Era dona de uma eloquência encantadora, mas Ina já não sentia nenhuma admiração pelos dotes dela, pois percebia o quão estúpida era a mulher. Muito pelo contrário, sentia-se amargurada em razão do tom das palavras dirigidas para ela.
"É que a sua carruagem jogou água em mim", afirmou ela assustada e com raiva. No mesmo instante, Chaska deu um forte tapa no rosto de Ina.
"Plaft!" Shilah se assustou e engasgou ao presenciar aquela cena de brutalidade.
Oh não...
Ina ficou meio atordoada porque lhe doía até os dentes, então imediatamente, levou a mão à face e massageou a bochecha.
'O quê? A Rainha deu um tapa no meu rosto? Nossa que tapa ardido', pensou Ina.
"Acredito que você não seja tola para ficar na minha frente e reclamar mais uma vez", disse Chaska, quando a cena já tinha chamado atenção das pessoas ao redor.
"E esse vestido seu, o que há de tão especial sobre ele, me diga? Posso afirmar que o meu cavalo usa roupas mais caras do que esse trapo que você está vestindo!"
Ela fez uma pausa e deu um passo para se aproximar de Ina.
"Sua plebeia imunda. Você tem sorte porque hoje estou de bom humor e posso dizer que me sinto muito feliz. Caso contrário, eu faria questão de voltar ao palácio com sua cabeça dentro da minha bolsa."
Com aquelas palavras, virou costas e saiu, com sua empregada seguindo atrás dela.
Ina ficou profundamente abalada, e ainda passava a mão sobre a face. Mas, por que a Rainha deu aquele tapa tão forte na garota? Ela... tinha justificação para praticar um ato tão cruel?
As mulheres do mercado ao redor resmungavam e tremiam revoltadas, porque temiam que no dia seguinte pudessem ser os filhos delas a apanhar da Rainha. Por um momento, Shilah pensou em se aproximar para confortá-la, mas temeu ser agredida por sua irmã, que talvez quisesse vigar sua raiva em alguém, assim, preferiu permanecer onde estava.
Ina estava tremendo de raiva, seu rosto estava vermelho como um pimentão.
Infelizmente, ela não poderia fazer nada. Pelo menos naquele momento. Atacar a Rainha justificaria pena de morte para ela e complicações para sua família.
Ela se virou calada e rapidamente começou a se afastar, enquanto Shilah a seguia quieta carregando a cesta pesada.
*
"Mamãe, chegamos!" Ina gritou assim que chegou na sua casa.
Se ela possuísse poderes de uma bruxa, com certeza tinha feito as paredes desmoronarem com sua voz carregada de furia.
"Mamãe! Papai! Acabamos de chegar!" Ela gritou outra vez e, desta vez, sua mãe desceu correndo pelas escadas.
"Ina, o está acontecendo? Por que está gritando, qual é o problema? O que aconteceu com vocês?"
"Tudo é um problema, mamãe! É mesmo TUDO! Infelizmente, neste país é assim!"
Sua mãe desceu as escadas correndo e notou a mancha no vestido e a marca no rosto de sua filha... ela nunca tinha visto uma coisa dessas antes.
Shilah entrou rapidamente, segurando a cesta.
"Ina, o que aconteceu, minha querida?" Sua mãe perguntou assombrada.
Seu grito profundo havia despertado a curiosidade de seus irmãos, que também desceram correndo pelas escadas. Ela não sabia que seu pai não estava em casa.
"Dê uma olhada no meu rosto, mamãe! Olhe só para ver por que estou brava!" Ina comentou e procurou se acalmar para explicar.
"Eu estava caminhando pela rua do mercado e, a carruagem da Rainha jogou uma água lamacenta em mim. E quando fui reclamar, ela me deu um tapa na cara!"
Todos ficaram chocados com tamanha ousadia da Rainha.
"A Rainha deu um tapa em você? Mas, como ela se atreveu?" Vanessa, sua irmã mais nova, indagou.
"Qual das Rainhas fez isso?" Sua mãe estava indignada.
"A Rainha Chaska!" Ina pronunciou o nome dela com muita raiva.
"Minha nossa! Essa é a Rainha mais velha do Reino!" Vanessa comentou com a voz tremula.
"Mas, ela não tinha o direito de te dar um tapa porque você reclamou da água suja em suas vestes. Isso não está certo... não podemos simplesmente aceitar!"
"Ah, que raiva... Se ela não fosse uma Rainha e não tivesse um guarda-costas por perto, eu juro que a esfolava viva! Mas, eu juro mãe, juro pelos protetores das sete montanhas que me VINGAREI! Eu prometo que o farei! Passe o tempo que passar."
