Capítulo 3

Ponto de Vista: Alana Queiroz

No carro, ele segurou minha mão, o polegar acariciando meus nós dos dedos em um gesto que antes era reconfortante, mas agora parecia o toque de uma cobra.

"Eu sinto muito, Alana", ele murmurou, a voz carregada de uma culpa habilmente fingida. "Eu deveria ter prestado mais atenção. Tenho andado tão distraído com... tudo. Juro por você, isso nunca mais vai acontecer."

Ele se inclinou e deu um beijo suave na minha testa.

"Você deve estar apavorada. Não se preocupe. Eu vou consertar tudo."

Fechei os olhos, incapaz de olhar para seu rosto bonito e mentiroso por mais tempo. Cada palavra era um movimento calculado em seu jogo doentio. Ele me queria quebrada, dependente e grata por sua salvação. Ele queria que eu acreditasse que ele era meu protetor, enquanto era ele quem me havia jogado aos lobos.

A viagem pareceu durar uma eternidade. Paramos em frente a uma fábrica abandonada e familiar nos arredores da cidade, um lugar que usávamos para... interrogatórios. Meu estômago se revirou.

Lá dentro, um homem estava amarrado a uma cadeira. Ele estava tão espancado que sua própria mãe não o reconheceria. Mal estava consciente, sua respiração superficial e irregular.

Ele não era um dos homens que me atacaram. Eu nunca o tinha visto antes na vida. Ele era apenas um adereço para o palco de Ricardo.

O único olho bom do homem se abriu e pousou em mim. Não havia reconhecimento nele, apenas uma confusão atordoada. Então seu olhar se voltou para Ricardo, e uma centelha de ódio puro se acendeu em suas profundezas.

"Seu filho da puta", o homem cuspiu, um fio de sangue escorrendo do canto de sua boca. "Você me armou."

Ricardo o ignorou, sua atenção totalmente em mim. Ele se agachou, forçando-me a olhar para o homem quebrado.

"Este é um deles, Alana. O lixo que te machucou."

Ele então se virou para o homem, sua voz caindo para um sussurro mortal.

"Você colocou as mãos na minha mulher. Você a fez sangrar. Agora, eu vou fazer você gritar."

Ricardo tirou uma faca de caça reluzente de sua jaqueta. O homem na cadeira começou a se debater, os olhos arregalados de terror.

"Espere! Conte a verdade para ela, Mendes! Diga a ela que você me pagou para-"

As palavras do homem foram cortadas por um gorgolejo sufocado quando Ricardo enfiou a faca em sua garganta. Ele a torceu, seus movimentos eficientes e brutais.

Sangue espirrou pelo chão. Ricardo tirou a faca e se virou para mim, um sorriso doentiamente gentil em seu rosto. Havia respingos de sangue em sua bochecha, um contraste gritante com seus traços perfeitos.

"Ele não pode mais te machucar", disse ele suavemente, como se tivesse acabado de me apresentar um presente. Ele limpou a faca ensanguentada em suas calças e depois a estendeu para mim, com o cabo virado.

"Termine", ele disse, sua voz um comando calmo. "Faça-o pagar pelo que ele fez a você. A nós."

Minha mão tremeu quando peguei a faca. Minha mente estava gritando. Isso era loucura. Isso era uma performance, um espetáculo doentio e sangrento projetado para me ligar a ele novamente através da violência compartilhada.

Ele colocou a mão sobre a minha, seu aperto firme e inflexível. Juntos, ele guiou minha mão, forçando a lâmina a entrar fundo no peito do homem moribundo. Uma vez. Duas vezes. O baque nauseante da faca atingindo o osso ecoou na sala cavernosa.

O corpo do homem ficou mole.

Ricardo me puxou para seus braços, segurando-me com força contra seu peito enquanto o sol começava a se pôr, lançando longas sombras sangrentas pelo chão da fábrica.

"Viu, meu amor?", ele sussurrou em meu cabelo, seus lábios roçando minha têmpora. "Somos melhores quando estamos juntos. Nunca mais tente me deixar. Não me faça fazer coisas que eu não quero fazer."

Ele se afastou um pouco, suas mãos segurando meu rosto. Seus polegares enxugaram gentilmente as lágrimas que eu nem percebi que estava chorando.

"Você é minha, Alana. Você é diferente de todo mundo. Contanto que você seja uma boa menina e fique ao meu lado, eu sempre vou te proteger. Eu sempre estarei aqui para você."

As palavras me atingiram com a força de um golpe físico. Boa menina. Proteger você. Era a linguagem que se usa com um animal de estimação, não com uma parceira. Os oito anos que passamos construindo um império juntos não significavam nada. Aos olhos dele, eu era apenas uma posse a ser gerenciada e controlada.

Ele sorriu, um sorriso terno e amoroso que era a coisa mais aterrorizante que eu já tinha visto. Ele deixou uma mão descer do meu rosto para repousar possessivamente sobre meu abdômen ainda dolorido.

"Como está nosso bebê?", ele perguntou, a voz suave. "Espero que eles não tenham ficado muito assustados."

A pergunta foi tão chocante, tão completamente desconectada da realidade sangrenta da última hora, que eu recuei fisicamente. Tropecei para trás, para fora de seus braços, meus olhos arregalados com uma nova onda de horror.

Ele sabia sobre o bebê.

Mas ele não sabia que o bebê tinha ido embora. Ele pensava que essa... essa exibição grotesca de violência... era para nós três.

"O... o bebê está bem", gaguejei, minha voz mal um sussurro. "Ainda é muito cedo para sentir qualquer coisa."

