"Não minta para nós", disse Bruno, sua voz enganosamente calma. "Helena está doente. Ela não faria mal à família."
Ele dobrou a pesada tira de couro.
"Isso é para o seu próprio bem, Beatriz. Para limpar a inveja de você."
De repente, Maria irrompeu na sala no topo da escada.
"Parem!", ela gritou. "Ela é sua irmã!"
Diego agarrou Maria instantaneamente.
"Tire-a daqui", disse João Pedro das sombras.
Ele estava encostado na parede, observando com um distanciamento frio.
Ele não os estava impedindo.
Ele estava deixando acontecer.
Ele era o subchefe, e tinha que manter a ordem - mesmo que isso significasse me quebrar.
Maria foi arrastada para longe, gritando meu nome, até que a porta pesada se fechou, cortando seu apelo.
A primeira chicotada atingiu minhas costas.
Mordi o lábio até sangrar.
Eu não lhes daria a satisfação de me ouvir gritar.
Em vez disso, foquei na ilha. Foquei nas coordenadas.
Eu só precisava sobreviver.
Três dias depois.
Eu estava deitada na minha cama, meu corpo latejando.
Minhas costas eram uma paisagem de fogo.
Eu não comia desde aquela noite.
A porta se abriu e João Pedro entrou.
Ele não perguntou como eu estava.
Sem uma palavra, ele jogou um vestido na cama.
"Levante-se", disse ele. "Vamos para o iate."
"Não consigo me mover", sussurrei, minha garganta seca.
"Helena quer um churrasco em família", disse ele, seu tom final. "Ela quer te perdoar. Você estará lá."
Não era um pedido.
Lutando contra a agonia, vesti o vestido.
Era de mangas compridas e gola alta.
Projetado para esconder os hematomas.
Projetado para esconder a vergonha deles.
O iate estava atracado na marina particular.
O sol brilhava intensamente.
Era um belo dia para uma sessão de tortura.
Helena estava relaxando no convés, impecável em um biquíni.
Ela parecia perfeita.
"Beatriz!", ela cantou, sua voz escorrendo uma doçura sacarina. "Que bom que você veio. Eu disse a João Pedro que não poderíamos te deixar para trás."
Ela piscou para mim.
Ela sabia.
Ela sabia que eu tinha recebido o castigo dela.
Os irmãos estavam grelhando bifes por perto.
Eles agiam como se nada tivesse acontecido.
Como se não tivessem chicoteado a própria irmã em um porão apenas três dias atrás.
Sentei-me em um banco, longe deles.
De repente, o vento aumentou e o céu ficou cinza.
Uma tempestade súbita atingiu o porto, fazendo o barco balançar violentamente.
"Opa!", gritou Diego.
A pesada churrasqueira a gás na popa não estava devidamente presa.
O barco balançou com força.
A churrasqueira tombou.
Carvão quente se espalhou pelo convés de teca, e o botijão de gás sibilou.
Uma parede de fogo irrompeu.
E eu estava sentada bem ao lado dela.
As chamas pegaram a barra do meu vestido.
Tecido sintético barato.
Não apenas queimou; derreteu instantaneamente.
"Socorro!", gritei.
Bati freneticamente nas chamas que subiam pelas minhas pernas.
"Helena!", gritou João Pedro.
Ele não estava olhando para mim.
Helena tinha caído de sua espreguiçadeira.
Ela tinha um pequeno arranhão no joelho.
"Meu joelho!", ela chorou. "João Pedro, está doendo!"
João Pedro, Diego, Bruno e Caio.
Todos os quatro correram para Helena.
Eles formaram um escudo humano ao redor dela.
Eles viraram as costas para o fogo.
Eles viraram as costas para mim.
Eu estava queimando.
O calor queimava minha pele.
O cheiro de cabelo e carne queimados encheu meu nariz.
Eles nem olharam.
Estavam ocupados demais verificando o joelho de Helena.
Percebi então, enquanto o fogo consumia minhas roupas, que eu já estava morta para eles.
Rolei no convés em desespero.
Gritei, mas o vento engoliu o som.
Ou talvez eles simplesmente escolheram não ouvir.