Concluindo, Ina saiu correndo e subiu as escadas.
Um silêncio total tomou conta da sala por alguns segundos.
"Isso não deveria ser nenhuma surpresa", Evo disse subitamente.
Ele era o único filho homem da casa.
"Ouvi dizer que a Rainha Chaska é muito má e possui um temperamento explosivo."
"E o que você está olhando garota?" Sua mãe explodiu repentinamente, referindo-se a Shilah, que estava parada num canto e apenas observava o tempo todo.
Silenciosamente, ela baixou a cabeça e saiu sem olhar para trás.
**************
Numa sala grande, espaçosa e bem decorada. Havia duas mulheres e algumas criadas que, apavoradas corriam de um lado para outro.
A Rainha Nosheba estava sentada na cama com os olhos inchados. Enquanto as outras duas mulheres permaneciam ao lado dela, tentando convencê-la a segurar sua filha nos braços.
"Por favor, Rainha", implorou a senhora que estava com a criança.
"Eu entendo como você se sente, mas esta criança é carne da sua carne. Ela precisa dos seus carinhos e cuidados, assim como, necessita que você a aceite! Por favor, não faça isso. Vamos, você deve..."
"Eu odeio ser forçada a fazer algo, Ahiga", a Rainha falou com voz rouca e firme.
Sua voz era áspera por causa das dores pós-parto.
"Tire essa coisa horrenda para longe de mim. Eu não quero uma criança do sexo feminino, quero um MENINO! Vocês me entenderam?"
Ela pegou num dos pratos cheios de doce que estavam próximos dela e, o jogou no chão, quebrando-o em pedaços.
Era o quinto prato que ela quebrava naquele dia.
Ahiga. Aquele era o nome da parteira. Que por mais de uma hora, estava implorado à Rainha para aceitar a sua filha, mas ela não queria ouvi-la e se comportava como uma louca desde que soube que havia dado à luz a uma menina.
"O que você fará com ela, então? Você não vai aceitá-la mesmo?" Ahiga perguntou preocupada e Nosheba olhou para ela friamente.
"EU NÃO ME IMPORTO, Ahiga, já disse que não quero essa criança comigo. Você pode levá-la para a minha mãe, para que ela possa juntar-se à irmã dela. Eu não quero ter nenhuma das minhas filhas perto de mim!" Disse, sem fazer questão da criança.
"Tudo bem, então a gente vai fazer como você está pedindo. Tudo certo, está combinado. Mas, você só vai poder mandá-la para casa de sua mãe quando ela for maior de idade. Por enquanto, ela é muito frágil, portanto, precisa de cuidados especiais, e necessita de ser amamentada. Por favor, Minha Rainha, estou lhe implorando. Eu suplico, não faça isso... não se esqueça de que você a carregou em seu ventre por nove meses. E, também não se esqueça de que você também é mulher. Peço mais uma vez... cuide dessa inocente..."
De repente, a porta se abriu e a Rainha Chaska entrou no grande quarto.
Como o quarto era espaçoso, a porta ficava distante da cama, então a Rainha Chaska vinha andando e encarando adequadamente o rosto patético de Nosheba. E, sua empregada continuava a seguindo.
Nosheba olhou para ela enquanto caminhava com seus braços balançando e seus peitos subindo e descendo pesadamente.
"Saudações, Rainha", disseram as mulheres e criadas ao redor quando Chaska se aproximou e, no mesmo instante se curvaram.
"Ah, olá meninas! Saudações a todas vocês", Chaska sorriu e voltou seu olhar para Nosheba, fingindo um olhar lamentoso.
"Olá, Rainha Nosheba."
"Você precisa de alguma coisa?" Imediatamente Nosheba retorceu os punhos e Chaska procurava disfarçar a gargalhada que estava enroscada em sua garganta.
"Fique calma querida, não se preocupe. Não estou aqui para causar problemas a você. Na verdade, ela..." Parou, se virou para a criada e sinalizou para ela continuar segurando a cesta de frutas.
"Eu trouxe isto para você."
A empregada curvou-se ao colocar a pequena cesta no canto da cama ao lado de Nosheba.
"Quando soube que entraria em trabalho de parto, decidi me apressar e ir ao mercado comprar algumas frutas para que você pudesse comer e se refrescar."
Antes que Chaska terminasse de pronunciar suas palavras, Nosheba agarrou uma das frutas da cesta e jogou em sua direção.
