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Eu acordei assustado. Abri os olhos, deixando a claridade do sol matinal inundar minhas retinas.
Sentei-me sobre o bloco de concreto onde dormi, desmaiado pela pancada na cabeça. Desnorteado, olhei para a rua, me sentindo desapontado ao ver apenas a estrada deserta que serpenteava nas curvas sinuosas e um ônibus carbonizado.
Eu trouxe de volta o olhar pensando... Para onde foi o ônibus com minha família?
Eu não sabia, mas eu tinha que descobrir.
As poucas esperanças que tinha já estavam se esgotando conforme os minutos caminhavam no relógio. Sabia que quanto mais aumentavam as horas, mas diminuíam as chances de eu vê-las.
Uma sensação de desespero se apoderou de meu coração. E se nunca mais as visse? Eu estava perdendo tempo ali.
Eu olhei para a rua novamente, como se isso fosse diminuir minha ansiedade quando na verdade só servia para aumentá-la. Quando trouxe meu olhar de volta, estava carregado de decepção. E a sensação apenas piorou quando me lembrei de que repreendi minha mãe na exata hora de despedida, e daria tudo para voltar no tempo e dizer ao menos um "Tchau".
Eu tinha de arranjar um jeito de chegar até ela. De alguma forma. Mas como?
Me endireitando no bloco de concreto, eu senti uma tenebrosa brisa soprar em minha nuca. Ao me virar, instintivamente, me deparei com ele.
No final da rua, avistei um tanque do exercito, se aproximando lentamente. Era dirigido com muita cautela por um soldado uniformizado cujo qual imediatamente reconheci quando ele parou e abriu o compartimento de cima.
- Pelo visto você ficou para trás - disse ele, o soldado coreano que não permitira minha subida no ônibus.
Ele usava o uniforme verde de soldado típico, a boina escondia com uma sombra leve o acentuado dos olhos puxados, o sotaque arrastado oferecia pista de sua origem coreana.
- Por sua causa - eu segurava uma mão no ombro por causa do mau jeito que dei ao desmaiar.
- Você poderia vir comigo, mas para onde eu vou é perigoso.
Ele ignorou o que eu disse.
- Mas pega isso - continuou ele, estendendo a mim um pequeno folheto. - Tenta pegar carona até esse endereço. É a base do oitavo batalhão de engenharia de construção do exército. É para onde sua família foi.
- Valeu - peguei o papel da mão dele e segurei firmemente. Eu o li.
Rod. Santarém-Cuiabá 7311-7367
Foi ai que percebi que o lugar era o mesmo local no qual eu servi o exército ano retrasado.
- Por que você está me ajudando? - perguntei.
- Por que você precisa de ajuda - ele franziu a testa.
- Quem é você?
- Sou seu amigo.
- Eu não tenho amigos.
- Agora tem. - Ele abriu um sorriso amarelo. - Você está perdendo tempo, vá logo.
- E como posso saber que você não está mentindo?
- Indo até lá e tirando sua dúvida - ele soou sincero, embora eu não tivesse acreditado.
Aquele lugar era onde eu havia servido o exército.
Não fazia sentido os militares levarem civis até lá, sendo que era uma área restrita de treinamento. Se bem que fazia anos que eu não pisava os pés naquela região, então devem ter reformado o local e feito mudanças bruscas, fora que aquele cara era um soldado.
Ele veio de lá, trabalhava lá. Eu tinha que acreditar nele, pois não via mais opções.
Ele ia fechando o compartimento do tanque, quando eu o impedi.
- Espera!
- Sim? - Ele me olhou preocupado.
- Qual é o seu nome? - Eu queria ter certeza que podia confiar nele, principalmente depois dele ter barrado minha entrada no ônibus militar, por mais que, eu sabia, ele estivesse apenas seguido ordens naquela hora.
- Taeyang. - respondeu ele, e repetiu, como se eu não tivesse ouvido, alto e claro. - Major Taeyang.
Assenti.
- Se cuida. - Ele se despediu com um maneio de cabeça, depois pilotou o tanque para longe dali.
Atravessei a rua, andando em direção à parada de ônibus - o lugar mais provável de pegar uma carona, isso se houvesse alguém vivo depois do ataque - e cheguei a tempo de uma picape vermelha estacionar lá.
Corri em direção a ela.
- Senhor. Você pode me ajudar? - O motorista era um homem bonito, de porte elegante, louvável, não fosse pelo macacão velho que ele usava e o odor de graxa que exalava do automóvel.
Ele me olhou de soslaio e mandou-me entrar. Eu, sem pestanejar, obedeci. Entrei no banco de estofado de couro de trás para ver que além do motorista havia outro passageiro, ele estava sentado no banco do carona, ao lado do motorista. O motorista era bonito, mas não tanto quanto o passageiro.
Ele, o passageiro, tinha os olhos azuis, a pele branca, cabelos pretos e lábios tão vermelhos que me perguntei se ele usava batom, mas acho que não. Naquela ocasião ele usava uma jaqueta de couro preta e jeans rasgados.
- E para onde você vai? - perguntou o menino bonito.
