Pelo o que pude perceber, a escola era enorme, com certeza eu me perderia facilmente - O local era bem iluminado, e logo no começo, existia uma recepção, o que me lembrou um hospital, um carpete velho estava bem à frente das cadeiras, por mais que fosse grande, o prédio escolar se encontrava todo acabado, sendo um bom ambiente para um filme de terror. Atrás do balcão se encontrava uma mulher alta e um pouco forte, ruiva e diria que no auge dos 46 anos, pela segunda vez em toda minha vida, eu finalmente encontrei alguém que combinava com o tom ruivo, diferente de mim que não combinada nadinha.
Me encarando fixamente com um semblante de espanto, ela finalmente quebrou o silêncio constrangedor do local.
- Posso ajudá-la?
- Meu nome é Ester Benjamin - Informei, até onde eu sabia eu era a única aluna nova.
Seus olhos brilharam no mesmo instante, ela sabia de mim, ela esperava por mim. Então, a filha pródiga finalmente retornou à sua casa.
- É claro que é você, você finalmente voltou, está uma moça! - Disse ela sorrindo e me surpreendendo. Eu não me lembrava dela - Aqui está o seu horário das aulas e o mapa da escola - Entregou-me e eu agradeci passando pela porta logo após a recepção.
Várias pessoas estavam no corredor entrando nas suas devidas salas, a minha era a 3B, não era nesse corredor, ficava virando à esquerda, mas no mapa não indicava qual, já que havia três corredores depois das primeiras salas. Eu já estava pensando em desistir e pedir ajuda a recepcionista, quando uma mão me tocou causando um enorme susto.
- Está perdida? - Perguntou-me um menino de olhos azuis e cabelo tingido de loiro.
- Sim, eu não sei qual o corredor do 3B - Admito frustrada, parecia tão fácil na teoria, que na prática me atrapalhei completamente.
- Vamos, sou dessa sala também. A propósito, meu nome é Natan - Apresentou-se estendendo a mão.
- Meu nome é Ester - Respondi apertando.
- Eu sei, todos da cidade sabem. Bem-vinda de volta à sua casa.
Eu não tive uma resposta, mas não me surpreendia, já que a cidade era bastante pequena e provavelmente todos cresceram juntos, o que não me deixava nem um pouco confortável.
Assim que entrei na sala, os alunos que estavam presentes me encararam, me deixando constrangida, pois naquele momento, a atenção estava voltada para mim. Me apresentei apenas para o professor Billy e segui para uma mesa vazia que se localizada no fundo da sala, algumas pessoas me olhavam e não faziam questão de disfarçar, joguei minha bolsa um pouco desajeitada na mesa e me sentei em seguida.
Eu não tinha visto mais o menino Williams desde o nosso encontro na floresta, eu ansiava encontrá-lo mais uma vez, porém eu não sabia quando esse dia ia chegar. Quando o sinal tocou, o som estremeceu meus ouvidos e os tampei rapidamente, eu odiava tudo o que tirava a minha paz. O som cessou, mas para a minha infelicidade, uma voz surgiu ao meu lado.
- Em que lugar você estava morando? - Perguntou uma menina de olhos castanhos puxado me olhando.
- Hum, eu estava morando em Lisboa. - Respondi sua pergunta sem ânimo algum.
- Que incrível, a cidade inteira sabe da sua volta e o quanto seu pai sofreu quando sua mãe foi embora com as duas filhas.
Era algo que normalmente eu costumava evitar de lembrar, mas as pessoas sempre insistiam nisso, a mesma coisa acontecia em Lisboa, a ruivinha dos pais separados. Dei de ombros com o seu comentário.
- O que te trouxe de volta para esse fim de mundo? - Indagou enquanto olhava as suas unhas.
- Razões pessoais. - Engoli seco.
- Interessante, meu nome é Kalina. - Ela sorriu.
- Meu nome é Ester.
O restante das aulas foi do mesmo jeito, dizendo para algumas pessoas que vieram perguntar o motivo pelo qual eu voltei depois de anos para a cidade, dizendo o meu nome e ouvindo de outros sobre o sofrimento do meu pai. Eu gaguejei, corei, tropecei pelas cadeiras ao passar para ir ao sanitário, um completo desastre, mas ninguém comentou nada, e por não falarem, fiquei feliz.
