O que você não me roubou
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Capítulo 3 02 - Ester

Minha mãe me olhava com o semblante triste enquanto dirigia o carro com as janelas abertas. Fazia 18 graus em Lisboa, um clima frio e agradável para quem gostava. Vestida com as minhas roupas favoritas - uma blusa branca canelada de mangas, uma calça preta e uma boina da mesma cor, eu estava agasalhada, e me sentia bem. Parte de mim queria retornar para casa com a minha mãe, mas a outra sabia que eu precisava disso.

E aqui estou eu, voltando para o meu lugar de origem, voltando para Viseu, o lugar que eu sempre evitei nas minhas férias, diferente da minha irmã. Eram 2 horas e 54 minutos de viagem até lá, mas o meu pai estará me esperando em Coimbra, então minha mãe não terá tanto contato com ele. Eles se separaram no auge dos meus nove anos de idade. Depois de 15 anos de casamento, ele acabou se desgastando, o que me deixou bastante triste na época e desacreditada no amor, até conhecer ele, mas tudo mudou novamente.

- Ester, você tem certeza? - Perguntou minha mãe pela milésima vez. Eu nunca voltava atrás com minhas palavras, não era do meu feitio, e ainda mais pelas coisas que passei, e como a minha vida mudou em 72 horas.

- Nunca tive tanta certeza, mãe. Não se preocupe, quando eu me recuperar, eu voltarei para casa - Digo, como se fosse uma promessa.

Minha irmã voltou de viagem há três meses, ela estava passando o seu recesso da universidade na casa do meu pai, na nossa antiga cidade. Eu namorava há quase onze meses, e um belo dia, ou há exatamente três dias, quando cheguei em casa depois de um passeio com minha mãe, encontrei a minha doce irmã na cama com o meu namorado, atualmente ex.

Eles ficavam há um ano, e eu simplesmente não sabia, eu sempre o via passar e quando nos aproximamos, foi uma enorme felicidade para mim, pois ele era tudo o que eu queria. Para me afetar ainda mais, Elisa anunciou a sua gravidez, levando minha mãe ao seu limite e fazendo-a expulsar Elisa, eu sabia que a reação da minha mãe tinha sido momentânea, eu fiquei feliz, mas por dentro eu queria morrer.

- Eu sei que o que sua irmã fez com você foi super errado - Anuncia minha mãe me despertando do transe - Mas você deve encarar tudo de cabeça erguida - Continuou.

- Mãe, está tudo bem. Eu realmente queria voltar para Viseu para ficar com o meu pai - Menti, eu era uma péssima mentirosa.

- Caso queira voltar, me avise, buscarei você imediatamente - Rebateu alisando meu rosto.

- Não se preocupe comigo, mas se cuide, eu estarei sempre ligando para você.

Minha mãe sempre foi uma boa amiga para mim e uma ótima mãe, sempre me incentivou a passar férias com o meu pai, por mais que ela soubesse o quanto eu odiava aquele lugar, ela nunca me forçou a ir ou me proibiu de ter contato com ele, mas agora, eu realmente precisava descansar e esquecer de tudo que aconteceu nesses últimos dias. Sempre fomos comparadas quando o assunto se tratava de maturidade, tudo o que eu sabia, minha mãe havia me ensinado, e graças a ela, hoje sou uma pessoa gentil e bondosa.

- Diga ao seu pai que mandei beijo.

- Eu direi, mas a senhora poderia fazer isso, já que também verá ele.

- É, talvez eu diga.

Foi combinado que meu pai me pegaria na estação de Coimbra, de Coimbra até a cidade em que ele mora são uma hora de viagem, o que me preocupava, já que meu pai é um homem muito tagarela e que não gosta de manter a boca fechada, vai ver essa foi a razão da separação dos meus pais, ou talvez minha mãe só estava cansada da vida monótona de uma esposa de um policial e mãe de duas filhas.

Pude perceber a felicidade na voz do meu pai ao saber que eu iria voltar a morar com ele, mesmo que por um pequeno período de tempo, no dia seguinte, eu já havia descoberto que eu já estava matriculada na escola local, tudo isso em um curto período de tempo. Eu não sou a pessoa mais falante do mundo, pelo menos não com o meu pai, eu não sabia qual assunto conversar com ele, talvez sobre a cidade ou talvez sobre o porquê da minha mudança repentina de morar com ele, mas eu apenas revelaria o motivo se ele perguntasse.

