Caminhei devagar, puxando a saia para baixo a cada dois passos, me sentindo uma impostora naquele mundo de luxo.
A porta principal foi aberta por uma mulher que parecia feita de pedra. Ela usava um uniforme preto impecável, cabelo grisalho preso num coque tão apertado que esticava seus olhos, e uma expressão de quem não sorria desde 1990.
- Atrasada três minutos - ela disse, olhando para um relógio de pulso. - Sou Eudora, a governanta. Entre. E limpe os pés.
Engoli em seco e obedeci. O hall de entrada era gigantesco, com um pé direito que parecia tocar o céu. O ar-condicionado estava tão forte que meus braços por baixo do blazer se arrepiaram na hora.
- A Sra. Bete recomendou você - Eudora começou, me analisando de cima a baixo com desaprovação evidente ao notar minha roupa justa. - Disse que você precisa do emprego. Espero que precise mesmo, porque as últimas três babás não duraram uma semana. O Sr. Cavallieri não tolera incompetência e as meninas... bem, as meninas são difíceis.
- Eu aprendo rápido, Dona Eudora. Eu preciso muito disso.
- Veremos. Me acompanhe. As crianças estão na ala leste.
Começamos a atravessar o saguão. De repente, o som de passos pesados e rápidos ecoou no andar de cima, descendo a escadaria de mármore.
Eudora parou bruscamente e baixou a cabeça.
- Silêncio. É o Sr. Cavallieri.
Olhei para a escada e senti o ar fugir dos meus pulmões.
Descendo os degraus, ajustando as abotoaduras de um terno preto sob medida que parecia custar mais do que a minha vida inteira, estava ele.
Isadora tinha me avisado. Ela tinha dito que ele era o diabo. Mas ninguém me avisou que o diabo seria tão... tentador.
Ele era alto. Muito alto. O tecido caro do terno abraçava ombros largos e uma postura de quem é dono do mundo. O cabelo escuro estava cortado curto, impecável, e a barba por fazer desenhava um maxilar quadrado e forte.
Ele atendeu o telefone, a boca se mexeu, mas eu olhando para ele parecia que ele estava desacelerado, ouvi só a parte final da conversa, a voz era grave e rouca reverberando pelas paredes de pedra.
- Não me interessa a desculpa, Marco. Eu quero os números na minha mesa até o meio-dia ou você está fora.
Ele chegou ao térreo e passou por nós como se fossemos mobília. Ele nem virou o rosto. Seus olhos, azuis e profundos, estavam fixos em algum ponto à frente, com uma intensidade assustadora. Era um olhar predador. Um olhar de demônio.
O Diabo está na minha frente, pensei, sentindo um arrepio subir pela minha espinha.
O cheiro dele me atingiu quando ele passou uma mistura de sândalo, uísque caro e perigo. Meu coração falhou uma batida. Ele exalava poder. E exalava uma frieza que congelou o ambiente ainda mais.
- Sr. Cavallieri - Eudora murmurou, respeitosa.
Ele não respondeu. Apenas continuou andando em direção à porta, exalando fúria contida, e saiu, batendo a madeira pesada atrás de si. O silêncio que restou foi ensurdecedor.
Soltei a respiração, minhas pernas tremendo levemente.
- Ele... ele nem olhou para a gente.
- O Sr. Cavallieri é um homem ocupado - Eudora disse, voltando a caminhar como se nada tivesse acontecido. - Ele paga para não ter que se preocupar com detalhes domésticos. E isso inclui você. Sua função é manter as crianças vivas, limpas e longe do escritório dele. Se ele tiver que notar a sua presença, significa que você falhou. Entendido?
Assenti e continuei a seguindo.
Olhei para a porta fechada, ainda sentindo o rastro daquele perfume. A indiferença dele doeu de uma forma estranha. Eu era invisível para ele. Apenas mais uma peça na engrenagem daquela casa enorme.
- Entendido - respondi, alisando meu blazer apertado. - Onde estão as meninas?
Eudora apontou para um corredor longo.
- Na sala de brinquedos. Boa sorte, Srta. Menezes. Você vai precisar.
O corredor parecia interminável. Meus saltos emprestados era um número menor doque os meus pés. E quando batiam no piso de madeira era como uma contagem regressiva para a tropeçar.
Eudora parou diante de uma porta dupla branca, decorada com adesivos de borboletas que pareciam ter sido colados à força, tentando deixar aquele museu de mármore com ar "infantil".
- Escute bem - ela disse, a mão firme na maçaneta. - A última babá saiu chorando porque a Ângela cortou algumas mechinhas do cabelo dela enquanto ela dormia. A penúltima foi demitida porque a Geovana convenceu a mulher a deixá-las comer só sorvete por três dias. As duas passaram mal, obviamente.
Engoli em seco, puxando a barra da saia para baixo.
- Elas... são criativas. - respondi em um sussurro.
- Elas são carentes e inteligentes. Uma combinação explosiva. - Eudora abriu a porta. - Você tem até as dezessete horas. Se a casa ainda estiver de pé e ninguém estiver sangrando quando eu voltar, conversamos sobre o contrato.
Sem esperar minha resposta, ela me empurrou para dentro e fechou a porta. O clique da fechadura ecoou como um veredito.
Ótimo. Trancada na jaula dos leões.