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Ponto de Vista: Laura Arruda
Na manhã seguinte, eu fiz a ligação. Fazia sete anos que eu não discava aquele número, mas meus dedos se lembravam da sequência como se fosse ontem.
Uma voz nítida e familiar atendeu no primeiro toque. "Residência Monteiro."
"Sou eu", eu disse, minha voz falhando um pouco.
Houve um silêncio atordoado, depois um soluço contido. "Senhorita Laura? Oh, meu Deus, é você mesma?"
Lágrimas escorreram pelo meu rosto enquanto eu falava com a governanta do meu pai, uma mulher que praticamente me criou. Quando contei a ela sobre Davi, seu neto, o silêncio do outro lado da linha foi profundo, pesado de emoção não dita.
"Ele quer saber quando você volta para casa", disse ela, com a voz embargada pelas lágrimas. "Ele quer conhecer o neto. Ele disse que mandará um jato, um helicóptero, o que você precisar. Apenas volte para casa, Laura. Por favor."
Casa. A palavra parecia estranha, um país distante que eu não visitava há anos.
Olhei para Davi, dormindo em sua cama, agarrado ao pequeno lobo de madeira que Heitor havia esculpido para ele. Ele estava resmungando durante o sono. "Papai prometeu... festa grande..."
Seu quinto aniversário era em dois dias. Uma onda de náusea me atingiu. Eu queria que ele saísse deste lugar com memórias felizes, não com a ferida aberta de uma promessa quebrada. Eu queria que ele tivesse um último dia perfeito.
Esse foi o meu erro. A esperança é uma coisa perigosa.
Ao amanhecer, dois dias depois, a batida forte na porta não era uma surpresa de aniversário. Era Constança Sampaio, a mãe de Heitor, ladeada por dois homens imponentes. Ela nunca gostou de mim. Para ela, eu era uma vira-lata sem nome e sem pais que havia manchado sua preciosa linhagem. Ela olhava para Davi com um nojo mal disfarçado, como se ele fosse uma mancha infeliz na reputação impecável da família.
"Vistam-se", ela ordenou, sua voz fria como uma manhã de inverno. "Os dois. Heitor fará um anúncio importante na mansão da família. Vocês são obrigados a estar lá."
Os olhos de Davi se iluminaram. "O papai está lá? Ele está me esperando?"
Eu não consegui responder. Um nó de pavor se apertou no meu estômago. Eu sabia que não se tratava de um aniversário. Era uma execução.
A mansão dos Sampaio era vasta e ostensiva, um monumento ao dinheiro novo tentando desesperadamente parecer antigo. Enquanto éramos conduzidos ao grande salão de festas, um mar de rostos desaprovadores se virou para nos encarar. O ar estava pesado com o cheiro de lírios e julgamento. E lá, de pé em um tablado elevado, estava Heitor.
Ele não estava olhando para mim. Seus olhos estavam fixos em Sofia Alencar, que estava ao seu lado, com a mão delicadamente pousada sobre a barriga. Ela brilhava com um esplendor presunçoso e predatório.
Constança deu um passo à frente, sua voz ressoando com autoridade. "Reuni todos vocês aqui hoje para compartilhar uma notícia alegre. Sofia está grávida. Um herdeiro para a fortuna dos Sampaio."
Uma onda de aplausos educados percorreu o salão.
"Esta criança", continuou Constança, seu olhar varrendo a multidão e pousando em mim com uma precisão arrepiante, "será o único herdeiro legítimo da Sampaio Inovações. Heitor e Sofia serão oficialmente unidos em uma cerimônia no próximo mês."
Eu encarei Heitor, procurando por qualquer lampejo do homem que um dia amei. Ele não encontrava meus olhos. Ele apenas ficou lá, uma bela estátua, enquanto sua mãe sistematicamente me apagava, junto com nosso filho, de sua vida. Ele gentilmente colocou a mão sobre a de Sofia em sua barriga. "Mal posso esperar para ser pai", disse ele, com a voz alta o suficiente para que todos ouvissem.
