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Lisbeth não sabia como, mas tinha que se livrar daquela maldita situação de alguma forma. Diferentemente de mais cedo, quando ficou presa na árvore, ela não tinha nenhuma opção que parecesse provável. Seus irmãos estavam a colocando contra a parede, obrigando-a a aceitar que simplesmente nasceu para se casar com Liam. Seria esse seu destino, afinal?
Ela cruzou os braços, a carranca séria em seu rosto era bem evidente. Seus irmãos - nem Prudence, aliás - não tinham aberto a boca para tocar no assunto. O jantar correu sossegadamente não fosse pelos ruídos que Lisbeth fazia para que, de alguma forma pudesse chamar atenção. Não conseguiu, visto que James e Christian continuaram mudos à mesa.
Quando outro empregado lhes serviu a sopa, Lisbeth bateu com a colher rápido demais no prato, fazendo com que o líquido voasse. James a olhou, como se reprovasse seu gesto desastroso. Ele se empertigou e Lisbeth quis enfiar a colher guela abaixo. Talvez desse jeito perceberia que estava incomodada, não?
Um dos empregados prontamente limpou a sujeira. Lisbeth revirou os olhos, tomada pelo cansaço. Se abrisse a boca para dizer qualquer coisa, iriam chamá-la de fofoqueira. Não era digno de uma dama ouvir a conversa dos outros - mesmo que fosse sobre um casamento que não queria nenhum pouco.
Não que casamentos arranjados fossem uma condenação para uma vida miserável. Lisbeth conhecia jovens que se casaram para salvar suas famílias da ruína iminente. Elas aprenderam a amar seus maridos e ostentavam ricas famílias, mas ela não se via de tal forma. Anos atrás, antes de ser mandada para o interior da França, conhecera um jovem lorde que perdera todos os bens e se viu obrigado a trabalhar como jardineiro se quisesse sobreviver. Sua mãe o contratou antes de morrer e, antes que Lisbeth pudesse imaginar, Nicholas Thompson, o galante jardineiro de sorriso mimoso, roubou-lhe o coração. O rapaz era dotado de beleza; isso era inegável. Mas também tinha seus mistérios. Por mais que estivesse falido, as moças se jogavam aos seus pés, entretanto somente uma conseguiu ter sua atenção: Lisbeth.
Nicholas e Lisbeth se entregaram ao amor, e ela podia dizer com certeza, que mesmo no auge de seus dezessete anos, havia amado perdidamente. Isso foi antes de James voltar de Enton e descobrir que Nicholas e Elizabeth estavam tendo um caso escondidos. Uma das empregadas soube de tudo o que acontecera em Mary Hall e espalhou por toda a Kent. Não demorou muito para os boatos percorrerem os campos e a cidade. Ela fora vista como uma jovem desonrada, atrevida e libertina. Ora, quem poderia imaginar que a tímida e recatada Lisbeth, que era vista raramente em bailes e cortejada por quilômetros de rapazes belos e ricos se entregaria a um simples jardineiro? Quando soube dos boatos, Nicholas se afastou. Ele não queria que Lisbeth pagasse por isso. Ele não a merecia. Lisbeth tentou fugir com ele, mas Nicholas recusou, e foi então que Lisbeth pôde conhecer o outro lado do amor. Ela descobriu que Nicholas cortejava uma moça. Quase podia sentir o coração esfarelando dentro do peito. Por isso, aceitou que fosse mandada para longe, para um lugar onde não existiria Nicholas. Onde não existiria ninguém para despedaçar seu coração novamente.
Então, para seu azar, foi mandada de volta, onde Liam seria seu futuro marido.
- Lisbeth - James disse, a tirando de seus devaneios. Ela olhou para o irmão, que limpara os cantos da boca com o guardanapo. - Preciso falar com você. - Ela sentiu uma estranha ansiedade esmagar seu peito, como se a simples menção fosse um decreto. Estarei esperando no escritório. - Ele disse, levantou, fez uma breve reverência com bastante educação e passou por Lisbeth, que mal havia tocado na comida.
Ela respirou fundo. Quase podia ouvir o coração pulsando tão forte, que tinha medo de que pulasse para fora do peito.
- Irmão - ela fez uma breve reverência, levantou e enquanto se dirigia ao seu quarto, Christian disse:
- Lisbeth - isso foi o suficiente para que ela virasse na sua direção. - Acredito que o papai teria bastante orgulho da mulher que se tornou. - Ele bebeu um gole do vinho. Lisbeth assentiu, o peito subindo e descendo.
- Obrigada.
Prudence a seguiu. Lisbeth percebeu que tudo girava à sua volta, como se estivesse tonta, mas não sabia ao certo se devia culpar a si mesma pelo que sentia. Estava enjoada. O estômago revirava dentro da barriga como as rodas de uma carruagem. Ela engoliu o nó que até então estava preso na garganta e se encaminhou na direção do escritório do irmão, mudando a rota de seu destino. Se iria escutar de sua boca, que fosse o mais rápido possível.
Ela atravessou uma sala, virou a esquina e encontrou a sala de estar, depois, virou à direita e viu James remexendo em alguns papéis sobre a mesa de mogno. Ela virou para Prudence.
- Fique aí - pediu. A criada assentiu, oferecendo um sorriso brando. Lisbeth teve que procurar a coragem que estava escondida em algum lugar do peito e bateu à porta. O irmão mandou entrar e ela o obedeceu, as mãos entrelaçadas à frente do vestido amarelo.
- Entre e sente-se. - Disse James, levantando da mesa.
Ele soprou a fumaça do charuto, que espalhou-se pelo escritório. O cheiro forte fez Lisbeth tossir.
