O e-mail foi uma bomba. E explodiu rápido. Em poucas horas, os canais de notícias estavam fervilhando. Mateus Moraes e sua mãe, Betina, estavam sendo levados para interrogatório. Não apenas sobre o bullying de Léo, mas sobre uma série de incidentes semelhantes, subitamente desenterrados, subitamente visíveis. O poder que Caio exercera para mantê-los escondidos estava desmoronando.
Assisti a tudo se desenrolar na TV do hospital. Então, as portas duplas da sala de espera se abriram com um estrondo. Caio entrou, o rosto uma nuvem de tempestade. E logo atrás dele, Betina, com os olhos vermelhos, agarrada a Mateus, que parecia perplexo, não arrependido.
Betina me viu e seus olhos se arregalaram. Ela caiu de joelhos, bem ali no meio da sala de espera lotada, agarrando minhas pernas. "Clara! Por favor! Você tem que retirar sua queixa! Por favor, estou te implorando!" Sua voz era um soluço desesperado e teatral.
Mateus, ao lado dela, parecia totalmente confuso. Ele não estava chorando, apenas encarando a performance de sua mãe.
"Ele é só uma criança, Clara!", Betina suplicou, lágrimas escorrendo pelo rosto. "Ele é tão sensível! Isso vai arruinar a vida dele! Pense na saúde mental dele! Por favor, pelos velhos tempos!"
Olhei por cima dela, diretamente para Caio. Seus olhos continham um lampejo de pena, um instinto protetor cru que eu nunca o vi dirigir a mim. Estava lá, por uma fração de segundo, e depois se foi. Um sorriso frio e duro tocou meus lábios. Ele a amava. Ou, pelo menos, sentia algo por ela que nunca sentiu por mim.
Caio se ajoelhou, puxando Betina gentilmente para se levantar. Seu rosto estava sério, mas seu toque era suave. Ele se virou para mim, os olhos brilhando com uma luz perigosa. "Clara, isso acaba agora. Ligue para eles. Diga que foi um mal-entendido." Sua voz era baixa, autoritária, um tom que eu conhecia bem.
"Não", eu disse, minha voz firme, decidida. "Não acaba. Está apenas começando."
Ele pegou o celular, o maxilar tenso. Afastou-se, fazendo uma ligação. Ouvi trechos de sua conversa, ríspidos e imperiosos. "...desinformação...vingança pessoal...eu vou resolver..."
Minutos depois, meu próprio celular vibrou. Era minha chefe. A voz dela estava tensa. "Clara, acabei de receber uma ligação do Distrito. Houve uma queixa. Algo sobre má conduta profissional... Eles estão te suspendendo, com efeito imediato."
Minha respiração falhou. Suspensa. Ele não apenas protegeu Betina e Mateus; ele estava vindo atrás de mim. Minha carreira, tudo que eu construí, assim, de repente.
Encarei Caio, que acabara de voltar, um brilho triunfante e frio nos olhos. "Foi você", sussurrei, as palavras com gosto de veneno.
Ele me olhou, com um encolher de ombros quase simpático. "Eu te avisei, Clara. Você escolheu isso. Você escolheu fazer um espetáculo público. Você escolheu a guerra quando eu ofereci a paz." Ele fez uma pausa, um tom cruel em sua voz. "Agora, retire a queixa. Ligue para eles. Ou vai piorar."
Minha mente voou para Léo, ainda se recuperando, ainda tão vulnerável. Eu não podia arriscá-lo. Não com o imenso poder de Caio. Minha determinação vacilou, apenas por um segundo.
"Tudo bem", engasguei, a palavra rasgando minha garganta. "Eu vou retirar."
A humilhação era uma brasa quente e ardente no meu peito. Fiz a ligação, minha voz desprovida de emoção. Ouvi o suspiro de alívio do outro lado, a promessa de que "tudo voltaria ao normal".
"Normal." Que piada.
Assim, Mateus e Betina foram liberados. Eu os vi sair, Betina agora irradiando um alívio presunçoso, Mateus saltitando, jogando um brinquedo novo. Caio caminhou com eles, a mão repousando nas costas de Betina, um gesto possessivo. Ele parecia o pai orgulhoso, o amante protetor.
Senti uma risada amarga borbulhar. Ele realmente é o herói dela, pensei, o sarcasmo uma ferida aberta.
Uma semana depois, o "normal" que Caio havia prometido era tudo menos isso. A escola nos notificou que o "agressor" de Léo, Mateus, havia sido colocado em um "plano educacional especial" e assistiria às aulas remotamente. Léo, a vítima, ainda era esperado para retornar ao mesmo ambiente tóxico.
Então, a carta oficial chegou. Minha demissão. Não apenas uma suspensão. Demitida. E alguns dias depois, um e-mail enigmático de um ex-colega. Betina Moraes havia sido contratada como a nova "Assessora Especial" de Caio. A ironia foi um soco no estômago. A mulher que ele estava protegendo, a mãe do garoto que brutalizou nosso filho, era agora seu braço direito.
A dormência voltou, mais espessa desta vez. Cobriu meu coração, minha mente, minha alma.
Caio chegou em casa naquela noite, agindo como se nada tivesse acontecido. Ele tentou passar um braço ao meu redor, uma fraca tentativa de afeto. "Clara", ele murmurou, "eu te disse que tudo se resolveria. Isso é para o melhor. Podemos recomeçar."
Eu me afastei de seu toque. Olhei para ele, realmente olhei para ele. As mentiras, a traição, a corrupção. Era tudo um verniz fino sobre um núcleo podre.
"Recomeçar?", eu disse, minha voz monótona, sem emoção. "Você acha que destruir minha carreira, proteger sua amante e deixar nosso filho ser espancado até quase morrer é 'recomeçar'?" Eu ri, um som agudo e sem humor. "Você quer falar sobre recomeçar, Caio? Eu vou te mostrar o que é recomeçar."
Ele recuou, o rosto endurecendo. "Não me ameace, Clara."
"Ah, eu não estou te ameaçando", eu disse, uma nova e arrepiante determinação firmando minha voz. "Estou te prometendo. Eu vou te processar. Por tudo. Pelo que você fez com o Léo, pelo que você fez comigo. Por cada mentira."
Seu rosto se contorceu de raiva. "Você não se atreveria!", ele rugiu, batendo o punho na mesa.
"Pode apostar que sim", eu disse, meus olhos frios como gelo. "Vou garantir que o mundo inteiro veja o verdadeiro Caio Hayden."
Ele saiu de casa batendo a porta. Eu não me mexi. Apenas peguei meu celular. O número da minha advogada já estava na discagem rápida. "Está na hora", eu disse, minha voz firme. "Vamos entrar com o processo."