No final das aulas, eu comecei a reconhecer os rostos dos meus colegas da turma, mas nenhuma que despertasse a minha curiosidade como a dele. Davy Williams. E finalmente o sinal havia tocado, indicando o fim das aulas, eu não via a hora de chegar na minha casa para ter o meu descanso. Assim que a maioria se retirou da sala, Natan veio em minha direção e me olhou avaliativo.
- Não foi tão ruim, né? - Perguntou ele assim que me suspirei.
- Foi péssimo, é nessas horas que sinto saudades de Lisboa - Digo olhando para a porta e observando os jovens passar - De onde saiu tantos jovens, meu Deus! - Ele riu.
- Algumas pessoas da escola moram nas cidades vizinhas, quando não tem vaga nas escolas próximas, eles vêm para cá. - Explicou e eu entendi o motivo de uma cidade pequena ter tantos jovens.
- Compreendo, podemos ir? - O-chamei para me acompanhar.
O silêncio entre nós estava confortável, Natan não quebrou o contato visual enquanto passávamos pelo corredor. Logo chegamos à recepção, a mulher nos olhou com brilho nos olhos, até que Natan foi em sua direção.
- Até mais tarde, mãe. Cuidado - Depositou um beijo em sua cabeça. Ela é a sua mãe.
- Não se preocupe, eu terei - Disse para o filho - E como foi o seu primeiro dia de aula, querida? - Sua atenção voltou para mim.
- Bom, na medida do possível - Falei amigavelmente.
- Você vai se acostumar uma hora, é só questão de tempo. Agora vão que em breve choverá.
Nos despedimos da mais velha e seguimos o nosso caminho, a cada passo, o vento gelado batia na minha pele me causando calafrios e o Natan percebeu, e no mesmo instante ele me deu o seu moletom, um ato de cavalheirismo, eu admito.
- Você não vai ficar com frio?
- Não se preocupe comigo, eu aguento o frio.
Eu não estava me sentindo à vontade com o seu moletom, talvez ele estivesse com frio, mesmo negando para mim. Era impossível não sentir frio com a temperatura chegando em 15° graus. Para minha felicidade e alívio, em quinze minutos chegamos na minha casa. Tudo era perto, tanto as casas, como as mercearias e até mesmo a escola.
- Minha casa fica na rua de cima - Apontou Natan assim que chegamos na encruzilhada que separava as ruas.
- Obrigada por me acompanhar, toma o seu moletom - Tirei e o entreguei.
- Bom, então é isso, até amanhã novamente - Falou indo em direção à rua na qual ele disse que ficava a sua casa.
Destranquei a porta principal e novamente eu estava sozinha, subi direto para o quarto e relaxei um pouco, os afazeres me chamavam e mesmo querendo permanecer na cama o restante da tarde, reuni toda a minha coragem e tomei um banho breve. Minha barriga roncou assim que terminei de colocar as minhas roupas, alguém tinha que fazer o almoço. Preparei um frango frito e macarrão ao molho, cerca de uma hora depois, tudo estava pronto. Respirei fundo e subi para o meu quarto, divagando em pensamentos, sem perceber, pensei na cidade, cidade caótica. Minha curiosidade foi despertada quando novamente eu vejo alguém entrando na maldita floresta, e não parecia nada com o menino Davy, se a floresta era proibida, por que alguém insistia em ir lá?
O celular tocou fazendo um alto som, me causando um belo susto, mas por que eu não tinha deixado isso no silencioso? A mensagem que eu havia acabado de receber foi do meu pai, que me avisou que chegaria em breve para almoçar comigo, eu apenas visualizei e voltei para o andar de baixo para aguardar a sua chegada, tudo que eu queria era paz.
Estava passando um filme de terror aleatório na televisão quando eu jurei que alguém me observava, talvez fosse por causa do filme, eu tinha medo e insistia em assistir, meu coração já estava acelerado, a presença não saia e eu sentia como se ela se aproximasse cada vez mais, quando escuto a porta sendo aberta, não pude me conter e soltei um grito me virando para trás, apenas pude relaxar quando percebi que havia sido o meu pai que tinha passado pela porta.
- Eu sei que sou feio, mas não precisa disso tudo, Ester! - Repreendeu, fazendo uma cara de irritado.
