Ele a escolheu, sempre ela, mesmo quando ela me arrastou para a beira de um penhasco, pronta para me empurrar para o oceano.
"Escolha, Heitor!", ela gritou. "Ela ou eu!"
"Você", ele engasgou, com os olhos fixos em Ísis. "Eu escolho você."
Com a traição dele ecoando no vento, Ísis atirou a escultura do meu pai no mar. E enquanto o último pedaço do meu coração afundava no abismo, eu sorri.
E então, eu pulei.
Capítulo 1
Ponto de Vista de Helena Tavares:
Por dez anos, eu fui a piada mais famosa do mercado de tecnologia de São Paulo.
Helena Tavares, a esposa brilhante, porém invisível, do magnata da tecnologia Heitor Albuquerque. A arquiteta de seu império, o fantasma por trás da sua máquina.
Todos sabiam sobre o "Programa Musas".
Era a criação mais ostensiva e arrogante de Heitor. Um carrossel rotativo de mulheres jovens e lindas - artistas, poetas, musicistas - a quem ele apoiava financeiramente em troca de sua "inspiração".
Era um programa sistemático e de alto perfil para suas infidelidades, e ele acreditava que seus bilhões o absolviam de qualquer consequência moral.
As garotas faziam fila, com seus portfólios agarrados em mãos ansiosas, esperando por uma audiência comigo.
Sim, comigo.
Essa era a parte mais cruel da piada. Eu era a guardiã do portão. Eu as avaliava, analisava seus trabalhos e assinava os cheques que as mandavam para a cama do meu marido.
"Um milhão de reais, um contrato de dois anos e um acordo de confidencialidade mais grosso que um tijolo", eu explicava, minha voz um monólogo plano e polido. "Em troca, Heitor será seu patrono. Ele comparecerá às aberturas de suas galerias, financiará seus álbuns, e você será a companhia dele em todos os eventos públicos."
Eu me tornei motivo de chacota nas colunas de fofoca, tema de artigos piedosos. *A Mulher que Aguentava Tudo*. *Por que ela fica? Ela não tem orgulho?*
Eles não entendiam. Meu amor por Heitor não tinha apenas morrido; tinha azedado e se transformado em um ressentimento que queimava em fogo baixo, uma lama tóxica que revestia o interior do meu coração. Eu fiquei porque ir embora significava deixá-lo vencer, significava deixá-lo apagar o fato de que cada microchip, cada linha de código que construiu seu trono, nasceu da minha mente.
Mas todo mundo tem um limite.
Até mesmo eu.
Tudo mudou quando ele trouxe Ísis Lima para casa.
Ela era diferente das outras. Uma artista independente que projetava uma imagem de pureza antissistema, com seus jeans rasgados e mãos manchadas de tinta. Ela falava da arte como uma rebelião, do dinheiro como uma força corruptora, tudo isso enquanto seus olhos brilhavam com uma ganância desesperada e calculada que eu reconheci instantaneamente.
Heitor ficou obcecado.
Ele viu nela uma "alma pura", uma chance de redenção do próprio sistema de casos transacionais que ele havia construído.
Por Ísis, ele desmontou sua vida.
As musas foram dispensadas, seus contratos pagos com uma finalidade fria.
Ele começou a citar as filosofias pretensiosas e mal-acabadas dela. "Ísis diz que o consumismo é a morte da alma, Helena. Precisamos ser mais autênticos."
Isso, vindo de um homem que possuía três jatinhos particulares.
Ele esqueceu que o meu "trabalho sujo", as estratégias corporativas impiedosas que eu criei, era o que financiava sua busca por "autenticidade". Ele esqueceu as noites que passei programando enquanto ele dormia, os sacrifícios que fiz, o império que entreguei a ele de bandeja.
A traição final veio no aniversário da morte do meu pai.
Meu pai, um escultor celebrado, havia me deixado uma última peça antes de falecer: um bloco maciço e bruto de puro mármore de Carrara. Era inestimável, não por seu valor de mercado, mas pelo que representava - seu último sonho não realizado. Ele ficava no coração da nossa casa, um monumento silencioso e sagrado ao meu amor por ele.
Naquele dia, enquanto eu estava em seu túmulo, Heitor deu uma festa luxuosa para Ísis, comemorando a conclusão de sua mais recente "obra-prima".
Quando voltei, o mármore havia sumido.
Em seu lugar, havia um pedestal. E nesse pedestal, uma escultura - uma representação grotesca e abstrata do rosto de Ísis.
Ele havia profanado a última parte do meu pai para criar um presente para ela.
Ele havia pego minha história, meu luto, meu legado, e o transformado em um monumento para a sua vagabunda.
Esse foi o momento em que o ressentimento silencioso e fervente se transformou em um inferno avassalador.
Entrei no escritório onde ele e Ísis admiravam sua nova aquisição. Eu não gritei. Eu não chorei. Meus movimentos eram calmos, deliberados.
Coloquei um único documento sobre a mesa de mogno polido à sua frente. Os papéis do divórcio.
"Você tem duas escolhas, Heitor", eu disse, minha voz tão fria e dura quanto o mármore que ele havia destruído.
Ele ergueu o olhar, um lampejo de irritação em seus olhos, que rapidamente se transformou em choque quando viu o que estava na minha outra mão.
Uma arma.
"Ou você assina isso, me dando cem por cento da empresa, como estipulado em nosso acordo de parceria original sob a cláusula de infidelidade", continuei, o peso do aço frio estranhamente reconfortante na minha mão.
"Ou o quê?", ele zombou, embora uma gota de suor já traçasse um caminho por sua têmpora.
Eu levantei a arma, não para ele, mas para a artista aterrorizada e de olhos arregalados que se encolhia atrás dele.
"Ou ela morre."