- Desculpe. - Ele apagou o charuto e o pousou numa caixa de madeira no canto da mesa. Os olhos castanhos de James correram pela irmã, e Lisbeth, por sua vez, endireitou-se na cadeira acolchoada de couro. - Creio que saiba da situação da nossa família. - Começou James. - Nossa mãe nos deixou dívidas altíssimas e, se não nos precavermos o mais rapidamente possível, receio que perderemos a casa, os bens e o pouco dinheiro que nos restou.
Lisbeth não conseguia ver o mesmo James que antes era seu melhor amigo. A diferença de idade entre eles não era tão gritante. Ele era cinco anos mais velho que ela, mas isso nunca os impediu de serem bons amigos, até ele descobrir sobre Nicholas. James começou a tratá-la como uma obrigação a ser tida, algo que piorou bastante depois da morte da mãe.
- Você entende que não nos resta muitas opções? Senão...
- Não irei me casar com lorde Bennington, irmão. - Lisbeth disse. - Deve existir uma outra opção. Talvez a resposta esteja debaixo de seu nariz. - Ela o interrompeu. James lançou-lhe um olhar afiado.
- Como soube? Prudence lhe contou?
Lisbeth estreitou os olhos e levantou, indignada. Até Prudence sabia?
- Escutei a conversa que teve com Liam. - Ela disse. James lhe lançou um olhar de repreensão. Ela apoiou as mãos na mesa e desafiou James a fazer o mesmo novamente. - Você não pode esperar que eu aceite tal coisa de bom grado.
- Se desse ao respeito, Lisbeth - disse James, erguendo uma sobrancelha - Você não teria se envolvido com um patife como o lorde Thompson. - Ele saiu de trás da mesa, Lisbeth franziu a testa e amarrou um biquinho irritado nos lábios. - Você teve uma escolha e, na primeira oportunidade que teve, a destruiu por completo. Não é minha culpa que é uma... - ele engoliu a palavra e olhou para Lisbeth, que agora o encarava com um bilho amargo de decepção por trás dos olhos. - Eu me exaltei. Me perdoe. - Ele inclinou a cabeça, de modo que Lisbeth visse o suor em sua testa, indicando que se sentia desconfortável.
- Diga de uma vez o que quer dizer. - Pediu ela.
James a fitou e respirou fundo, falando de uma vez:
- Irá se casar com lorde Bennington. - Ele levantou o olhar, que agora transparencia superioridade. - Quer queira ou não. - O tom duro era um ponto final, algo que Lisbeth não aceitaria tão facilmente.
- Deve haver outro meio - ela disse. James voltou a se sentar na cadeira.
- Se ouviu a conversa, sabe exatamente que não há um meio para que o acordo seja desfeito. Foi uma escolha do nosso pai, e ele sabia exatamente o que estava fazendo.
- Não sabia não. - Disse Lisbeth. - nem sabia que eu nasceria algum dia... foi totalmente por uma circunstância.
- Culpe a circunstância. - James disse.
- Você não pode acreditar que realmente vai conseguir tudo o que quer vendendo a própria irmã! - Berrou ela, batendo com força na mesa. Uma lágrima solitária desceu pelo rosto. Nem tinha percebido que estava ali, mas agora, parecia tão dolorosa que era praticamente impossível sustentá-la por muito tempo.
James a olhou com o que Lisbeth julgou ser pena.
Não compaixão, culpa, medo. Pena. Algo que qualquer estranho se dignaria a sentir por ela, mas seu irmão... ela respirou profundamente e prendeu as lágrimas.
Não iria dar esse gosto a James. Ela não despencaria na frente dele. Não poderia se permitir chorar. Não poderia deixar que a tristeza repentina tomasse conta de seu ser. Não se permitiria ser fraca quando precisava tanto de força.
- Muito bem - ela disse. - Se acha que é o certo, não irei discordar. Mas saiba que o odeio imensamente por isso. - Disse, inclinando-se na sua direção.
Lisbeth virou, e quase podia ouvir a respiração pesada de James atrás de si. Ela passou pela porta e a fechou com força. Christian estava sentado numa poltrona com um livro nas mãos.
Ela permitiu-se cair em lágrimas só então. Christian levantou, fechando o livro e colocando-o no lugar vazio. Ele se dirigiu ao seu encontro e laçou-lhe num abraço apertado.
- Ele contou a você? - Perguntou ele. Lisbeth fungou o nariz e assentiu, a cabeça contra o peito de Christian. - Sinto muito, irmã.
Ela o abraçou com força, como se aquele abraço fosse a única coisa que a livrasse da ruína. As lágrimas desciam pelo rosto, tão lentas e insuportáveis que Lisbeth quis nunca mais chorar.
- Sei que não posso prometer, mas acredito que Liam irá se comprometer em fazê-la feliz. - Christian lhe ofereceu um sorriso, e o medo invadiu Lisbeth de vez, cobrindo-na com uma nuvem imensa e espessa de sensações que lhe causavam calafrios. - Irei me certificar de que a faça.
- Obrigada, Chris. - Ela agradeceu.
- Sempre.
Ao menos o conforto do abraço de Christian poderia aplacar tal tristeza descomunal, que a arrastava para um poço profundamente escuro, onde não conseguia imaginar como fora parar ali. Absorta em seus pensamentos, Lisbeth não via outra opção: ela devia se casar com Liam, apesar de que seu coração gritava com todas as forças o contrário.
Mas não iria deixar por isso mesmo. Tinha de haver um jeito. Qualquer um que não envolvesse o casamento com Liam.
Qualquer que fosse, preferia muito mais do que ser entregue a um cretino.
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