empregada." Ele nem olhou para mim.
"Um dia, você terá um filho igual a ele", eu disse, minha voz tensa. "E espero que ele o trate com a mesma medida de desprezo que você demonstra por mim e por seu próprio filho."
A cabeça de Ricardo se ergueu, seus olhos em chamas. "O que você disse?"
"Você me ouviu", eu disse, mantendo minha posição.
Ele deu um passo ameaçador em minha direção, mas eu não recuei. Ele me encarou por um longo momento antes de virar as costas, me dispensando completamente.
Saí de casa, minhas mãos tremendo. Dirigi sem rumo por um tempo antes de me lembrar do meu compromisso. Eu precisava pegar os resultados do meu recente exame físico.
No hospital, o médico, um homem de rosto gentil na casa dos cinquenta, me fez sentar em seu consultório. Sua expressão era sombria.
"Senhora Vasconcelos", ele começou, sua voz gentil. "Receio ter más notícias. Seus exames de sangue voltaram com alguns... resultados preocupantes. Diagnosticamos você com leucemia mieloide aguda."
As palavras não registraram no início. Leucemia. Era uma palavra de novela, não da minha vida.
"Está em estágios avançados", ele continuou suavemente. "Precisamos interná-la imediatamente e iniciar um tratamento agressivo de quimioterapia."
Meu primeiro pensamento, meu único pensamento, foi em Leo. O que aconteceria com meu filho?
Meu corpo começou a tremer incontrolavelmente. Um som baixo e agudo escapou dos meus lábios, um som de pura dor animal.
"Preciso ir", murmurei, cambaleando para me levantar. Assim que cheguei à porta, meu telefone tocou. Era a escola do Leo.
"Senhora Vasconcelos? É a enfermeira da escola. O Leo está com febre. Você precisa vir buscá-lo."
O mundo girou em seu eixo. Eu estava morrendo, e meu filho estava doente.
Corri para a escola, minha mente um turbilhão de terror e desespero. Leo estava me esperando na enfermaria, seu rosto corado e seus olhos vidrados.
"Mamãe", ele sussurrou, sua voz rouca. "Não estou me sentindo muito bem."
"Está tudo bem, meu bebê", grasnei, pegando-o nos braços. "A mamãe está aqui."
Ele parecia tão pequeno e frágil contra meu peito. Cada passo até o carro foi uma agonia. Uma dor aguda e lancinante havia começado na parte inferior das minhas costas, um sintoma sobre o qual o médico havia me avisado.
Cheguei em casa e o coloquei na cama. Eu o criei para ser independente, para não ser um fardo. Agora eu me arrependia. Eu queria que ele fosse exigente, que precisasse de mim desesperadamente, que me desse um motivo para lutar contra essa doença.
Quando voltei para a sala de estar, Ricardo estava lá, jogando videogame com Enzo. Eles nem levantaram o olhar quando passei por eles com nosso filho doente. Meu coração, que eu pensei que não poderia se quebrar mais, se estilhaçou em mil outros pedaços.
Foi naquele momento que eu o odiei mais do que já odiei qualquer pessoa na minha vida. Eu o odiava por sua crueldade, por sua indiferença. Eu o odiava por trazer uma criança a este mundo apenas para descartá-la. E eu me odiava por tê-lo amado um dia.
Minha vida era um relógio em contagem regressiva, e eu passaria cada último segundo que me restava garantindo que meu filho fosse amado e cuidado, mesmo que isso significasse lutar uma guerra que eu estava destinada a perder.
Fiz uma sopa para o Leo, mas os biscoitos de água e sal que ele gostava tinham acabado. Eu tinha que ir ao mercado.
"Ricardo", eu disse, minha voz sem emoção. "Vou ao mercado. O Leo está no quarto dele. Ele está com febre. Só... dê uma olhada nele."
Ele grunhiu em resposta, seus olhos grudados na tela.
Quando voltei, vinte minutos depois, entrei em um pesadelo. Leo estava parado no meio da sala, seu rosto manchado com um batom vermelho e grosso. Enzo estava atrás dele, o tubo ofensivo na mão, rindo.
"O que você fez com ele?" gritei, deixando cair as sacolas de compras.
O rosto de Enzo se contorceu. "Eu só estava brincando! Estávamos brincando de palhaços!" ele lamentou.
Ricardo imediatamente se levantou e correu para o lado de Enzo, confortando-o. "Está tudo bem, Enzo. Foi só uma brincadeira." Ele me fuzilou com o olhar. "Olha o que você fez. Você o assustou."
"Ele humilhou nosso filho!" gritei, apontando um dedo trêmulo para Leo, que agora chorava silenciosamente. "E você não fez nada! Você deveria estar cuidando dele!"
"Não seja tão dramática, Helena", Ricardo zombou. "É só batom. Você é louca." Ele pegou um Enzo chorando e o levou embora. "Você é um monstro. Um monstro louco e ciumento."
As palavras ecoaram na sala silenciosa. Monstro.
Olhei para o rosto do meu filho, manchado de lágrimas e batom. "Ele está certo", sussurrei para a sala vazia. "Eu sou um monstro. Porque vou morrer e deixar meu bebê sozinho neste mundo."
E Ricardo, o homem que deveria ser seu pai, apenas ficou lá, confortando a criança que o havia machucado.