Uma mãozinha apertou a minha, tremendo. Olhei para Davi. Seu rosto estava pálido, seus olhos arregalados de confusão e uma dor tão profunda que partiu meu coração.
"Mamãe", ele sussurrou, sua voz quase inaudível. "O papai disse que mal pode esperar para ser pai... Se ela vai ter um bebê... então o que eu sou?"
A pergunta pairou no ar, uma acusação devastadora que silenciou o salão. Alguns primos de Heitor riram.
"Olha o bastardinho", um deles zombou. "Ele realmente acha que tem um lugar aqui?"
"Uma criança ilegítima seria uma mancha na reputação da nossa família", acrescentou outro. "Ele não pode ser o herdeiro."
O sorriso de Constança era triunfante, cruel. "Não se preocupem. Temos uma solução. Para evitar qualquer escândalo, permitiremos graciosamente que o menino fique, como um órfão adotado sob os cuidados da família. E quanto à sua babá", disse ela, seus olhos cravados em mim, "ela pode permanecer a nosso serviço como empregada."
Lembrei-me então de uma conversa que ouvi semanas atrás. A voz de Constança, afiada e conspiratória, dizendo a Sofia: "Você é de sangue puro, minha querida. Você deve dar a Heitor um herdeiro adequado."
Tudo tinha sido uma mentira. Um plano cuidadosamente construído para nos descartar.
Davi começou a chorar, lágrimas silenciosas traçando caminhos por seu rostinho. "Eu não sou órfão", ele sussurrou, seu corpo tremendo. "Eu não sou."
Heitor finalmente vacilou. Ele deu um meio passo à frente, sua boca se abrindo como se fosse falar, mas Sofia colocou uma mão restritiva em seu braço. Ele olhou para ela, depois de volta para nós, sua mandíbula tensa de indecisão. Ele não disse nada. Ele a escolheu. Ele escolheu a ambição.
Foi isso. A última centelha de esperança morreu, deixando para trás apenas uma raiva fria e dura.
Dei um passo à frente, puxando Davi para trás de mim. "Ele não tem nada a ver com vocês", eu disse, minha voz clara e firme. "Ele não é um Sampaio."
Ajoelhei-me, segurando o rosto de Davi em minhas mãos. Suas lágrimas encharcaram meus dedos. "Davi", eu disse, minha própria voz quebrando. "Escute-me. De agora em diante, ele não é seu pai. Você entende? Nunca mais o chame assim."
A cabeça de Heitor se ergueu bruscamente, seus olhos arregalados de choque. Ele finalmente olhou para mim, realmente olhou para mim, uma expressão desesperada e questionadora em seu rosto. Mas o amor que eu via ali antes se fora, substituído por um vazio. Eu não sentia mais nada por ele. Nada além de desprezo.
Davi soluçou, um som angustiante do mundo de uma criança de cinco anos desmoronando.
Quando me levantei para sair, Sofia parou na minha frente, bloqueando meu caminho. Seu sorriso era veneno. "Não tão rápido. Há a questão do anel."
Ela apontou para o simples anel de safira no meu dedo. Pertenceu à avó de Heitor. Ele me deu no dia em que Davi nasceu, prometendo que era um substituto para uma aliança de verdade, um símbolo de que eu era sua verdadeira companheira, sua única.
"Heitor", perguntei, minha voz perigosamente baixa, "você concordou com isso?"
Ele se encolheu, desviando o olhar. "É apenas... uma herança de família, Laura. Pertence à... família."
Claro. Era tudo sobre a família. A família deles.
Lentamente, deliberadamente, tirei o anel do meu dedo. Parecia frio contra minha pele. Eu o estendi para Sofia, deixando-o cair em sua palma perfeitamente manicure.
"Parabéns", eu disse, meus lábios se curvando em um sorriso que não alcançou meus olhos. "Espero que lhe traga toda a felicidade que você merece."
Heitor me encarou, seu rosto uma máscara de incredulidade.
Eu me virei, pegando um Davi soluçante em meus braços. Não olhei para trás. Ele me viu partir, sua boca ligeiramente aberta, como se só agora estivesse percebendo que o chão sob seus pés havia desmoronado.
Era tarde demais.
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