Minhas mãos roçaram o pingente que ele me dera. Um pequeno coração de prata, gravado com nossas iniciais. Hesitei, depois o arranquei, jogando-o na lixeira sem um segundo olhar. Sem apegos sentimentais. Não mais.
Meu reflexo no espelho do hotel mostrava uma estranha. Pálida, olhos sombreados, mas com um novo brilho de aço. A garota que amava Heitor se fora.
Paguei em dinheiro, sem deixar rastros. O táxi anônimo me deixou perto do Porto de Santos, um lugar movimentado com almas transitórias e conexões fugazes. Perfeito.
O contato da rede estava esperando. Era um homem discreto em um terno escuro, misturando-se perfeitamente com as sombras das docas. Ele não falou, apenas gesticulou em direção a um iate privado e elegante.
Senti uma onda de adrenalina. Era isso. A fuga.
Ao pisar na prancha de embarque, meu celular descartável, que eu havia reativado apenas para isso, vibrou uma última vez. Era uma chamada recebida. Heitor.
Minha respiração falhou. Ele estava encurtando sua "viagem". Ele estava vindo atrás de mim.
Agarrei o celular, meu polegar pairando sobre o botão "atender". Uma parte de mim, a antiga e tola Analu, queria ouvir sua voz, queria que ele explicasse, que implorasse.
Mas a nova Analu, forjada na traição, sabia que não adiantava.
Olhei para o contato da rede. Ele encontrou meu olhar, sua expressão indecifrável. "Pronta?", ele perguntou, sua voz baixa.
"Pronta", sussurrei, e deixei o celular cair na água escura e agitada abaixo.
O celular afundou, sua luz piscando uma vez, depois sendo engolida pelas profundezas. Minha última conexão com Heitor, rompida.
Enquanto o iate se afastava da doca, um alarme de carro fraco soou à distância. O carro dele? Seus homens? Não importava. Eu já tinha ido.
O ar do mar chicoteava meu cabelo, frio, mas purificador. Apoiei-me na amurada, observando as luzes da cidade diminuírem à distância.
Eu estava livre. Mas a liberdade parecia crua, aterrorizante.
"Estamos indo para uma ilha particular em Angra dos Reis", disse o contato, sua voz quebrando o silêncio. "Sua família está esperando por você."
Minha família. As palavras foram um bálsamo suave em minha alma ferida. Uma família de verdade. Não uma fabricada.
Fechei os olhos com força, imaginando rostos que eu não conseguia lembrar direito, vozes que só ouvi em sonhos fragmentados.
A viagem foi longa, pontuada por momentos de alerta ansioso e exaustão profunda. Dormi pouco, assombrada por sonhos vívidos de Heitor e Camila, suas risadas ecoando em minha mente.
Mas cada nascer do sol trazia um novo senso de propósito. Eu estava construindo uma nova vida. Pedaço por pedaço doloroso.
Quando finalmente atracamos na ilha particular, era crepúsculo. O ar estava quente, perfumado com flores desconhecidas.
Um homem alto e elegante esperava no píer, seu rosto gravado com uma mistura de esperança e apreensão. Seus olhos eram do mesmo tom de esmeralda que os meus.
Meu coração deu um salto. Poderia ser?
Ele deu um passo à frente, seu olhar varrendo-me, como se procurasse por algo perdido. "Analu?" Sua voz estava embargada de emoção.
"Sim", sussurrei, lágrimas finalmente brotando em meus olhos. "Sou eu."
Ele me puxou para um abraço feroz, me esmagando contra seu peito. Era um abraço familiar, um que eu reconheci dos cantos nebulosos das memórias da infância.
"Minha irmãzinha. Você finalmente está em casa", ele sussurrou, sua voz falhando.
Casa. A palavra ressoou fundo dentro de mim, preenchendo um vazio doloroso.
Ele se apresentou como Dante Alencar. Meu irmão mais velho.
Dante. O nome parecia certo, familiar. Ele não era apenas meu irmão. Ele era meu noivo de verdade, aquele a quem eu fora prometida desde a infância, antes de me perder.
E a rede que eu contatei? Não era apenas um banco de dados de herança. Era a própria rede discreta da minha família, procurando por mim há anos.
"Nós nunca perdemos a esperança", disse Dante, me segurando à distância, seus olhos brilhando. "Nem por um único dia."
Ele me contou sobre nossa família, uma poderosa dinastia europeia. Ele me contou sobre o noivado, uma tradição que se estendia por gerações.
Não era um casamento secreto nascido da manipulação. Era um laço de história, de família. Uma promessa de um futuro saudável e aberto.
Meu passado com Heitor, a arma secreta, a amante clandestina, parecia impossivelmente distante. Um pesadelo recuando com o amanhecer.
Eu não era mais apenas Analu. Eu era Analu Alencar. E eu finalmente estava em casa.