Assim que chegamos na estação, meu pai já se encontrava em sua rádio patrulha com bastante tédio, era visível pelas batidas no volante do carro, eu ri daquela cena, ele sempre foi um homem animado e agitado, e vê-lo no tédio era algo novo.

- Provavelmente não irei falar com ele, mande lembranças por mim - Pediu a minha mãe.

- Tudo bem, eu mandarei.

Eu não tinha malas pesadas, apenas uma de mão e uma mochila que continha os meus materiais escolares, que se encontravam ambas no banco traseiro do carro. Após tirar as bolsas do banco traseiro e com toda a dor do mundo me despedir da minha mãe, finalmente tomei coragem e caminhei até o carro de Aldo Benjamin, ou melhor, o meu pai.

Bati em seu vidro por pelo menos quase um minuto e quando finalmente percebeu a minha presença, saiu apressadamente do carro para me ajudar com a bagagem. Não havia necessidade de colocar as bolsas no porta malas, então novamente elas foram no banco traseiro.

- É bom te ver novamente tete! - Disse ele, me dando um abraço apertado e desajeitado - Você não vem aqui desde que foi embora. Senti saudades! - Me apertou ainda mais, eu não deveria ter feito isso, há quase oito anos eu não visito o meu pai, mas sempre nos falávamos por chamada de vídeo, ou pelo menos quando dava, mas eu sabia que não era a mesma coisa.

- Também estava com saudades, papai! - Retribui da mesma forma.

- Como está a Miriam e a sua irmã?

- Estão bem, e a mamãe te mandou lembranças.

- Isso é ótimo! - Sorriu envergonhado - Vamos? - Assenti.

Já estávamos no carro, e um enorme silêncio nos acompanhava naquela pequena viagem até Viseu. Era óbvio que nenhum dos dois tinham o que falar, até que o meu pai me surpreendeu quebrando o clima que reinava no lugar.

- A cidade mudou bastante nesses últimos anos. - Falou enquanto ainda estava atento ao trânsito.

- E o que mudou exatamente? - Ele havia atiçado a minha curiosidade, e eu não deixaria passar.

- O assassinato da família Williams há três anos - Disse tranquilo.

Eu já tinha ouvido falar daquele sobrenome em algum lugar, porém não me recordava de onde, talvez de Lisboa, ou talvez não.

- E quem são mesmo? - Perguntei, e algo me dizia que eu conhecia alguém dessa família.

- Sabia que você talvez não se lembrasse, você costumava brincar com a Amora Williams, a filha mais nova do casal Alberto e Marília Williams.

Eu finalmente me lembrei da família. Eles moravam na última casa perto da floresta, que ficava a quatro ruas atrás da casa do meu pai, a menina tinha dois irmãos, no qual eu nunca tive muito contato, diferente da Elisa que vivia em cima do irmão mais velho.

- Lembrei, é uma pena que isso tenha acontecido com eles, eram um casal legal. - Falei - E alguém foi culpado pelo assassinato deles? - Perguntei, em que cidade eu tinha me metido?

- O filho do meio foi o único sobrevivente, mas por falta de provas de que ele tenha matado a sua família, ele está solto, mas a polícia observa cada movimento dele.

Choque. O garoto sempre foi calado, e era super protetor com a sua irmã mais nova, uma pessoa dessa não poderia matar a sua própria família, poderia?

- Mas tem alguma prova que indique que foi ele?

- Não exatamente, ele foi preso em flagrante com a arma do crime na mão, e eu que ordenei a sua prisão - Disse tenso.

Fiquei pensativa, ou ele era bom em esconder provas, ou ele não era o culpado do assassinato dos pais.

- Por quanto tempo ele ficou preso?

- Aproximadamente um ano, mas logo foi solto. Ninguém conseguiu arrancar nada dele, e ele tem um bom advogado.

- Ele é um ano mais velho do que eu, né?

- Sim, e estuda no mesmo ano e na mesma escola que você. Não se aproxime dele, é a única coisa que vou pedir. Peço que me prometa. - Insistiu parecendo preocupado.

Era provável que o garoto sofresse bullying ou ameaça pelas pessoas da cidade, e pelo modo que o meu pai falou dele, parece que ele é uma pessoa que ninguém ousa se aproximar e que só está na cidade porque ninguém tem coragem o suficiente de expulsar ele. Eu não poderia prometer uma coisa desse tipo, eu nem sequer conhecia o garoto, e eu também não o julgaria antes de ouvir a sua versão da história.

