A Volta Gélida do Amante Maculado
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Capítulo 5

Ponto de Vista: Analu

Os dias na ilha particular se desenrolaram como um bálsamo para minha alma marcada. Dante, meu irmão e verdadeiro noivo, era tudo o que Heitor não era: calmo, honrado e abertamente afetuoso. Ele me deu espaço para curar, mas estava sempre lá, uma presença constante.

Ele me contou sobre nossa família, a dinastia Alencar, uma força em tecnologia e finanças na Europa. Explicou o noivado, uma tradição de unir famílias poderosas, mas que deveria ser preenchida com amor, não obrigação.

"Quando nossos pais te perderam, eles nunca pararam de procurar", explicou Dante uma noite, enquanto estávamos sentados com vista para o mar iluminado pela lua. "Esta rede, foi construída para você."

Ele me entregou um pequeno diário coberto de veludo. "Este era da sua mãe. Ela escrevia nele todos os dias, esperando que um dia você encontrasse o caminho de volta."

Passei os dedos pela capa gasta, uma pontada de saudade e arrependimento apertando meu peito. Uma família, uma história real, estava esperando por mim o tempo todo.

A dor crua da traição de Heitor começou a diminuir, substituída por um sentimento tranquilo de pertencimento. Os pesadelos ainda vinham, flashes da facção, dos olhos frios de Heitor, do sorriso triunfante de Camila. Mas eles desapareciam mais rápido a cada manhã.

Dante nunca me pressionou sobre nosso noivado. Ele simplesmente me mostrou como era o verdadeiro amor e respeito. Ele ouviu pacientemente enquanto eu contava fragmentos do meu passado, a violência, a vida oculta, a traição esmagadora.

Ele nunca se abalou. Nunca julgou. Apenas ofereceu compreensão.

"Você é mais forte do que qualquer pessoa que eu conheço, Analu", disse ele, segurando minha mão. "Seu passado te construiu, não te maculou."

Suas palavras foram uma revelação. Elas cortaram os últimos fios da ideologia distorcida de Heitor. Minha força não era uma falha; era minha essência.

Uma tarde, enquanto explorava a ilha, encontrei um velho piano de cauda empoeirado em um conservatório esquecido. Meus dedos, acostumados às teclas silenciosas em minha sala de prática secreta, gravitaram em direção a ele.

A música fluiu, hesitante no início, depois com uma liberdade poderosa e desimpedida. Era uma melodia de perda, de cura, de esperança recém-descoberta.

"Você é incrível", disse Dante, me assustando. Ele estava ouvindo do lado de fora. "Por que você escondeu esse talento?"

Expliquei o medo de Heitor, seu desejo de me manter escondida, segura, despercebida. "Ele disse que era perigoso demais para eu ser conhecida."

Dante balançou a cabeça. "Um talento como o seu merece ser ouvido. Ser celebrado."

Pela primeira vez, senti um desejo genuíno de abraçar verdadeiramente minha paixão, publicamente.

Semanas se transformaram em meses. Recuperei minha força física, as velhas lesões cicatrizando sob os cuidados de Dante e a tranquilidade da ilha. Minhas cicatrizes emocionais também começaram a se curar, unidas por bondade e amor incondicional.

Comecei a fazer longas caminhadas, redescobrindo a alegria do movimento, livre da vigilância constante da minha vida anterior.

Durante uma dessas caminhadas, uma onda súbita de tontura me atingiu. Meu estômago revirou. Descartei como fadiga, um efeito persistente do trauma.

Mas a tontura voltou, acompanhada por uma estranha aversão a certos alimentos e uma mudança sutil em meu corpo.

Dante, sempre observador, notou. Ele insistiu que eu visse o médico da família na ilha.

A médica, uma mulher gentil com olhos perspicazes, realizou um exame completo. Seu sorriso, quando deu a notícia, foi gentil.

"Analu", disse ela, "você está grávida."

As palavras pairaram no ar, ecoando na sala silenciosa. Grávida.

Minha mente voltou àquela noite, após o resgate da facção, quando busquei conforto nos braços de Heitor, sob a influência de sedativos e emoção crua. A noite em que o mundo se estilhaçou, e depois, a noite em que Dante me resgatou.

Poderia ser de Heitor. Poderia ser de Dante. A linha do tempo era dolorosamente ambígua.

Um pavor frio se infiltrou em minha paz recém-descoberta. Um bebê. Um elo tangível com o passado do qual eu estava tentando desesperadamente escapar.

Dante entrou então, seu rosto expectante. "Está tudo bem?"

Olhei para ele, para seus olhos gentis e firmes, olhos que me viram no meu pior momento e ainda ofereceram apoio inabalável.

Como eu poderia contar a ele? Como eu poderia introduzir uma verdade tão complexa e dolorosa em nosso futuro florescente?

A alegria que eu deveria sentir foi ofuscada pelo medo. Medo da verdade. Medo de magoar Dante. Medo do que isso significava para o meu novo começo.

Minha mão foi instintivamente para o meu estômago, um tipo diferente de gesto protetor desta vez.

A médica pigarreou, sentindo a tensão não dita. "Analu, você está bem?"

Engoli em seco, as palavras presas na garganta. Eu tinha que contar a Dante. Eu tinha que ser honesta.

Esta nova vida, este amor saudável, exigia honestidade.

"Dante", comecei, minha voz tremendo ligeiramente. "Há algo que preciso te dizer."

A verdade, não importa quão dolorosa, tinha que vir à tona.

                         

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