Sua simples observação perfurou minha névoa de adrenalina. Ele estava certo. Eu não podia simplesmente fugir. Ainda não. Sair agora significava deixar tudo para trás - meu notebook com os arquivos originais, meu passaporte, as poucas coisas que eram exclusivamente minhas. Essa fuga tinha que ser limpa. Definitiva.
"Mudança de planos", eu disse, minha voz encontrando um novo tom, mais duro. "Leve-me para casa."
O silêncio na casa era uma presença física. Heitor não havia voltado. Andei pelos cômodos que ele havia preenchido com sua ambição e suas mentiras, e comecei a demolição. Tirei uma caixa de sapatos do fundo do meu armário, aquela cheia de fotos nossas. Nós sorrindo em Paris, nós rindo em uma praia em Trancoso, nós em uma dúzia de eventos de gala, seu braço possessivamente em volta da minha cintura.
Uma por uma, eu as rasguei ao meio. O som agudo do papel brilhante rasgando era visceralmente satisfatório. Enfiei cada presente, cada lembrança, cada pedaço dele em um saco de lixo preto.
Enquanto eu estava sentada no meu carro na manhã seguinte, o motor desligado depois de entregar minha demissão, meu celular tocou. Era Heitor.
"Meu bem! Você nunca vai adivinhar o que aconteceu", disse ele, sua voz extasiada - totalmente alheia. "Vamos estar na capa da revista *Caras*. Nosso noivado! Precisamos começar a planejar o casamento imediatamente. Algo grande, algo que todos vão se lembrar."
Eu podia ouvir a risada aguda de Olívia ao fundo. "Diga a ela para escolher uma data em junho, querido", ela arrulhou.
Heitor murmurou algo para ela, depois voltou a falar no telefone. "Preciso ir, meu bem. Coisas grandes estão acontecendo. Te amo."
Ele desligou. Nem sequer perguntou onde eu estava ou se eu estava bem. Ele apenas presumiu que eu estava esperando ao lado do telefone por ele, pronta para voltar à linha.
Minha mão tremeu. Abri o Instagram. Olívia já havia postado. Uma foto dela e de Heitor, brindando com taças de champanhe. A legenda era um dardo envenenado: *A novos começos com o homem que sempre teve meu coração. Algumas coisas simplesmente estão destinadas a ser.*
Meu celular tocou novamente. Um número desconhecido.
"Sofia? É o Nuno." O braço-direito de Heitor parecia cansado, sua calma profissional desgastada. "Houve um... incidente. Heitor viu a cobertura da imprensa do baile, Olívia disse algumas coisas... ele está no Sírio-Libanês. Ele está perguntando por você."
Eu não senti nada. Um espaço vasto e vazio onde a preocupação deveria estar. Uma crise nervosa? Depois de tudo o que ele tinha feito, eu não acreditei por um segundo. Isso não era um colapso; era uma estratégia. Ele falhou em me prender com um diamante, então agora tentaria me acorrentar com a culpa.
"Ela simplesmente o deixou no pronto-socorro e foi embora", acrescentou Nuno, uma nota de genuíno nojo em sua voz. "Ele está fazendo um belo show."
*Ele está perguntando por você.* As palavras eram uma convocação, uma tentativa de acionar o velho reflexo da mulher que consertava tudo. A mulher que o salvava.
Mas aquela mulher se foi. Ela havia morrido naquele palco na noite anterior.
Respirei fundo, o som pesado no carro silencioso. "Estou a caminho."
Uma última vez. Eu iria assistir à performance. E então, finalmente, eu estaria livre.