Agora, não haveria mais o apoio cibernético inicial para continuidade e Jack se amparou num antigo contato virtual que tinha adquirido ao longo dos anos. Chris foi o melhor amigo de Jack na escola por quase um ano. Eles se separaram, por conta de uma readequação na empresa onde o pai de Chris trabalhava, que fez eles mudarem de Estado. Porém, mantiveram contato frequente e, mesmo com o avançar da idade, continuaram amigos, sempre conversando sobre os mais diversos assuntos. Passaram pelas mais diversas fases dos meios de comunicação.
Lembrando que Chris morava próximo da fronteira para a antepenúltima barricada, que foi alguém que permaneceu ali, sob a condição de cumprir uma série de regras, resolveu perguntar se ele sabia um bom plano para ultrapassar a barreira.
- Se você conseguir chegar até aqui, posso conseguir para você um atestado para transposição visceral - Foi o que Chris disse para ele.
- E o que seria isso? - Jack perguntou.
- É uma autorização de acesso para quem mora do lado de cá mas teve algum tipo de experiência e vínculo territorial com o lado de lá do muro. Quando foram levantadas essas divisórias, não foi levado em consideração nada de social. Houveram pais que ficaram de um lado e filhos do outro, se morassem em pontas opostas da cidade. Apesar dos programas de aproximação, que prometiam unir todos os familiares em locais maiores e melhores, mas em lugares bem distantes dali, muitos justificaram apego afetivo às propriedades para não saírem. As empresas acabaram criando essa brecha que era uma espécie de visto temporário para entrada, mas tinha um prazo de validade.
Ele morava realmente perto da passagem da divisa. Quando chegaram, estranharam por haver pouca gente. Apesar da região ser muito menos movimentada do que eles estavam acostumados, aquela comunidade em específico parecia praticamente abandonada.
- Meu amigo, nem acredito que ainda consigo te reconhecer - disse Chris ao encontrar Jack.
- Eu, por outro lado, não te reconheceria, como você está diferente - Jack respondeu.
Eles riram e se abraçaram. Apresentou seus companheiros de viagem, que o cumprimentaram.
- Minha nossa, que máquina é essa? - Chris correu ao ver o carro adquirido por Jack. - Não posso acreditar, a última versão produzida desse modelo. Aqui na região, só o antigo prefeito de Springfield tinha um, uma verdadeira relíquia. Nunca nem tinha visto outro. Como você...? Não me diga que...? Não é possível que você comprou dele.
Jack fez que sim com a cabeça e Chris quase teve uma síncope.
- Você quer dirigir? Pode atravessar com a gente... Só não vai conseguir voltar depois - Jack propôs e Stewart fez cara feia por não ter sido autorizado a experimentar a direção do carro ainda.
- Ah isso não é problema. Você viu como está tudo vazio por aqui? O pessoal foi passar o feriado do lado de lá do muro. Depois eu posso voltar com alguém. Tudo é melhor lá, apesar de sermos considerados invasores, ainda assim, as condições, as ferramentas tecnológicas, são muito melhores. Bem que gostaríamos de viver lá. Mas só por não precisarmos pagar para atravessar, já estamos no lucro.
- Realmente. Nas outras duas passagens até aqui, mesmo com autorização, já paguei uma fortuna para passar pelos pedágios.
- Depois das revoltas aqui na região, as empresas acharam que seria a melhor alternativa. Pra falar bem da verdade, dentre os manifestantes havia uma ex-namorada de um dos diretores da High A, que também já tinha tido acesso à informações confidenciais da Big M. Como ela se manteve sempre cercada de muita gente, o que dificultava desaparecerem com ela sem chamar a atenção, resolveram ceder, já que a causa não parecia muito complexa e o acordo não pode ser divulgado para outras comunidades. Oficialmente, esse programa faz parte de um fornecimento de serviços. - Jack não se surpreendia com os fatos contados por Chris. Ele já estava acostumado que todo tipo de negociação era possível nesse mundo político corporativo.
- E você conseguiu os documentos? - Jack perguntou e Chris pegou alguns papéis que estavam sobre a mesa.
- Você sabe que algo é difícil de se conseguir quando é exigido que ele seja em papel. Engraçado que eles usam a band para verificar a autenticidade do documento. - Chris criticou ironizando. - Mas está aqui. Para os três nomes que você me passou. - Ele entregou para Jack. - Você vai me deixar dirigir mesmo?
- Se me garantir que ao vai bater esse carro - Jack respondeu.
- Apesar de não dirigir a muito tempo, sou muito bom motorista. E tem outra coisa também, quem consegue bater um carro seguro como esse? - Chris já estava se sentando no banco do motorista. Apertou o botão de ignição e teve uma sensação de extremo prazer ao ouvir o suave barulho de funcionamento do veículo.
Todos embarcaram e foram para a travessia. Tudo muito fácil. A documentação apresentada não gerou sequer perguntas.
- Como você pretende passar da próxima barricada? - Chris perguntou. - A autorização de transposição visceral é apenas para um pequeno espaço. Se você for até a outra passagem, pensando em adentrar na região 2, vocês poderão ser presos.
- Para essa passagem minha reserva financeira é muito grande. Pelo que apurei, a fiscalização, por incrível que pareça é menor, lá. Eles se intimidam facilmente com a demonstração de poder. Já houveram casos de desaparecimento de funcionários de controle por perguntarem para os poderosos quem eram e o que faziam. Vou procurar nos transformar em pessoas realmente poderosas e influentes. Um pouco de teatro e uma pitada de improviso. - Jack contou o que estava pensando.
- Esse era seu plano? - Stewart ficou perplexo. - Até aqui você ia tão bem, agora você me vem com uma dessa? Você sabe que se eu abrir a boca, na intenção de mentir, vou gaguejar a mesma sílaba até amanhã.
- Por isso mesmo você será o grande empresário, diretor. Nem abrirá a boca para falar - Jack explicou.
- Olha, boa sorte para vocês. Espero de verdade que seu plano de certo, mas não acredito que você terá sucesso, Jack. - Chris não pareceu oferecer muito otimismo.
- Deixa comigo! - Jack pelo contrário, parecia ter todo o cenário na mente.
- Mal posso imaginar o que ele pensa fazer para passar pela última barreira de Nebraska. - Carol finalizou dando também sua opinião, mas não se demonstrando contra a tentativa de execução da estratégia.