Tarde Demais Para o Seu Pedido Desesperado
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Capítulo 2

Ponto de Vista: Clara Valente

O carro dirigia sem rumo pelas ruas molhadas de chuva, o movimento rítmico dos limpadores de para-brisa um contraponto hipnótico à turbulência em meu coração. Eu não podia ir para casa. Ainda não. Meus pais veriam os estragos das minhas lágrimas não derramadas, o olhar astuto da minha mãe perfuraria minha fachada cuidadosamente construída.

"Só... me deixe no hotel mais próximo", eu disse ao motorista, minha voz rouca. "Vou pegar um quarto por uma noite."

Ele hesitou, uma carranca preocupada vincando sua testa. "Tem certeza, moça? Talvez você devesse esperar..."

"Tenho certeza", eu disse, um pouco bruscamente demais.

Ele parou na calçada em frente ao Grand Hyatt, um monólito de vidro e aço que atendia à elite da cidade. Paguei-lhe, murmurei um obrigado e saí para o ar frio e úmido.

Enquanto eu passava pelas portas giratórias de vidro, uma onda de calor e o leve cheiro de lírios me envolveram. Eu estava prestes a ir para a recepção quando uma risada familiar me paralisou.

Lá, perto do balcão de check-in, estavam Heitor e Fabiana.

Ele estava encostado nela, o braço casualmente sobre seus ombros enquanto ela falava com a recepcionista. Ele parecia bêbado, suas feições geralmente afiadas suavizadas pelo álcool e pela fadiga. Ela sustentava seu peso, sua postura irradiando uma possessividade triunfante.

Eles estavam fazendo o check-in. Juntos.

Eles pegaram o cartão-chave, e Fabiana entrelaçou seu braço no dele, guiando-o em direção aos elevadores. Eles estavam rindo, suas cabeças próximas. Enquanto esperavam, Heitor se inclinou e pressionou um beijo demorado em seus lábios, bem ali no saguão iluminado.

Eu fiquei congelada no meio da entrada, sentindo-me como uma espectadora invisível em uma peça que eu nunca quis ver. O ar nos meus pulmões parecia ter congelado. Eu não conseguia me mover. Eu não conseguia respirar. Meus pés estavam enraizados no tapete felpudo.

"Senhorita? Você está bem? Precisa de ajuda?" Um mensageiro de aparência preocupada estava parado na minha frente.

Abri a boca para responder, mas tudo o que saiu foi um soluço engasgado. Lágrimas que eu nem percebi que estava segurando começaram a escorrer pelo meu rosto, quentes e imparáveis. Os olhos do mensageiro se arregalaram em alarme.

"Eles... eles vão ficar juntos?", sussurrei, as palavras rasgando minha garganta. Apontei um dedo trêmulo em direção ao elevador, onde as portas estavam se fechando sobre Heitor e Fabiana. "No mesmo quarto?"

A expressão do jovem se suavizou com pena. Ele olhou para a tela da recepção, depois de volta para mim. "Sim, senhorita. Uma suíte king no 25º andar."

A confirmação foi um golpe final e brutal. A última lasca de esperança, a crença ingênua de que talvez, apenas talvez, ele estivesse apenas sendo um cavalheiro e conseguindo um quarto para ela, se estilhaçou em um milhão de pedaços.

Tropecei para fora do hotel, meu corpo tremendo incontrolavelmente. A chuva havia se intensificado, colando meu cabelo no rosto, mas eu mal sentia o frio. Afundei em um vaso de pedra na calçada, a borda áspera cravando em minhas coxas, e olhei fixamente para os borrões dos faróis que passavam.

Uma parte insana e masoquista de mim se recusou a sair. Fiquei ali, na chuva, um monte patético e encharcado de miséria, e esperei. Não sei o que estava esperando. Que ele voltasse? Que me dissesse que tudo era um erro?

Esperei enquanto o céu passava de um preto-tinta para um roxo machucado, depois para um cinza suave e nebuloso.

E então eu os vi.

Eles saíram do hotel de mãos dadas, parecendo revigorados e ridiculamente felizes. Fabiana usava o mesmo vestido, mas Heitor havia trocado por uma camisa limpa. Ele abriu a porta do passageiro de seu carro para ela, depois correu para o lado do motorista e entrou. O carro se afastou da calçada e desapareceu no trânsito da manhã.

A última brasa de esperança dentro de mim se apagou, deixando apenas cinzas frias e cinzentas.

Finalmente arrastei meu corpo pesado e dolorido para casa. A casa estava vazia; meus pais já haviam saído para o trabalho. Desabei na minha cama, os eventos das últimas vinte e quatro horas se repetindo em um loop implacável em minha mente. Cada sorriso, cada toque, cada risada que eles compartilharam foi uma nova facada de dor.