- Você não é feio, é que eu senti alguém me observando, talvez seja o filme. - Relaxei assim que percebi que não tinha ninguém na casa além de mim e do meu pai.
- Não assista mais isso, não faz bem para ninguém! - Alertou-me
- Seu pedido é uma ordem chefe.
- Vamos almoçar que à noite teremos um jantar com um casal de amigos meu e o seu filho - Me disse tirando o seu colete.
- Jantaremos aqui? - Eu não estava preparada para fazer um jantar para cinco pessoas, preguiça, na verdade.
- Não, iremos ao restaurante que tem próximo daqui. - Avisou.
- Me surpreende esse fim de mundo ter um restaurante.
- Aqui não é só assassinato, também tem coisas interessantes. Como foi a aula hoje? - indagou ele.
- Bom, na medida do possível, parece que todo mundo me conhece.
- E realmente lhe conhecem, assim como a sua irmã e a sua mãe. A maioria das pessoas te viram nascer e crescer até um certo ponto. - Comentou e eu me surpreendi, pensei que minha mãe era uma mulher que ninguém via a face, mas pelo visto eu estava enganada.
- Agora está explicado.
- Bem, vamos comer.
Comemos no sofá assistindo o filme de terror, em vários momentos eu acabei engasgando o que fez meu pai bater nas minhas costas com mais força do que ele queria, o que o fez pedir desculpas diversas vezes, mas eu sabia que não havia sido por maldade, ele estava apenas tentando me ajudar.
Subi para o meu quarto depois que o filme acabou, e como o meu Aldo havia se oferecido para lavar a louça suja, pude finalmente descansar. A sensação de que alguém me observava ainda estava impregnada em mim, e algo me ligava à floresta, eu precisava ir lá, mesmo sabendo que era arriscado. Vesti uma roupa apropriada para o frio que fazia e calcei as minhas botas quentes e rapidamente desci para o andar de baixo encontrando o meu pai me olhando dos pés à cabeça.
- Posso saber aonde você vai? - Olhou-me confuso.
- Irei na casa de uma colega que conheci hoje, fica na rua de trás. - Menti. Eu estava começando a ficar boa nisso.
- Tudo bem, mas antes você pode ir ao mercado? - Perguntou olhando uma lista.
- Claro, mas eu não sei bem onde fica.
- A duas ruas daqui querida. Está faltando alguns produtos de higiene e carne, não tive tempo para comprar - Falou avaliando o papel em sua mão.
- Tudo bem, é essa a lista? - Indago.
- Sim, aqui está o cartão, a senha é 1315.
- Okay.
Saí de casa rapidamente, se eu tivesse sorte, poderia ir até à floresta sem que meu pai suspeitasse. Ao andar pela rua, pude ver algumas senhoras na varanda de suas casas, era tudo tão calmo que me causava calafrios, ao dobrar a esquina, pude conhecer um rosto familiar, Natan também estava naquela rua deserta.
- Vai aonde? - Perguntou assim que percebeu minha presença na rua vazia.
- Ao mercado, mesmo não sabendo bem onde fica.
- Vamos, também estou indo lá.
Não demoramos muito para chegar ao lugar, que assim como o resto da cidade, estava acabado. Assim que entramos, observei o lugar pequeno, e me surpreendi com a quantidade de coisas que tinha, tinha tudo o que você precisava para sobreviver, mas como o dono sobrevivia se o lugar estava vazio?
Olhei a lista e saí procurando pelos corredores com um carrinho, enquanto Natan tinha pegado a cesta azul e foi direto para a área do açougue. Era surpreendente como um supermercado aparentemente pequeno tinha de tudo, inclusive ferramentas, também pude ver alicates, e alguns materiais de construção, bolsas e algumas maquiagens.
Achei o corredor da área de higiene, peguei um pacote de papel higiênico que continha oito rolos, acho que seria o suficiente para pelo menos dois meses, também lixívia, ou água sanitária como já ouvi outras pessoas chamarem, alguns sabonetes e por fim, sabão em pó e desinfetante, com isso, terminei a área de higiene.