- Eu prometo. - Menti, era algo que eu estava me acostumando a fazer, e com o meu pai não seria diferente.

- Espero que cumpra a única coisa que te pedi - Falou um pouco triste.

- Mais alguma coisa?

- Sim, evite sair à noite, a cidade se tornou um lugar perigoso desde a morte da família.

- Tudo bem. Eu não sairei se não for com você.

- Muito bem, e a propósito, gostei do tamanho do seu cabelo - Elogiou e eu apenas sorri.

Eu tinha cortado metade do meu cabelo no mesmo dia em que descobri a traição, uma coisa que eu e minha irmã herdamos do nosso pai foi o cabelo ruivo liso, era chamativo, e da minha mãe, os seus olhos castanhos esverdeados. Meu cabelo sempre foi alvo de brincadeiras de mal gosto, mas nunca me importei muito, embora que eu nunca fui fã dele. Já tentei diversas vezes tomar coragem para mudar a cor, mas nunca consegui. No fundo eu sabia que meu cabelo era a coisa mais linda que havia em mim.

Trocamos algumas palavras, mas depois de um tempo o silêncio novamente havia voltado, nossa conversa foi sobre o clima, descobri que o verão era curto, morno e seco, e que sua temperatura máxima chegava a 29° graus celsius, o que era bom, já que eu gostava bastante de sol.

O lugar era realmente lindo, indo em direção à cidade pude vislumbrar as árvores, um lugar bastante verde, o que o tornava diferente de Lisboa. Troncos cobertos de ervas daninhas, galhos com bastante folhas, um lugar para se apaixonar, e com certeza eu me daria bem nele.

Depois de quase uma hora torturante, finalmente chegamos na casa do meu pai. O lugar estava exatamente como nas minhas lembranças, exceto os móveis e as cores das paredes que estavam entre um tom de amarelo areia e um branco neve.

Foi necessário apenas uma viagem para levar as minhas bolsas até o meu antigo quarto, o que gostei bastante, já que a visão dava para as flores que existiam no pequeno jardim do meu pai. O quarto não tinha mudado muita coisa, o guarda roupa de madeira antiga continuava o mesmo, a cama que antes era infantil foi trocada por uma box de casal, o piso de madeira continuava o mesmo, até as paredes rosa bebê, céus, a Ester atual odiava rosa, mas pelo menos agora tinha um banheiro no meu quarto, mesmo que parecesse improvisado.

Passei a mão lentamente pela cômoda empoeirada do quarto e automaticamente sorri. Uma vez quando criança, eu subi em cima da cômoda para me fingir de abajur, e se não fosse a minha mãe, hoje eu teria uma cicatriz enorme no braço. Lembranças me deixavam nostálgicas, tudo o que eu mais desejava era que algum dia eu tivesse a minha família de volta.

- Toc toc - Disse meu pai batendo na porta semiaberta

- Pode entrar, pai - Autorizo a sua entrada.

- As coisas estão um pouco empoeiradas, não tive tempo de limpar, mas se precisar de ajuda pode me chamar - Falou sorrindo e fazendo um legal.

- Tudo bem, pai. Acho que consigo sozinha.

- Quando terminar, desça para jantar - Apenas concordei com a cabeça.

Assim que o meu pai saiu do meu quarto, peguei uma flanela que estava em cima da cômoda e comecei a passar nos móveis e quando terminei, pude guardar as roupas que já estavam dobradas. Eu odiava desorganização, porém minhas coisas viviam bagunçadas.

Tomei um banho rápido e desci ao encontro do meu pai. Enquanto eu arrumava o quarto, ele estava pedindo pizza, ele era péssimo na cozinha, e eu sabia que provavelmente ele pediria alguma coisa para gente comer diariamente, mas eu sabia cozinhar, então ele não iria precisar mais gastar dinheiro com comidas nada saudáveis.

Assistimos a um filme e logo quando acabou, subi direto para o meu quarto, eu precisava descansar e dormir um pouco, talvez eu não conseguisse, talvez eu chorasse, apenas talvez... Essa seria a minha primeira noite longe da minha mãe e de tudo o que um dia eu adorei ter. 

            
            

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