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Em meados dos anos 1960 em uma cidade chamada Santa Cruz, no interior do estado do Rio Grande do Sul, quase divisa do estado com o país vizinho Uruguai, eu fui com o meu pai para esta cidade, pois estava aprendendo a profissão de representante comercial com ele. Eu tinha por vota de quatorze anos quando comecei a me aventurar com meu pai em suas viagens de negócios. Sempre que podia eu o acompanhava, exceto quando no período de aulas, que segundo minha mãe era o mais importante.
Contudo no inverno de 1960, no mês de junho para ser mais exato eu fui como meu pai até a cidade de Santa Cruz no Rio Grande do Sul. Eu estava empolgado com a viagem, pois com certeza essa viagem estaria cheia de aventuras e emoções a serem vividas como em muitas que fui com meu pai. Contudo mal sabia eu que nessa viagem encontraria o grande amor da minha vida, a pessoa que daria ainda mais brilho e luz a minha existência.
A viagem começou na estação de trem em Porto Alegre, embarcamos no trem chamado "Minuano", era o trem mais bonito que eu já tinha visto, o trem fazia três viagens por dia entre Porto Alegre e Santa Cruz, os vagões da composição eram enormes, era na cor vermelha carmim com uma faixa amarela que cruzava todo o vagão em sua extensão, a locomotiva também era vermelha porem tinha três faróis redondos na frente um na parte superior e dois na parte inferior que irradiavam uma luz amarela. Em cima da locomotiva tinha fixado uma placa na cor preta com o numero 1958 pintado em branco, era uma locomotiva a diesel o que para a época era um grande avanço.
Lembro-me ao adentar no vagão o quão lindo era, tinha duas fileiras de poltronas semi - leito todas revestidas de couro na cor azul marinho, no teto do vagão existiam dois ventiladores na cor branca, esse era o vagão que eu e meu pai sentamos e iniciamos a viagem. Contudo ainda tinha outro vagão que ficava logo após a locomotiva que chamavam de vagão restaurante, e este era igualmente lindo ao que nós estávamos, era também um vagão grande com mesas e cadeiras em madeiras trabalhadas em alto relevo, lembrando os móveis imperiais, as toalhas brancas em cima da mesa, as taças de cristal bem fininhas que pareciam que a qualquer momento iriam quebrar, ao fundo do vagão um bar se fixava, com um balcão em madeira e banquetas com assentos redondos revestidos de couro branco, esse bar era apenas para pessoas adultas e eu por óbvio não me enquadrava nessa categoria, mesmo assim meu pai fez questão de me levar até o mesmo e me mostrar à beleza dos móveis e do local, o qual eu fiz animadíssimo. Depois de conhecermos o vagão restaurante e toda a sua beleza retornamos a nossas poltronas, as quais estavam por nós esperando, quando sentei naquela poltrona ela simplesmente me envolveu, macia e aconchegante como se estivesse me desejando "Tenha uma ótima viagem".
Eu olhava pela janela na plataforma da estação as pessoas que passavam apressadas para adentrar ao trem, outras se despedindo de seus entes queridos com longos abraços e beijos apaixonados, e outras com malas em suas mãos olhando em volta e esperando talvez quem alguém chegue para se despedir deles. Meu pai ao meu lado em silencio tira do bolso de seu paletó uma carteira de cigarrilhas aromatizadas e acende uma, reclina sua cabeça na poltrona e dá uma longa tragada, eu olho e penso
"O que será que papai está pensando! Será na viagem, será na mamãe?"
Ele solta a fumaça pela boca, uma fumaça branca e com cheiro de chocolate, a fumaça se dissipa no ar, ele vira a cabeça para o meu lado e diz:
- Sossega menino, logo o trem sai, e aproveite para descansar porque a viagem é longa!
Eu olho novamente para o lado de fora e não vejo mais tantas pessoas se despedindo com abraços, apenas acenos de mão para quem já está embarcado, apenas um senhor sentado em cima de sua mala de madeira na plataforma me chama atenção, ela olha para os lados como se buscasse alguém, abaixa a cabeça e leva as mãos ao rosto, percebo que ele está chorando e então pergunto a meu pai:
-Papai! Porque aquele homem está chorando?
Meu pai apenas responde:
- Ele está chorando porque ninguém veio se despedir dele. A maior tristeza que um homem pode sentir é o abandono da família!
Eu guardo aquelas palavras como se fosse uma lição.
Então escuto o apito da locomotiva, um som alto e inconfundível, o som da partida, o som de uma vida nova para quem se aventura, o som da tristeza para quem fica longe dos seus, mas mesmo assim o som da esperança, de novos sonhos, amores e fantasias.
A locomotiva começa puxar a composição de vagões e o trem começa a se mover lentamente, a plataforma vai ficando para trás e com ela as pessoas que acenam e choram. O trem começa a ganhar velocidade e a estação vai ficando cada vez mais longe, eu viro a cabeça e tento ver a plataforma, mas já não consigo, uma mistura de sentimentos me invadiu, euforia, alegria, tristeza, incerteza, felicidade. Sentimentos que se misturam em minha mente fazendo aquele momento ser único em minha vida.
Após a saída da estação o trem se afasta da cidade e começam a aparecer campos e planícies, o trem cortando os pampas gaúchos e eu já cansado, pois se passava das seis horas, encosto a cabeça no ombro de meu pai e adormeço imaginando o futuro que nos aguardava.