Depois fui para as carnes, comprei bife, frango, ovos e as últimas coisas que estavam na lista ficava na área que estavam as massas e biscoitos. Avistei uma marca de cereal que estava na lista, bem no alto da prateleira e pegar foi totalmente em vão, mesmo ficando na ponta do pé. Continuei me esforçando, eu não era de desistir facilmente, quando uma mão me atrapalhou pegando o cereal que eu queria, a colocando na sua cesta, talvez a minha raiva na hora fosse pura implicância, já que havia várias outras da mesma marca na prateleira, mas eu tinha tentado pegar aquela caixa primeiro e eu não deixaria barato.
Assim que olhei para o lado me deparei novamente com aqueles olhos castanhos, no qual tinha um sorriso ousado no rosto, os olhos que desejei ver nas últimas horas.
- Davy, você não viu que eu estava tentando pegar essa caixa? - Exclamei um pouco alto e o garoto me olhou surpreso ainda sorrindo.
- Boa tarde, Ester. Mas que falta de educação! Sua mãe não te ensinou a respeitar os mais velhos? - Debochou da minha falta de paciência.
- Apenas os que merecem, Davy.
- Não sou merecedor de sua gentileza, querida? - Foi irônico.
- E você deseja ser? - Indago da mesma forma. Ele balança a cabeça negativamente. Ele estava tentando me provocar.
- Essa caixa de cereal é sua? - Mudou de assunto e pegou a caixa da cesta, balançando enquanto me mostrava.
- Não, eu estava tentando pegar outra que estava atrás dela, acredita? - Digo cruzando os braços e ele riu.
- Acho que minha visão anda ruim, por um momento jurei que você estava tentando pegar essa. Primeira vez que me engano sobre algo - Se fez inocente, por um milésimo segundo, olhei para a sua cesta e pude ver correntes grossas e querosene, seu semblante mudou, e logo tirei os olhos da cesta.
- É, você precisa usar um óculos para não se enganar mais. - Vou para outra prateleira e ele colocou a caixa na minha cesta.
- Eu pego outra pra mim - Ele riu.
- Muito obrigada pela sua generosidade, senhor Williams! - Rebati irônica.
A lista continha biscoitos, o que não tinha marca e nem sabor, mas tinha a quantidade de pacotes que eu deveria comprar, cinco pacote de biscoito diferente, entre eles eu comprei rosquinha de chocolate e leite, sequilhos, biscoito de polvilho, e por último wefer. Eu estava ajeitando o carrinho quando de repente o Natan chega, me causando um pequeno susto, o que fez Davy franzir o cenho e não foi diferente com o Natan
- Você já acabou? Podemos ir? - Perguntou enquanto encarava Davy.
- Claro, vamos sim. - Falei caminhando. - Tchau Davy, até na escola. - Sorri para ele que apenas retribuiu balançando a cabeça e seguiu direção contrária da minha. Ele era estranho, bipolar eu diria.
Senti o incômodo vindo do Natan, ele estava calado, mas querendo falar alguma coisa, mas pelo visto não sabia como.
- Aconteceu alguma coisa? Você está bem? - Perguntei preocupada.
- Você brincou comigo quando falou com aquele cara, fala sério Ester. - Franziu o cenho se chacoalhando.
- E qual o problema? - perguntei confusa enquanto caminhávamos para o único caixa que tinha no lugar.
- Ele é louco, matou a própria família e ocultou todas as provas, eu não suporto esse cara, fique longe dele. Você já ouviu a história? - Perguntou.
- Ouvi, e até onde eu sei são apenas suposições, não tem nenhuma prova concreta de que tenha sido ele. - Rebati.
- E quem seria Ester? Desde que a família dele morreu, mortes acontecem na cidade e corpos são encontrados na floresta, e adivinha qual casa fica mais perto? Isso, a dele - Falou como se tivesse ganhado na loteria ou descoberto algo histórico.
- Não me importo, ele não parece ser uma pessoa ruim, mas apenas uma pessoa que está pagando por algo que não cometeu, até porque se ele realmente fosse ruim, e realmente fosse o assassino dessas pessoas mortas, ele teria me matado no dia em que me encontrou perdida na floresta. - Comentei e dei de ombros.
- De todo jeito, tudo o que acontece de ruim na cidade é culpa dele.
Fiquei desconfortável, e o cheiro do perfume me deu calafrios, assim que olhei para trás, percebi que o Davy estava bem atrás de nós, escutando toda a nossa conversa, olhando para baixo com o maxilar travado. Me senti mal na mesma hora, ele escutava calado enquanto não fazia nem questão de se defender. Natan percebendo a sua presença, gaguejou algo inaudível para mim. Davy finalmente levantou a cabeça, e os seus olhos encontraram os meus me causando arrepios.
