Assim que a porta se fecha atrás dele, o sorriso some do meu rosto. Ligo para a Maya.
"Você estava certa", digo. Sem rodeios. As palavras são secas, mortas.
Há uma pausa, depois uma série de palavrões em português do outro lado da linha que eu sei que são reservados apenas para as traições mais hediondas. "O que você vai fazer?"
"Vou embora", digo, as palavras soando sólidas e reais pela primeira vez. "Mas preciso fazer isso direito. Preciso desaparecer. Ele é o futuro Don, Maya. Se ele pensar que eu simplesmente fugi, ele vai me caçar. Uma Vendetta por tê-lo envergonhado. Tem que parecer que eu simplesmente... sumi."
Vendetta. Vingança. Não era apenas uma palavra para nós; era uma promessa sagrada, encharcada de sangue. Olho por olho, vida por vida, honra restaurada através da violência. Um Don que foi publicamente envergonhado não tem escolha a não ser declarar uma. Eu não tinha a menor intenção de estar do lado que recebe.
"Limpeza de identidade", diz Maya, sua voz agora totalmente profissional. "É complicado, mas não impossível. Ele tem olhos em todos os lugares. Precisamos de um novo nome. Uma nova vida."
Olho pela janela da cobertura para a cidade que se estende abaixo. Uma jaula de concreto. "Laura. Laura Costa."
Naquela tarde, abro uma nova conta bancária em meu próprio nome, transferindo a pequena quantia de economias pessoais que tenho. Começo a aceitar trabalhos de design gráfico freelancer por dinheiro, pequenos serviços pagos anonimamente através de plataformas online. Cada real que entra parece um tijolo na fundação da minha fuga.
Florianópolis, Santa Catarina. O nome veio a mim em um sonho. Uma cidade conhecida por suas praias e natureza, a mais de setecentos quilômetros do alcance da rede da família Bastos. Um território neutro. Meu destino anônimo.
Naquela noite, empacoto cada vestígio dos nossos sete anos juntos. Fotos, cartas, o estúpido urso de pelúcia que ele ganhou para mim em um parque de diversões. Selo as caixas e as enfio no fundo do meu armário. Parece que estou enterrando um corpo. O meu corpo. Estou cortando o cordão, pedaço por pedaço doloroso.
Uma semana depois, estou esperando por Maya em nossa cafeteria de sempre quando o sino da porta toca. Minha cabeça se vira bruscamente.
Heitor entra. Minha respiração falha.
Ele não está sozinho. Yasmin Ferraz está agarrada ao seu braço, rindo para ele, seus lábios ainda inchados dos beijos dele. Eles são um espetáculo. Um foda-se público para o nosso noivado, para a honra de sua família. Ele estava desfilando com uma associada, um enfeite de braço descartável cujo único valor era sua utilidade temporária, enquanto sua noiva - a chave para uma aliança política que garantiria o poder de sua família por uma geração - estava sentada a seis metros de distância. Não era apenas desrespeito. Era uma declaração pública de que as regras, a própria estrutura do nosso mundo, não se aplicavam a ele.
Os olhos de Heitor encontram os meus do outro lado da sala. Por uma fração de segundo, vejo um lampejo de algo - culpa? irritação? - antes que seu rosto se assente novamente em uma máscara de confusão educada. Ele me dá um aceno pequeno e sem graça, como se eu fosse uma conhecida distante.
Yasmin, no entanto, não é tão sutil. Seus olhos brilham com triunfo enquanto ela deliberadamente se solta de Heitor e caminha em direção à minha mesa, seus quadris balançando.
"Sofia, certo?", ela diz, sua voz escorrendo falsa simpatia. "O Heitor me contou tanto sobre... bem, sobre como isso deve ser difícil para você. Eu só queria dizer que, se houver algo que eu possa fazer para ajudá-lo a superar isso, é só me avisar."
A provocação é tão descarada que é quase patética. Ela quer uma reação. Ela quer lágrimas, uma cena. Ela quer solidificar sua posição como a nova mulher na vida dele.
Eu olho para ela, meu rosto uma tela em branco perfeita. Não ofereço um sorriso. Não ofereço nada.
"Não será necessário", digo, minha voz seca e fria como uma pedra de gelo.
Ela pisca, pega de surpresa pela minha falta de emoção. Ela esperava um passarinho engaiolado. Ela encontrou outra coisa.
Eu os observo sair, o braço dele agora possessivamente em volta da cintura dela. A cena não me causa mais dor. É apenas combustível. Minha determinação se transforma em aço.
Eu não sou mais Sofia Almeida, a noiva obediente do Don. Eu sou Laura Costa.
Meu único objetivo é escapar.