"Estou cansada, Ricardo", eu disse, envolvendo os braços em volta de mim mesma. "Quero ir para casa."

Ele assentiu, sua máscara de namorado amoroso deslizando perfeitamente de volta ao lugar.

"Claro, meu amor. Vamos te levar para casa para descansar."

Na volta, o celular dele não parava de vibrar. Ele continuava olhando para ele, um pequeno sorriso brincando em seus lábios. Quando estávamos a algumas quadras do nosso prédio, ele parou o carro.

"Surgiu uma coisa", ele disse, sem me encarar diretamente. "Uma bagunça que preciso resolver. Pode subir. Volto mais tarde."

Ele se inclinou para me beijar, mas eu virei a cabeça para que seus lábios pousassem na minha bochecha. Ele franziu a testa levemente, mas não insistiu. Quando ele saiu do carro, vislumbrei a tela do seu celular enquanto ela se acendia.

Uma mensagem de Elisa.

*Estou com medo, Ricardo. Sinto sua falta. Você pode vir aqui?*

Ele me deixou na beira da estrada, coberta com o sangue de um estranho, e foi correndo para ela.

Eu não peguei um táxi. Eu andei. Andei por três horas, o ar frio da noite não fazendo nada para clarear minha cabeça. As luzes da cidade se borraram ao meu redor. Cada passo era um testemunho da minha tolice. Cada respiração era um lembrete do homem a quem eu dei tudo, e do homem que ele se tornou.

Quando finalmente cheguei à porta da frente do nosso prédio, minhas pernas doíam e minha alma estava entorpecida. Procurei minhas chaves, minhas mãos ainda tremendo.

Assim que encontrei a chave certa, uma dor aguda explodiu na parte de trás da minha cabeça.

O mundo ficou preto pela terceira vez em poucos dias.

Desta vez, acordei com o som de uma faca sendo afiada. Raspa. Raspa. Raspa. O som rítmico e irritante fez meus dentes rangerem.

Eu estava em um galpão diferente. Mais escuro, mais sujo. E eu não estava sozinha.

Do outro lado da sala, amarrada a outra cadeira, estava Elisa. Seu rosto estava pálido, seus olhos grandes arregalados de terror.

Um homem que eu reconheci vagamente estava entre nós, testando a lâmina contra o polegar. Jeferson Gonçalves. O chefe do cartel rival Gonçalves. Um homem cujos carregamentos vínhamos interceptando sistematicamente nos últimos seis meses.

"Ora, ora", disse Gonçalves, seus olhos alternando entre mim e Elisa. "Olha o que meus rapazes trouxeram. Duas pelo preço de uma." Ele sorriu, um sorriso cruel e feio. "O Mendes tem sido um verdadeiro pé no saco. Sequestrou um dos meus melhores homens na semana passada. Acho que é hora de retribuir o favor."

Seus olhos se demoraram em Elisa, depois se voltaram para mim. Seu olhar desceu para nossas barrigas. Um sorriso lento e predatório se espalhou por seu rosto.

"E o que é isso? Duas vadias grávidas? O Mendes andou ocupado." Ele riu, um som baixo e gutural. "Ele vai ter dificuldade em escolher qual salvar."

Ele caminhou até Elisa, a faca brilhando na luz fraca. Ele cortou suas amarras. Ela recuou, choramingando.

"Por favor", ela sussurrou, lágrimas escorrendo por seu rosto perfeito. "Por favor, não me machuque. Eu faço qualquer coisa."

Gonçalves riu. "Ah, tenho certeza que faz." Ele estendeu a mão e rasgou a frente do vestido dela. Ela gritou, encolhendo-se para longe dele.

Enquanto sua atenção estava nela, eu trabalhei silenciosamente, freneticamente, serrando as cordas que prendiam meus pulsos contra um pedaço de metal afiado que se projetava da minha cadeira. As fibras estavam começando a ceder. Só mais um pouco de tempo.

Então Elisa falou, sua voz aguda e trêmula, mas com uma corrente subterrânea de algo que eu não tinha ouvido antes. Astúcia.

"Espere!", ela gritou. "Você pegou a pessoa errada!"

Gonçalves parou, virando-se para olhá-la.

"Ela!", Elisa apontou um dedo trêmulo para mim. "É ela que você quer! Eu não sou ninguém! Sou apenas uma estudante! Ela é Alana Queiroz, a chefe de operações do Ricardo! O braço direito dele! É ela quem planeja tudo! Todos aqueles carregamentos que você perdeu? Foi ela!"

Meu sangue gelou. As cordas em meus pulsos se soltaram, mas eu estava congelada no lugar, encarando a garota que Ricardo acreditava ser pura demais para sequer pisar em uma formiga.

"E... e o seu homem", Elisa soluçou, suas palavras se atropelando. "Aquele que o Ricardo pegou na semana passada? Foi ela quem deu a ordem! Eu os ouvi falando sobre isso! Ela disse que ele era um risco e precisava ser eliminado permanentemente!"

Eu a encarei, minha mente girando. A estudante de artes inocente e frágil era uma víbora. Uma mentirosa. E ela tinha acabado de assinar minha sentença de morte para salvar a própria pele.

O rosto de Gonçalves escureceu, seus olhos se voltando para mim com uma fúria renovada e assassina.

"É mesmo?", ele rosnou, avançando sobre mim.

Naquele momento, eu finalmente entendi. Elisa não era uma distração. Ela era uma arma. E ela tinha sido apontada para mim desde o início.

                         

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