Meus pais, Walter e Ivone, a idolatraram. E me desprezaram. "Alice é egoísta", eles diziam. "Ela nem sequer veio visitar o pai doente no hospital."
A partir daquele dia, qualquer discussão que tivéssemos, meus pais sempre ficavam do lado de Juliana. A frase que mais ouvi foi: "Você está machucando a Juliana de novo, Alice!"
Eu lutei por anos, tentando provar minha inocência, tentando fazê-los ver a verdade. Mas fui completamente derrotada.
Agora, não havia mais luta em mim. Não havia mais nada. Meu tempo estava acabando.
Olhei para Juliana, deitada na cama do hospital, com as lágrimas de crocodilo escorrendo pelo rosto. "Você venceu, Juliana", eu sussurrei, as palavras perdidas no ar.
A cirurgia de transplante de rim seria em duas horas. Meu último rim. Minha última respiração. Minha vida estava prestes a terminar.
O veneno, meu câncer, havia tomado conta do meu corpo. Cada osso doía. Cada músculo gritava. Eu sentia como se a própria morte já estivesse se rastejando, seus dedos gelados apertando meu coração. A ideia de uma faca me cortando, de mais dor, de expor minha alma já despedaçada, era um terror.
Mas o que restaria depois? Apenas um corpo vazio.
Será que eles chorariam por mim? Meus pais? Iago?
Não. Eu não era amada. Minha morte seria apenas um inconveniente. Para eles, eu era um sacrifício necessário, uma peça no tabuleiro que eles não hesitariam em derrubar. Meu lugar em seus corações nunca existiu. O amor deles era todo para Juliana.
Na sala de espera pré-operatória, a cena era patética. Meus pais e Iago estavam todos reunidos ao redor de Juliana, que estava sedada, mas ainda parecia o centro do universo deles.
Meu pai, Walter, acariciava a mão dela. "Não se preocupe, minha querida. Vai dar tudo certo. Você vai ficar bem."
Minha mãe, Ivone, sorria suavemente, os olhos cheios de promessas. "Quando você sair, farei sua comida preferida. O que você quiser, meu amor."
Iago, meu noivo, um homem que eu amei mais do que a mim mesma, tirou um colar de ouro fino do bolso. "Para quando você acordar, meu amor", ele sussurrou, o olhar fixo em Juliana. "Eu mesmo o colocarei em você."
Eles falavam de Juliana, para Juliana. Seus olhos, seus corações, suas esperanças – tudo nela.
Eu estava ali, a poucos metros, esperando para ser levada para a cirurgia que tiraria minha vida. Eles nem sequer me viram. Era como se eu já estivesse morta.
Eu pensei que havia me acostumado com essa invisibilidade, com o abandono. Mas, diante da morte iminente, meu coração ainda sangrava. A dor da rejeição era mais forte do que a dor física.
Reuni a última gota de coragem que me restava. "Vocês... vocês vão sentir minha falta?", eu perguntei, minha voz quase inaudível. "Quando eu... quando eu não estiver mais aqui?"
Meus pais pararam, seus rostos se contorcendo em uma mistura de surpresa e constrangimento.
Minha mãe, Ivone, me olhou com raiva. "Não diga bobagens, Alice! Que coisa horrível de se dizer! Você vai se recuperar!"
Meu pai, Walter, tentou um sorriso falso. "Claro que você vai se recuperar, minha filha. Você sempre foi a mais forte. A mais saudável. Juliana sempre foi tão frágil. Preparei um banquete para quando você voltar."
Iago se aproximou, pegou minha mão, um gesto vazio de carinho que não alcançou seus olhos. "Eu vou garantir que você tenha os melhores cuidados, Alice. E depois... depois farei tudo o que você quiser. Qualquer coisa."
O contraste era chocante. Para Juliana, um colar de ouro e promessas de amor eterno. Para mim, uma promessa de "os melhores cuidados" e "qualquer coisa". Como se eu fosse um projeto, uma obrigação, não uma pessoa.
Eu me perguntei se, quando eu estivesse fria, eles sorririam.
Olhei para eles uma última vez. Meus pais, meu noivo, todos unidos em seu amor por uma mulher que não era eu.
Me virei e segui a enfermeira para a sala de cirurgia. Sozinha.
A faca. O corte. O final.
Meu corpo se contorceu de dor. O veneno estava em meus ossos, em minha alma. A dor era tão intensa que eu não conseguia mais sentir nada. A vida escorreu de mim como areia pelos dedos.
Não importa. Eu não estaria aqui para ver.