Ponto de Vista: Elisa Ferraz
"Você vai casar com ela, né?"
A pergunta veio de Marcos, o melhor amigo de Breno e atacante do time, uma semana depois.
Eles estavam no vestiário depois do treino, e eu esperava do lado de fora, no corredor, com o pé em um gesso pesado, encostada na parede fria de blocos de cimento. A porta estava entreaberta, e as vozes deles chegavam claramente.
"Claro que vou casar com ela", disse Breno, a voz carregada de uma arrogância fácil e impensada. "Com quem mais eu casaria? A Lisa é perfeita. É inteligente, é linda, nossas famílias se amam. Ela é o meu destino."
Meu coração deu um pequeno salto de esperança com a palavra. Destino.
"Então qual é a da novata?", pressionou Marcos, o tom cético.
Ouvi Breno soltar um longo suspiro, o som de um homem sobrecarregado por algo emocionante. "Cara, a Carla é... excitante. Ela é uma bagunça. Todo dia com ela é um drama novo. É tipo uma montanha-russa."
Ele fez uma pausa, e eu podia praticamente ouvir o sorrisinho em sua voz. "Mas você não casa com uma montanha-russa. Você casa com o porto seguro, lindo. Você casa com a Lisa. Essa coisa com a Carla é só... sei lá. Uma coisa. Não significa nada."
Meu sangue gelou, infiltrando-se em minhas veias como água gelada.
Eu não era o amor dele. Eu não era o destino dele. Eu era o seu "porto seguro".
Eu era sua escolha sensata e entediante para uma futura esposa, enquanto ele se divertia em montanhas-russas.
Naquela noite, Carla apareceu na minha porta. Ela segurava um Tupperware cheio de uma sopa perfumada e fumegante. Seus olhos estavam arregalados e cheios de uma falsa preocupação.
"Minha mãe fez a canja de galinha especial dela pra você", ela arrulhou, entregando para Breno, que havia aberto a porta. "Eu disse a ela como me senti péssima pelo que aconteceu."
Breno, desesperado para manter a paz, para impedir que seus dois mundos separados colidissem, a bajulou. "Carla, você é atenciosa demais. Que incrível."
"Não estou com fome", eu disse do sofá, a frieza em meu coração se infiltrando em minha voz.
A cabeça de Breno se virou bruscamente, o rosto tenso de frustração. Ele não estava me vendo, a garota que supostamente amava, com dor. Ele estava vendo um problema, um obstáculo que ameaçava sua vida dupla cuidadosamente construída.
"Lisa, não começa."
Os olhos de Carla imediatamente se encheram de lágrimas, uma performance praticada e perfeita. "Eu sempre faço a coisa errada", ela sussurrou, virando o rosto para o peito de Breno.
"Não, não faz", ele disse instantaneamente, envolvendo um braço reconfortante em seus ombros, puxando-a para perto. "Ela só está de mau humor."
Ele olhou para mim, sua expressão endurecendo em uma ordem. "Lisa, bebe a sopa. Não complica as coisas."
Suas palavras, não complica as coisas, ecoaram no silêncio súbito e ensurdecedor da sala.
Eu era a complicação. Minha dor era um inconveniente.
Presa, humilhada, peguei a tigela que ele me trouxe e forcei algumas colheradas. A sopa era rica e cheia de ervas finamente picadas.
Mais tarde, depois que ele a levou até o carro, o formigamento começou nos meus lábios. Depois na minha língua. Um calor familiar e aterrorizante começou a se formar na minha garganta, fechando-a, roubando meu ar.
Salsinha. Uma alergia mortal. Uma alergia que Breno conhecia muito bem, que me mandou para a emergência duas vezes no ensino médio.
Minha caneta de adrenalina. Estava no porta-luvas do carro dele.
Tropecei até a porta da frente, meus pulmões em chamas, minha visão começando a se fechar.
Eu saí correndo, ofegante, e os vi.
A camionete dele estava estacionada na calçada, a luz interna os lançando em um brilho suave e íntimo. Ele estava no banco do passageiro, e ela no do motorista, inclinada sobre ele.
A boca dela estava no pescoço dele, as mãos emaranhadas em seu cabelo. Ele estava completamente perdido na emoção, no drama, na "montanha-russa".
Eu estava morrendo no meu gramado pelo veneno que ele me ordenou beber, enquanto a quinze metros de distância, ele jogava um jogo que achava não ter consequências.