"Saia do meu quarto agora, sua víbora venenosa!" Ela gritou com raiva.
"Eu não quero nem mesmo um alfinete seu e, também não quero sua maldita presença ao meu redor. Então, saia já... Vá, não quero você aqui!"
Chaska finalmente deixou escapar o sorriso que estava prendendo. Foi tão bom vê-la nesse estado.
"Acalme-se, Nosheba, você não pode se estressar desse jeito! Por que está tão amargurada?" Ela perguntou demonstrando calma e paciência.
"Eu fiz algo errado ao te presentear com uma cesta de frutas frescas? Ou será... que sou eu a razão pela qual você deu à luz uma criança do sexo feminino, cujo pai disse ser uma má notícia?"
Os olhos de Nosheba brilharam de ira.
"Não, não... Mil vezes, não.... não quero você aqui!" Ela gritou e jogou toda a cesta de frutas no chão.
"Eu não gosto de você, Chaska! TE ODEIO! Guardas, retirem ela daqui, por favor! Saia do meu quarto!"
Chaska sorriu ameaçadoramente e com desdém; sua gargalhada ecoou pelo quarto de Nosheba.
As parteiras ficaram preocupadas, e pensaram em pedir à Rainha para que fosse embora, já que ela estava incomodando, mas nenhuma delas queria experimentar o lado ruim de Chaska porque sabiam que poderia ser fatal.
"Aproveite seu momento de tristeza, Nosheba", após dizer isto, Chaska finalmente deixou o quarto.
********************
Manhã seguinte...
********************
O sol saiu brilhante anunciando o amanhecer de um novo dia. O dia sagrado. O dia em que todos os Leões da montanha e todas as espécies de criaturas raras deveriam ficar em casa.
Como de costume, Shilah estava na cozinha, preparando a refeição para a família.
Ela não sabia o que havia acontecido, mas tinha a impressão de que algo estava errado com eles.
Ela os ouviu correndo de um lado para o outro e, até mesmo chorando. Mas como ela não participava nos acontecimentos de sua família, não podia perguntar nada.
Então, permaneceu na cozinha, fazendo o que sabia fazer de melhor, cozinhar.
O ambiente estava calmo e silencioso, não se ouvia os movimentos dos transeuntes.
Enquanto cozinhava a refeição no fogão, ela caminhou até à janela para dar uma olhada e sorriu ao ver como o ambiente parecia sereno. Apenas os pássaros que voavam ao redor podiam ser vistos e ouvidos. E isso fez Shilah se perguntar o que poderia estar acontecendo com o Rei. Por que ele pediu um dia sem movimento?
De repente, ela ouviu um grito e com medo, rapidamente se afastou da janela. O que pode estar acontecendo lá fora?
*
"Pia, você não pode morrer!" Vanessa gritou, assombrada.
"Oh, não, mamãe! O que nós vamos fazer? Ela está perdendo a consciência!
Pia, que era a caçula da casa, estava deixando sua família preocupada enquanto sua doença piorava. Apesar dela mostrar alguns sintomas de enjoo no dia anterior, eles não tinham ideia que iria piorar tanto assim.
Seu pai correu e sentou-se na cama dela, observando a garota de olhos quase fechados.
"Pia, por favor..." A mãe estremeceu e levou as mãos ao rosto.
"Justo hoje que a montanha inteira está fechada", disse seu pai.
"Não vamos conseguir nenhum médico para atendê-la. Talvez possamos... conseguir umas folhas de bainha, acho que ajudaria a acalmar um pouco a febre."
"Mas onde podemos encontrar folhas de bainha?" Ina questionou.
"Que eu saiba, não há folhas de bainha por aqui, papai! Talvez possamos encontrar algumas na planície, perto da grande caverna."
"Você quer dizer que é impossível salvar a vida de sua irmã, minha filha?" Sua mãe começou a chorar muito, e puxava seus cabelos desesperada.
"Por favor, alguém tem que fazer algo... Alguém tem que ir buscar aquelas folhas de bainha!"
"Mas isso não é possível agora, mamãe! Você se esqueceu da ordem sem movimento imposta pelo Rei? Todos são obrigados a permanecer dentro de casa..."
"Mas, a minha filha está morrendo! Quem poderá salvá-la?" A mãe gritou desesperada.
"Por favor, eu não vou suportar se minha filha morrer sem ter a chance de ser socorrida."
Um longo tempo se passou e todos se olhavam impotentes, quando de repente, Ina apresentou uma sugestão.
"Mãe, por que nós não... enviamos Shilah para ir buscar as folhas de bainha?"