- É a vez de vocês. - Suas palavras saíram brutas, me causando uma pequena tristeza e desconforto, passei as minhas compras e em seguida o cartão de crédito, e segui para casa sem ao menos esperar pelo Natan.
Eu não sabia o que pensar, eu estava me sentindo mal por algo que eu não havia dito, eu tinha o defendido, certo? Eu sabia como era a sensação de ter alguém falando mal de você por tudo que é canto de onde você passa, principalmente quando era da sua própria família. Meus passos eram apressados, eu só queria ir para a minha casa e esquecer tudo que aconteceu agora pouco.
Toda a sensação ruim que eu estava sentindo passou assim que cheguei em casa e tive uma visão engraçada do meu pai. Ele estava jogado no sofá, numa posição totalmente desconfortável para quem tinha problemas de coluna.
- Eu estava tão bem aqui que não percebi a sua presença - Informou ele.
- Hum, tudo bem. Pode voltar então.
- Aconteceu alguma coisa com você? - Perguntou-me enquanto tirava as coisas da sacola plástica.
- Não, pai. Vou para o meu quarto, lembrei que tenho uma atividade para fazer - Eu menti, mas de certa forma era verdade, já que faltava apenas uma questão do exercício de matemática.
- E a casa da sua colega? Desistiu de ir?
- Encontrei ela no meio do caminho de volta para casa e decidimos que amanhã nos veremos na escola.
- Então tudo bem, descanse que quando estiver perto do jantar chamarei você, essa roupa já está boa para ir.
- Okay, vou subir para o meu quarto.
Eu conseguia ver a neblina pela janela do meu quarto, era possível que caísse uma chuva nesta noite, mas no momento eu só me perguntava o que o menino Davy fazia com correntes e querosene em sua cesta. Peguei um dos livros que estava na minha prateleira logo acima da minha cama para me distrair e passar o tempo, eu achava uma perda de tempo sair para um jantar, mas também via como um lado positivo, eu não iria precisar cozinhar, todo mundo sabia da minha volta a cidade, eu me perguntava se o meu pai realmente só queria me apresentar aos seus amigos e filho.
O horário passou depressa, e quando percebi, o meu pai já estava batendo em minha porta me chamando para ir, eu estava limpa e achei melhor tomar um banho quando voltasse do nosso pequeno jantar. Meu pai vestia uma camisa polo preta e uma calça da mesma cor, enquanto eu, um suéter folgado na cor bege e uma calça preta, eu me sentia confortável com roupas maiores do que eu.
O restaurante era pequeno e ao lado tinha também um bar, que não estava muito movimentado. O restaurante era um lugar agradável para ficar. Quando estávamos perto da mesa dei de caras com um rapaz que estava na mesma turma que eu, e eu não tinha ido muito com a cara dele, talvez seja porque eu não o conheço.
- Pessoal, essa é a minha garotinha - Anunciou o meu pai assim que sentamos na mesa.
- É um prazer te conhecer, querida! - Disse a mulher com cabelos castanhos médios, e os olhos castanhos claros.
- O prazer é meu, senhora.
- Catarina querida, esse é meu marido, Carlos, e esse é o meu filho Pietro - Disse enquanto mostrava com as mãos e eu os cumprimentei.
- Somos da mesma turma mãe, - O garoto loiro sardento e com óculos de garrafa se pronunciou. Ele tinha um porte atlético, alto, e pelo o que percebi, ele era popular entre as meninas da escola. Dele eu queria distância.
- Que bom, espero que possam ser amigos - Sugeriu o meu pai.
- É, espero que sim - Eu disse fazendo pouco caso.
Os pedidos foram feitos e em menos de quinze minutos haviam chegado. Tive que aguentar os olhares de Pietro, que eu tinha certeza de que daria em cima de mim assim que o meu pai não estivesse prestando atenção. A conversa dos adultos estava animada, vez ou outra, também ri com as piadas que o senhor Carlos fazia, tudo estava tranquilo e calmo, até que o celular de ambos os homens tocou.
Meu coração disparou de uma maneira inexplicável, meu pai não aparentava estar bem, e o senhor Carlos também não, e por serem policiais, eu entendi o que estava acontecendo.
