Virei uma esquina, tropeçando na calçada irregular, e tentei desesperadamente me fundir à escuridão. A aldeia pobre, escura e familiar parecia um labirinto projetado para me aprisionar.
Foi então que a luz de um farol potente pairou sobre mim.
Quatro silhuetas saíram dele quase simultaneamente. Tornei a correr para o lado oposto quando reconheci os dois capangas de Don Vito; mas eles eram rápidos.
Um deles me interceptou sem esforço. Seu aperto em meu braço causava dor em meu osso.
- Ferma, ragazza - ele disse, a voz baixa.
A violência de Gaspar vinha do álcool e do descontrole; a violência daqueles homens era profissional e sem emoção.
- Adeus, ratinha! - Meu padrasto bêbado sorriu.
- Farabutto! - Revoltada, cuspi em Gaspar enquanto falava em italiano. - Va al diavolo!
Eles me forçaram a entrar no carro como fizeram na vez em que tentei roubar o remédio na farmácia. Eu caí no banco de couro, esmagada entre duas capangas que já conhecia. A diferença era que, desta vez, o Don Vito não estava ali pra evitar que me ferissem.
- Bienvenida, ragazza! - O mais baixo tocou em meu rosto.
- Miguel, vou queimar seus dedos se tocar nela outra vez... - disse o homem mais velho, que estava olhando pelo retrovisor.
- Ah, Gianni, deixa a gente brincar só um pouquinho com ela... - O mais alto falou, estendendo a mão pra me tocar.
Cruzei os braços, puxando o tecido pra cobrir a curva dos meus seios. Antes que o outro pudesse me tocar, o carro freou bruscamente. O tal Gianni virou para trás e desferiu dois socos no grandalhão.
- Calma, o Ricardo só estava brincando... - Miguel tentou interceder pelo comparsa.
Quando Gianni se acalmou, saiu do veículo e tirou Ricardo, jogando-o no meio da estrada. Voltou, jogando-se no banco atrás do volante.
- Não toque na ragazza! - Gianni cuspiu as palavras para o homem ao meu lado.
O carro acelerou. Eu vi a aldeia desaparecer. Fui levada de um cativeiro para outro que era infinitamente mais poderoso.
A viagem terminou em uma garagem subterrânea.
Eles me fizeram sair. Gianni segurou o meu braço e me conduziu até um elevador espelhado. Olhei meu reflexo com a roupa rasgada, os olhos injetados.
Quando as portas do elevador abriram, o Gianni me guiou através de um corredor silencioso, cheio de janelas enormes com vista panorâmica para a cidade.
Fui guiada através de um corredor silencioso até que ele abriu uma das portas, revelando uma sala imensa.
Meus olhos foram imediatamente para a janela, onde vi uma silhueta alta. A camisa de seda preta definia os ombros largos.
- A ragazza virgem está aqui, senhor - Gianni anunciou.
Vito não se virou imediatamente. Ele terminou de olhar para a cidade, como se estivesse fechando um contrato com o mundo, antes de lentamente mover a cabeça.
Embora tivesse uma cicatriz, ele era dono de uma beleza imponente. Baixei o olhar, reparando nas mangas arregaçadas que revelavam as tatuagens nos antebraços que não tinha visto da última vez.
Seus olhos, de um castanho tão escuro que pareciam absorver a pouca luz do ambiente, avaliaram o meu corpo, da blusa rasgada e suja até os meus pés descalços. Estava me inspecionando como se fosse uma mercadoria.
Os olhos dele, antes vazios, estreitaram-se levemente. Ele fez um aceno de cabeça, e Gianni se retirou, fechando a porta.
- Venha até aqui, ragazza - Don Vito ordenou.
- Não!
Ele se aproximou, aprumando-se em toda a sua altura.
- Você está na minha casa, ragazza. Sua vida agora é definida pelas minhas regras. E a primeira é a obediência.
- Regras? - Eu senti o calor da raiva se misturar ao medo. - Eu não assinei nada com o senhor. Fui negociada feito uma mercadoria por um bêbado. O senhor não tem direitos sobre mim.
- Seu padre me devia.
- Je ne suis pas à toi. ... - Nervosa, gritei em francês.
Ele caminhou até mim. Eu me encolhi, preparando-me para o tapa, para o grito, para a fúria cega que eu conhecia tão bem. Meu corpo se tensionou.
- Tu m'appartiens - fez beicinho ao responder também em francês.
- O senhor é um monstro igual ao Gaspar! - Gritei no instante em que o meu trauma me deu uma coragem estúpida.
- Sou bem pior do que você imagina! - Ao dizer, aproximou-se mais.
Ele estendeu a mão e, por instinto, eu fechei os olhos com força, esperando o impacto. Meu corpo inteiro se preparou para a dor familiar.
Mas o toque veio suave. Seus dedos envolveram meu queixo, levantando-o lentamente. A palma dele estava fria e áspera. Meu corpo tremeu incontrolavelmente sob seu toque. - Abra os olhos! - falou num tom autoritário.
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Vito Lucchese
"O Dio mio!"
O pavor estava estampado em seu formoso rosto com um grande hematoma. Soltei o seu queixo ao ver um ferimento em seu ombro, e a perda repentina do contato a fez cambalear.
- Gianni! - Chamei o homem que aguardava lá fora.
- Sim, chefe! - respondeu ao surgir.
- Quem machucou o rosto e o ombro dela? - Apontei para a ragazza.
- Ela já estava com esses hematomas quando a encontrei na rua.
- O seu pai fez isso, ragazza? - Voltei a interrogá-la.
- Gaspar é meu padrasto.
- Que seja - soquei a mesa, já perdendo a paciência. - Foi ele quem fez isso?
A garota não falava, mas as lágrimas que escorriam por seu rosto já me revelavam tudo o que eu precisava saber.
- Traga-me o Gaspar - mandei. - Quero ele vivo.
- Sim, chefe! - Acatando minha ordem, Gianni se foi.
Aquela sala gigantesca com uma exorbitante decoração não era tão interessante quanto a ragazza baixinha que cruzava os braços, tentando esconder o sutiã preto.
- Não ouse me desafiar outra vez, ragazza! - Enquanto falava, eu seguia na direção da porta. - O jantar será servido aqui. Coma e durma!
Cruzei a porta, deixando-a sozinha. Fechei a mão com tanta força que prendi minha circulação.
"E se a ragazza não for virgem?" O pensamento me ocorreu: "Será que ele...". Silenciei este pensamento olhando sobre o ombro para a porta. A garota estava machucada, muito bonita e não tinha ninguém pra proteger. "E se..." Não, não! Gaspar sabia que caçaria até o inferno e acabaria com ele se tivesse mentido pra mim.