- Nathy, eu deveria estar estudando para a minha prova de
Constitucional! - tento arrumar uma desculpa, mas, ainda que ambas
estudemos Direito, ela não se atenta muito com as notas como eu. Ela estala a
língua e revira os olhos, ignorando as minhas palavras.
Além de ser minha melhor amiga, Nathy divide o apartamento comigo,
e por mais que sejamos totalmente diferentes e nos irritemos uma com a outra
de vez em quando, nos amamos como irmãs.
- Você prometeu que iria nessa festa comigo. Deixe de ser CDF pelo
menos um dia! Suas notas são sempre ótimas. E tem uma coisa, acha que não
sei que essa prova só será na próxima semana?!
- É... - fico sem graça, pega no flagra. - Mas eu gosto de estudar
com antecedência... - digo sem jeito, sabendo que estou ficando sem
argumentos.
- E outra coisa, a mais importante: você me PROMETEU! Então
termine de se arrumar logo que o pessoal já está nos esperando – ela
completa e aponta para o meu quarto, como se fosse uma mãe a me dar
ordens.
Olho para baixo, para as roupas que estou vestindo, sem entender.
- Mas eu já estou pronta!
- Ah não! Você não vai sair desse jeito comigo nunquinha! Nathy
agarra a minha mão e sai me arrastando pelo quarto. Abre o closet, jogando
várias roupas sobre a cama. Olho horrorizada para as peças que ela escolheu.
Com certeza estavam faltando alguns metros de pano por ali.
- Esses aqui vão ficar perfeitos em você! Troque logo essa roupa sem
graça. Estou te esperando na sala.
Seguro a minissaia jeans e o top preto nas mãos, imaginando se daria
muito na cara se, naquele instante, eu fingisse que estava passando mal...
Talvez de uma doença instantânea e contagiosa...
- E solte esses cabelos! - ela grita da sala. - Não entendo por que
você vive prendendo eles desse jeito, são lindos!
Reviro os olhos antes de retirar a minha calça jeans e a camiseta
cropped do corpo. Visto a minissaia e o top preto com relutância, sentindo-
me muito exposta e totalmente diferente do que sou. Não tenho medo de
mostrar um pouco de pele, mas aquilo já beirava a periguetice e, para piorar,
eu não fui abençoada com um corpão como a minha amiga.
Só estou fazendo isso porque, como Nathy jogou na minha cara há
instantes atrás, eu havia prometido. Estava bêbada quando fiz a promessa,
mas ainda assim eu dei minha palavra...
- Satisfeita? - Adentro a sala do nosso minúsculo apartamento
estudantil, dando uma voltinha, sem graça e me sentindo um pouco ridícula.
Ela sorri, aparentemente satisfeita. Porém, quando seus olhos pousam
no meu rosto, ela enruga o nariz. Nathy se aproxima de mim com um olhar
determinado. O que será que está acontecendo? Fico até com medo e dou um
passo para trás, mas ela me alcança. Liberta as minhas longas mechas loiras
da trança e me bagunça os cabelos. Eu quase tenho um ataque de fúria com
esse gesto, porém ela não me dá nem tempo para respirar. Antes que eu
reclame, sou jogada no sofá.
- Fique quieta que eu vou dar um jeito nessa sua carinha de boneca.
Sinto as cerdas do rímel passando pelos meus cílios repetidas vezes, o
pincel do blush contornando as maçãs do meu rosto e, por fim, o gloss
besuntar os meus lábios.
- Está gata demais! Agora sim está pronta pra a balada.
Reviro os olhos, achando que ela está exagerando. Ela me leva até o
banheiro, e quando vejo o meu reflexo no espelho fico pasma.
Essa sou eu?
Meu rosto, que antes aparentava ser tão delicado como o de uma
boneca de porcelana, agora parece mais maduro e bem sensual. Caramba, eu
estou incrível!
- Vamos! - Nathy me desperta do meu momento narcisista. Sorvo
uma grande lufada de ar e a solto lentamente pela boca, embaçando o
espelho, antes de seguir minha amiga porta afora.
***
- Minha prima me contou que largou o emprego só para fazer isso!
Estava dando mais dinheiro do que o salário de merda dela. - Kate gesticula
animadamente enquanto fala. Tento me afastar um pouco para não ser alvo
do líquido que beira em seu copo, prestes a ser derramado.
Escuto a conversa dos meus amigos quieta, enquanto beberico a minha
cerveja. A música alta, o burburinho e os gritos de vitória das pessoas
jogando bilhar na ampla sala abafavam as nossas vozes. Por isso não fico tão
constrangida com o tópico da vez, já que ninguém fora do círculo consegue
escutar.
Meus olhos fazem uma varredura no ambiente, estamos em um canto
da sala de TV do casarão, minhas costas estão apoiadas na parede cor de
creme que se estende por toda a casa. Daqui consigo ver o centro do aposento
onde se encontram quatro sofás marrons em corino assentados em um
semicírculo em frente à tela plana. Ninguém parece estar assistindo à partida
de football, os assentos estão ocupados por um grupo de pessoas rindo e
conversando enquanto bebem e alguns casais com as línguas enfiadas nas
gargantas de seus respectivos parceiros.