- Deus! - Meu pai suspirou desacreditado - Ela só tinha quinze anos! - Lamentou o meu pai.
- O que houve, pai? - Indaguei sentindo ânsia de vômito vir.
- Angeline Lockwood foi encontrada morta amarrada por correntes, com sinais de abusos e com 70% do corpo queimado - Disse com maior naturalidade, então as cenas de Davy vieram à mente.
Não consegui segurar, coloquei a mão na minha boca e corri para o lado de fora, e tudo o que eu comi, havia voltado. Eu não conseguia imaginar a cena, e muito menos em Davy fazendo-a, mas eu tinha o visto pela tarde, e as breves descrições que meu pai havia dito, de certa forma batia com o que Davy havia comprado.
- Querida, você está bem? - Meu pai alisou minhas costas enquanto eu terminava de colocar para fora tudo o que eu havia comido.
- Acho que preciso ir para casa! - Pedi.
- Preciso cobrir a área do crime até que a perícia chegue - Disse.
- Posso ficar com ela e o meu filho em sua casa Aldo, até que vocês terminem. - Ofereceu Catarina.
Meu pai não a respondeu de imediato, portanto, eu não sabia o que ele estava pensando, mas eu não queria ir com ele e ter que presenciar toda a cena até a chegada da perícia. Foi então que ele respondeu concordando. Por sorte, eu não estava suja e nem fedendo, mas por outro lado, tinha Pietro, que viu toda a cena.
- Vamos querida! - Chamou o meu pai. Olhei para Pietro e ele não tinha expressão alguma, apenas acompanhou seus pais até o carro.
Entrei no carro patrulha do meu pai e seguimos direto para casa, não demorou muito para que chegássemos, Catarina e Pietro saíram do carro, e não esperei por eles, peguei a minha chave, abri a porta e fui direto para o meu quarto. Um turbilhão de coisas passava pela minha mente, Davy não poderia estar envolvido, poderia? Fui direto para o banheiro, a água morna relaxou todo o meu corpo de uma maneira inexplicável. Por mim, eu poderia morar facilmente na água morna.
Não sei quanto tempo passei no banheiro, mas quando eu saí, fui direto para a sala e encontrei Catarina com Pietro assistindo a matéria do jornal local que estava cobrindo o caso da menina que havia sido morta. Catarina me olhou com os olhos tristes, era provável de que ela conhecia a menina.
- É uma pena que isso tenha acontecido com ela, espero que o culpado seja pego! - Digo.
- O culpado todos sabem quem é, mas ninguém encontra provas o suficiente para prendê-lo. - Pietro rebate, e eu entendi a quem ele se referia, era ao menino Williams, e logo a ânsia voltou.
- Acho que essas informações estão sendo muito pesadas para você, Ester. Por que não vai descansar, querida? - Catarina sugeriu.
- A senhora tem razão, se me der licença, voltarei para o meu quarto. - A cumprimentei com a cabeça.
Tudo aquilo, todas as informações que eu tinha ''recebido'', estavam fazendo minha cabeça doer. A cada segundo em que eu passava em Viseu, fazia-me querer voltar para a casa da minha mãe. Fui para a cozinha beber um pouco de água, e encarando pela janela a escuridão da noite, uma sombra me fez temer o pior.
Eu sabia que não era imaginação minha, tinha alguém me observando, e pela primeira vez depois de muito tempo eu estava com medo. Eu não queria ser a próxima. A sede passou, minhas pernas ficaram bambas, reuni toda a minha coragem e me movimentei. O clima caótico e minha curiosidade me fariam ser a próxima vítima dessa cidade.
Retornei para o meu quarto com medo. Medo de ser a próxima, medo das especulações serem verdadeiras, medo de Davy Williams ser quem de fato dizem. Algo nele atraía a minha atenção, e eu não queria acreditar no que todos diziam ao seu respeito. Minha mãe sempre me aconselhou a ouvir o outro lado da história, mas e se ambos os lados tiverem a mesma versão? E novamente, pela primeira vez, eu não gostaria de ouvir o outro lado da história.
A cama não parecia macia e os travesseiros não estavam leves, fechei os meus olhos e desejei que tudo não passasse de um sonho ou uma brincadeira. Mas a realidade estava na minha frente e deveria eu aceitá-la.