Chorei até não ter mais lágrimas, e então caí em um sono profundo e exausto.

Quando acordei, o sol da tarde entrava pela minha janela, lançando longas sombras pelo quarto. Peguei meu celular, uma sensação de pavor se enrolando em meu estômago. Meu polegar pairou sobre o contato de Heitor, depois deslizou para sua página de mídia social.

Um novo vídeo havia sido postado há uma hora.

Meu coração parou.

Era Fabiana, seu rosto iluminado de alegria, girando em um campo de flores. Minhas flores. Nossas flores. Era o refúgio secreto que Heitor e eu havíamos descoberto em uma caminhada anos atrás, aquele que ele jurou ser "nosso lugar", um santuário que ninguém mais conhecia.

Ele a tinha levado lá. Ele tinha dado a ela meu santuário.

Meus dedos tremeram enquanto eu digitava um comentário, minha visão embaçando novamente. *Esse é o nosso lugar?* As palavras pareciam cruas e patéticas na tela. Eu as apaguei. *Você prometeu que nunca levaria mais ninguém lá.* Apagado.

Com a mão trêmula, finalmente consegui uma única e vazia frase.

*Lindo lugar. Espero que vocês sejam felizes.*

Uma resposta veio quase instantaneamente. Era de Heitor.

*É mesmo! A Fabiana adorou. Sabia que você não se importaria de eu compartilhar nosso segredinho. Ela achou tão romântico.*

Ele não se lembrava. Ele não se lembrava da promessa que me fez sob o céu de verão naquele mesmo campo, sua voz sincera e séria. "Este é o nosso lugar, Clarinha. Só para nós. Para sempre."

Para sempre acabou sendo muito mais curto do que eu esperava.

Um soluço estrangulado escapou dos meus lábios, e então eu estava chorando de novo, um som cru e gutural de pura agonia. Parecia que meu coração estava sendo fisicamente arrancado do meu peito.

No mês seguinte, eu fui um fantasma. Fui às aulas, fiz meus trabalhos, mas estava oca por dentro. Falava em monossílabos, o esforço de formar palavras era demais para suportar. Minha mãe me observava com olhos preocupados.

"Clara, querida, você mal disse uma palavra a semana toda", ela disse uma noite, colocando uma mão reconfortante no meu ombro. "Aconteceu alguma coisa?"

Eu apenas balancei a cabeça, incapaz de falar além do nó na minha garganta.

Mais tarde naquela semana, ela entrou no meu quarto. "Ouvi da mãe do Heitor que ele tem uma nova namorada", ela disse gentilmente, sua voz cheia de compreensão. E assim, ela soube. Ela sabia o motivo do meu silêncio, das sombras sob meus olhos.

No dia seguinte, ela inventou uma desculpa esfarrapada sobre precisar de uma marca específica de café importado que só era vendida em uma loja gourmet no centro. "Eu simplesmente não consigo encontrar em nenhum outro lugar, e você sabe como seu pai fica sem o café da manhã dele", disse ela, pressionando as chaves do carro na minha mão. "Você poderia ser um anjo e ir buscar um pouco para mim?"

Era uma tentativa descarada de me tirar de casa, da minha prisão autoimposta de miséria. Eu não tinha energia para discutir.

"Ok, mãe", murmurei.

A loja gourmet, claro, estava sem o café. Derrotada, eu estava voltando para o meu carro quando os vi novamente. Heitor e Fabiana, saindo do Hospital das Clínicas da USP, do outro lado da rua.

Meu primeiro instinto foi me esconder, mas era tarde demais. Heitor já tinha me visto.

"Clarinha!", ele chamou, um sorriso largo no rosto.

Forcei-me a caminhar em direção a eles, meus pés parecendo de chumbo. "Oi, Heitor. Fabiana."

Fabiana ofereceu um sorriso de lábios apertados, seus olhos frios e avaliadores.

"O que vocês estão fazendo aqui? Está tudo bem?", perguntei, meu olhar fixo em Heitor. Ele parecia um pouco pálido, sua habitual postura despreocupada substituída por uma camada de ansiedade.

"Ah, estamos bem", disse Fabiana, sua voz um pouco brilhante demais. Ela agarrou o braço de Heitor com mais força. "Eu só tenho me sentido um pouco... enjoada ultimamente. Viemos para um check-up."

Um pavor frio, agudo e familiar, me invadiu. Eu não queria ouvir isso. Eu não queria saber.

A mão de Fabiana deslizou para sua barriga lisa, um sorriso tímido e triunfante brincando em seus lábios. Ela olhou de mim para Heitor, seus olhos brilhando.

"Eu estou grávida."

            
            

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