- Eu preciso chegar a esse endereço - disse eu, mostrando o papel com o endereço.
- Não há nada ai, mas vamos passar próximos, podemos deixar você no caminho.
- Agradeço, mas vocês dois não vão pra lá?
- Não, essa coisa de exército é fachada, eles não são melhores que os monstros ali fora - disse o homem de macacão.
Pensei um pouco no que ele disse, mas esqueci no mesmo instante, pois eu estava concentrado em encontrar minha família.
Tanto o homem quanto o rapaz tinha um sotaque caipira.
- Quantos anos você tem? - perguntou o belo rapaz.
- 17 - menti, eu tinha esse hábito.
- Oh, tadinho, uma criança! Fique calmo, está seguro agora - disse o garoto, mordendo o lábio inferior. Me senti extremamente irritado com o que ele havia dito.
- Nós vamos levá-lo até o endereço assim que fizermos uma coisa. Espere aí.
O homem e o garoto, provavelmente pai e filho, retiraram a chave do volante, depois desceram do carro com armas nas mãos e foram "atirar em alguns monstros que estavam ali perto", não me pergunte leitor, como vi, mas vi.
Fiquei trancado no carro esperando eles voltarem. De repente, eu vi, pelo retrovisor da picape, um caminhão em chamas vir sucumbindo a rua, em direção ao carro. Em instantes o automóvel em que eu estava seria arrastado pelo caminhão comigo preso dentro.
Eu tinha que fazer alguma coisa.
Comecei a gritar e chamar pelo rapaz e pelo homem, mas eles estavam fora do alcance visual e sonoro, meus gritos foram em vão. Lembrei então que nos filmes que já assistir os heróis sempre faziam ligação direta, ou pelo menos era o que eles fariam em meu lugar, já que não sou herói e passo longe de ser.
Vasculhei a parte debaixo do volante atrás da fiação. Desconectei um fio vermelho e reconectei a um amarelo. Tão logo o motor rugiu.
Troquei de marcha, pisei fundo no acelerador e na embreagem, mas o carro não saia do lugar. Percebi no mesmo instante que o freio de mão estava levantado - por isso o carro não saía do lugar. Rapidamente o baixei, depois usei meu conhecimento drive para tirar a picape da beira da estrada e do caminho do caminhão em chamas, manobrei o carro pela pista e estacionei em um lugar seguro. O caminhão em chamas passou ao lado do carro de raspão e se encontrou com o ônibus carbonizado, chocando-se e fazendo uma nova explosão eclodir.
Saí do carro no mesmo instante em que os dois rapazes caipiras chegaram:
- O que você fez? - perguntou o homem, deixando, sem querer, a espingarda que segurava cair no chão.
- Salvei sua picape - respondi.
- Onde você aprendeu a fazer ligação direta? - perguntou o belo rapaz de olhos azuis.
Dei de ombros.
Mas uma vez novas criaturas surgiram do nada, era o bastante para um exercito ou dois e estavam correndo em nossa direção, no desespero, peguei uma espingarda que o homem de macacão deixou cair no chão - provavelmente de caça - e corri de volta para a minha casa que ficava ali perto.
O garoto e o homem correram para dentro da picape vermelha, desaparecendo pela estrada á frente.
Atravessando a rua, eu entrei em casa e tranquei a porta, me virei e vi a bagunça que estava:
Os móveis revirados na sala, vidro quebrado no chão, marcas de tiros nas paredes - vestígios da invasão das criaturas seguida da operação dos soldados.
Atravessei a sala, onde os únicos móveis inteiros eram os sofás. Fui até a cozinha, onde, por incrível que possa parecer, quase tudo estava preservado, os armários continuavam ali, a geladeira embutida e até o fogão velho. Caminhei pelo corredor central e entrei em meu quarto, passo por passo (temendo haver alguma criatura exotérica), entrei no quarto, trancando-o em seguida.
Meu quarto estava uma bagunça total (tá legal, nunca esteve arrumado, mas aquilo era demais. Minhas roupas estavam mais reviradas que de costume, e não me lembro de ter buracos de fuzis nas paredes). Ele era o único cômodo da casa que cabia exatamente minha cama, uma estante de livros mais uma cadeira de madeira que geralmente colocava roupas em cima.
Peguei minha mochila verde pendurada em um suporte perto da janela e comecei a andar pela casa á procura de objetos de precisão, enchendo o interior da mochila com - dois pares de roupas, um par de sapatos, lanternas, pilhas, cordas, uma tesoura, uma faca, fitas adesivas, e um fósforo - alguns objetos que talvez eu fosse precisar. Em seguida, admito, peguei produtos, perfumes, desodorantes e creme para cabelo (afinal era o fim do mundo não o fim do meu cuidado pessoal).
Ajeitei a mochila nas costas e empunhei a arma na mão, determinado. Olhei para minha casa destruída, horrorizada por aquelas criaturas. Eu tinha que chegar até minha família, o mais rápido possível. E eu estava disposto a enfrentar a batalha que fosse - eu poderia ter passado uma vida sem ir para guerra, mas não passei um minuto sequer sem estar preparado para ela. Suspirei, então saí de casa, rumo á rua.