Envenenado, Baleado, Renascido: Agora Me Observe
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Capítulo 2

Ponto de Vista de Helena Tavares:

O ar na sala congelou.

Ísis Lima soltou um gemido estrangulado, sua máscara cuidadosamente construída de artista etérea se quebrando em um milhão de pedaços. Seu rosto ficou branco como um osso, e ela se escondeu atrás de Heitor, suas mãos pequenas agarrando as costas da camisa de seda cara dele.

"Heitor! Ela está louca! Faça alguma coisa!", ela gritou, sua voz estridente e feia.

Mas Heitor não se moveu. Ele apenas me encarou, seu sorriso carismático desaparecido, substituído por uma quietude arrepiante. Eu vi algo piscar em seus olhos - não medo, mas um lampejo de... interesse? Como se isso fosse apenas mais uma forma de entretenimento, mais emocionante.

Ele deu um passo lento em minha direção, com as mãos levantadas em um gesto apaziguador. "Helena, querida. Não vamos ser dramáticos. Abaixe a arma."

"Não se aproxime mais", avisei, minha voz baixa e firme, embora meu coração martelasse contra minhas costelas como um pássaro preso numa gaiola.

"Apenas deixe a Ísis ir", disse ele, seu tom enganosamente calmo. "Isso é entre você e eu."

Minha mão, segurando a arma, começou a tremer. Não de medo, mas de uma onda de fúria pura e incontrolável. Mesmo agora. Mesmo sob a mira de uma arma, ele a estava protegendo. Ele ainda a estava escolhendo.

Uma risada sem humor escapou dos meus lábios. "Entre você e eu? Heitor, ela *é* o 'entre'."

Meu olhar se fixou no dele, e pela primeira vez em uma década, eu não desviei. Deixei que ele visse todos os anos de dor, humilhação e fúria que turbilhonavam em meus olhos.

"Diga-me, Heitor", eu disse, minha voz caindo para um sussurro. "Você gostou? Pegar a última lembrança do meu pai, a única coisa neste mundo que significava tudo para mim, e transformá-la em um tributo para a sua amante da vez?"

Ísis começou a soluçar, um som teatral e entrecortado, projetado para tocar o coração dele. "Eu não sei do que ela está falando, Heitor! Aquele mármore... você disse que era apenas um bloco extra que você tinha guardado! Ela está louca, ela precisa de ajuda!"

O choro patético dela finalmente quebrou a compostura dele. Seu rosto endureceu, o último traço de preocupação fingida desaparecendo.

"Chega, Helena", ele rosnou, sua voz carregada de veneno. "Isso foi longe demais. É só um pedaço de pedra. Seu ciúme está te deixando patética."

Só um pedaço de pedra.

As palavras ecoaram no espaço cavernoso onde meu coração costumava estar. Ele me deu tudo, ele sempre dizia. Uma casa linda, crédito ilimitado, uma vida de luxo. Tudo, exceto respeito. Tudo, exceto a única coisa com que eu realmente me importava.

Lembrei-me do dia em que o mármore chegou, anos atrás. Meu pai estava vivo na época. Ele passara as mãos pela superfície fria e lisa, seus olhos brilhando com visão. "Este é para você, Lena", ele dissera. "Minha obra-prima. Para a minha obra-prima."

E Heitor sabia. Ele estava lá. Ele o ouviu.

"Você está fingindo que não se lembra, não é?", perguntei, minha voz quase inaudível.

Ele não respondeu, mas o músculo se contraindo em sua mandíbula foi toda a confirmação que eu precisava. Ele viu a determinação em meus olhos, o fato de que eu não iria recuar. Seu rosto escureceu.

Ele deu um aceno sutil, quase imperceptível, para o segurança que estava em silêncio perto da porta.

Pá.

O som foi chocantemente alto na sala silenciosa. Uma dor lancinante, branca e quente, explodiu no meu ombro. Meu braço ficou dormente, a arma caiu com um baque no chão polido.

Eu cambaleei para trás, meus joelhos cedendo, um gemido de agonia rasgando minha garganta.

Naquela fração de segundo de caos, Ísis viu sua chance. Ela me empurrou com força, me jogando no chão, e correu para os braços de Heitor, enterrando o rosto em seu peito. "Heitor, ela tentou me matar! Ela é um monstro!"

Uma nova onda de dor, mais aguda que qualquer bala, me rasgou por dentro. Eu me levantei, minha visão turva. Impulsionada por uma raiva primitiva, eu me lancei para frente, não em Heitor, mas nela. Agarrei um punhado de seu cabelo e puxei, com força.

Ela gritou, um som genuíno de dor desta vez, e eu senti uma emoção cruel e satisfatória.

"Helena!", Heitor rugiu, seu rosto uma máscara de pura fúria ao ver um arranhão na bochecha perfeita de Ísis. Ele me empurrou para longe dela, embalando-a como se ela fosse feita de vidro.

"Você enlouqueceu?", ele berrou, seus olhos ardendo com um ódio tão profundo que roubou o ar dos meus pulmões.

Eu olhei para este homem, o homem que um dia amei tão profundamente que teria incendiado o mundo por ele. Seu rosto, antes a fonte de toda a minha alegria, agora estava contorcido em uma máscara grotesca de raiva. Ele a estava protegendo, confortando-a, enquanto eu sangrava no chão da casa que eu construí.

"Você vai pagar por isso, Heitor", eu murmurei, as palavras com gosto de sangue e cinzas. "Eu juro pelo túmulo do meu pai, vou queimar seu império até o chão e dançar sobre as cinzas."

Ele nem pareceu me ouvir. Já estava ao telefone, latindo ordens. "Tragam a equipe médica aqui agora! Para a Ísis! E você", ele cuspiu, apontando um dedo trêmulo para mim, "não ouse tocar nela de novo."

Outro tiro.

Desta vez, a dor foi na minha perna. Era excruciante, uma agonia ofuscante e avassaladora que me fez desabar no chão novamente.

"Levem-na para o porão", Heitor ordenou, sua voz desprovida de toda emoção. "Tranquem-na. E não, sob nenhuma circunstância, chamem um médico para ela. Deixem-na sangrar."

Os guardas agarraram meus braços, seus apertos como torniquetes de ferro. A dor irradiava do meu ombro e da minha perna, uma sinfonia de tormento. Eles me arrastaram pelo chão de mármore frio, meu corpo deixando um rastro vermelho em seu caminho.

Enquanto me puxavam para a escuridão do corredor, olhei para trás uma última vez. Heitor estava ajoelhado ao lado de Ísis, acariciando suavemente seu cabelo, sussurrando palavras de conforto. Ele nem sequer olhou na minha direção.

A pesada porta de aço de um porão se fechou com um estrondo, me mergulhando na escuridão absoluta. O cheiro de terra úmida e decomposição encheu meus pulmões. Eu estava deitada no concreto frio, meu corpo uma tela de agonia.

Tentei me mover, encontrar alguma forma de estancar o sangramento, mas cada movimento enviava novas ondas de tormento através de mim. Na escuridão, lembrei-me das últimas palavras do meu pai. "Cuide dele, Lena. Ele é brilhante, mas é um menino brincando com fósforos. Não o deixe se queimar."

Por dez anos, eu segurei o extintor de incêndio. Eu esperei que o menino se tornasse um homem. Eu tive esperança.

Agora, deitada em uma poça do meu próprio sangue, eu finalmente entendi.

A espera havia acabado.

Eu não tinha mais nada.

E uma mulher sem nada a perder é uma coisa aterrorizante.

            
            

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