- Deixa eu ver se entendi direito... A sua prima se prostitui? -
Michael pergunta, curioso. Giro minha cabeça bruscamente ao voltar minha
atenção para o meu amigo.
- Não! Não é se prostituir! Ela não dorme com ninguém... Ela só faz
shows virtuais. É como se fosse... É como se fosse strip-tease, mas ela vai
além de tirar a roupa, sabe? Usa brinquedinhos e tal.
- Caraca! E isso dá certo?! - Nathy parece mais interessada do que
deveria. Quando percebe isso, tenta disfarçar: - Quero dizer, como ela sabe
que vai ganhar o dinheiro se é virtual?
- Então, pelo que entendi o site é bem organizado e confiável. As
pessoas que assistem aos shows compram créditos, e os gastam em forma de
gorjeta toda vez que gostam do show. Se quiserem fazer algum pedido
especial, elas pagam a modelo usando os créditos e ela recebe o dinheiro na
conta!
- Não sei se eu teria coragem de fazer algo assim... Usar o meu corpo
em troca de dinheiro? E se algum cara me pagasse e pedisse algo que eu
considerasse nojento? - Nathy diz, fingindo se arrepiar de nojo.
- Amiga, você é a dona do show. Ninguém te obriga a fazer nada!
Tem até como você colocar uma espécie de menu, com as coisas que faz e as
que não, sem perigo algum... Sabe, eu estava pensando em fazer também,
mas tenho medo que alguém me reconheça - confessa.
- O que você acha, Candice? Quase me engasgo com a cerveja e
encaro Nathy, com vontade de dar uns tapas naquela carinha linda dela. Ela
sabe muito bem que sou envergonhada demais para falar desses assuntos...
Bom, deixa eu me explicar. Não sou nenhuma santa, que isso fique
bem claro. Já tive um namorado sério e saí com alguns homens. Mas não me
sinto à vontade para falar de certas coisas.
- Se ela não se importa em usar sua imagem como instrumento de
trabalho, nem de que algum dia alguém poderá reconhecê-la, manchando para
sempre seu futuro e ferrando com sua vida... Então, que ela seja feliz.
- Nossa, Candice! Você é muito dramática.
- Sou realista. - Encolho os ombros e volto a beber o conteúdo do
meu copo de papel.
Meu celular começa a vibrar no bolso da saia. As únicas pessoas que
têm meu número são os meus amigos, que por sinal estão todos aqui, e meu
pai. Saio correndo até o lado de fora da fraternidade, fugindo do barulho e
atendo.
- Alô? - minha voz soa um pouco sem fôlego.
- Senhorita Greece?
Não sei o porquê, mas a voz feminina e sóbria no outro lado da linha
me faz arrepiar.
- Sim... sou eu.
- Estamos ligando pois a senhorita é o contato de emergência do
senhor Thomas Greece...
Sinto o meu sangue gelar e meu coração bater erraticamente. A
pressão nos meus ouvidos é ensurdecedora, mas eu faço uma força e tento
entender o que a mulher está falando.
- ... Sofreu ataque cardíaco essa noite e está hospitalizado. Seu estado
é grave. Conseguimos estabilizá-lo, mas ele precisa de tratamento e se não
houver melhoras, uma cirurgia será necessária.
Meus olhos se enchem de lágrimas e minha garganta se fecha.
Imaginar o meu pai sozinho numa maca de hospital me sufoca de dor.
- Onde ele está? Eu estou a caminho, só me diga... por favor... me
diga que ele está bem.
- Como eu disse, ele está estável agora, mas sua condição não é das
melhores. Seu pai precisa de tratamento, mas infelizmente não podemos fazer
muita coisa, pois o plano de saúde não cobre...
Minha náusea piora e me dobro com ânsia de vômito, ainda com o
celular colado na orelha.
O que posso fazer? Meu pai é a única família que tenho.
- Eu... eu vou dar um jeito. Estou indo para o hospital.
Anoto tudo e só após encerrar a ligação, me permito vomitar na grama.
As pessoas que passam por mim me olham enojadas, provavelmente achando
que estou caindo de bêbada. Lágrimas escorrem quentes por meu rosto e mal
consigo respirar com a dor pesando no peito, mas ergo a cabeça e me levanto
com as pernas trêmulas. Limpo minha boca rudemente com as costas da mão
e vou andando para o meu apartamento, à poucas quadras de onde está
rolando a festa, mas ainda assim longe para uma caminhada.
Corro pela rua escura com as calçadas ladeadas por árvores, sempre
tive medo de me aventurar pelo campus à noite e sozinha, mas eu estou tão
nervosa que mal penso na possibilidade de ser atacada. Chegando em casa a
primeira coisa que faço é trocar de roupa. Não posso aparecer lá vestida dessa
forma!
Com minha bolsa à tira colo eu busco por meus documentos e o meu
cartão contendo todo o dinheiro que eu havia guardado nos últimos meses na
poupança. Quando enfim acho que tenho tudo em mãos eu respiro fundo e
tento raciocinar.
A cidade onde eu fui criada fica a três horas da faculdade onde estudo.
Pego as chaves do carro da Nathy em cima do balcão da cozinha sem nem
pensar duas vezes e vou embora às pressas. Minha amiga deve me perdoar
quando souber o motivo do sumiço do seu precioso carro. Ou pelo menos,
assim espero.