Katherine respondeu, concordando com a mais nova, olhando um pouco ao seu redor:
– Muito! Pensei que dormiria o dia todo. Mamãe já estava preocupada com você.
Ami sorriu, um pouco chateada, respondendo com tom de vergonha na voz:
– Me desculpe, não quis incomodá-la.
– Não se aborreça, irmã. Mamãe sabe que você enjoa em viagens longas.
– Katherine?
– Sim, Ami?
– Por que ainda está assim? Aconteceu algo?
Perguntou a garota assustada ao perceber as roupas de sua irmã que, ao menos na presença dela, retirava a máscara do rosto e a capa. Katherine era apenas cinco anos mais velha do que Ami, e sempre cuidava e protegia a irmã caçula desde seu nascimento, quase nunca a deixava sozinha, desde que nasceu.
As duas irmãs aparentemente tinham temperamentos bem distintos. Ami, a jovem alegre, curiosa, gentil, às vezes, um pouco manhosa e mimada, principalmente, quando queria algo. Já Katherine aparentava uma personalidade típica de um general, fria, introspectiva, quase nunca permitia que vissem seu rosto, aquela era uma imposição de seu pai que temia que a beleza da garota a impedisse de liderar os exércitos do reino. Apenas quando as princesas estavam sozinhas, Katherine se permitia deixar sua natureza doce e sensível transparecer, afinal Ami não era só sua irmã, era a única e melhor amiga que ela possuía.
Katherine suspirou um pouco chateada e disse:
– Ordens de nosso pai.
– Por que, irmã?
– Não entendi ainda o que ele pretende, por enquanto devo permanecer pronta para partir.
– Onde estão suas crianças?
Disse Ami, levantando-se de um salto, ajoelhando-se próxima à irmã, quando o assunto eram os dragões Ami se transformava quase em uma criança, embora os mesmos não a obedecessem, ela os adorava.
– Se alimentando. Você conhece os dragões, gostam de explorar novos locais. Só espero que Grinning Demon não derrube o telhado do castelo.
– Por que irmã? Não me diga...
– Sim, digo que ele está dormindo confortavelmente sobre nossas cabeças.
Ami riu muito da situação, era um costume daquele dragão dormir no telhado como se fosse um gatinho deitado sobre uma almofada. A jovem princesa se levantou de perto da irmã em outro pulo já questionando, animada:
– Já viu o príncipe?
– Já sim, irmãzinha.
– Como ele é?
– Normal, eu acho.
– Você sequer prestou atenção.
– Exatamente! Nosso pai não nos apresentou.
– Vamos explorar o castelo?
– Irmã, não acha inconveniente? Youkai podem ficar agressivos se sentirem incomodados.
– Não seja boba. Venha comigo, nada de mal me acontecerá se estiver comigo.
Diz Ami, arrastando a irmã pela mão. A menina sabia que a irmã jamais lhe diria não, a princesinha saiu pela porta do quarto, acompanhada de sua irmã, que mesmo não estando muito de acordo, a seguia em silêncio, observando tudo ao seu redor um pouco distante da mais nova, tão curiosa quanto a mesma.
Andaram por todo o segundo andar. Entraram em todas as portas que estavam abertas, na maioria, quartos vazios. Desceram a escadaria para o primeiro andar, onde Ami ficou encantada com o enorme salão de festas do castelo. A menina fingia valsar enquanto gargalhava, sob o olhar cuidadoso e carinhoso da irmã. Andaram pela biblioteca, cozinha, sala de jantar, não havia um cômodo que a princesa curiosa não houvesse percebido, entrado e causado certo alvoroço nos empregados que trabalhavam naquele local. Katherine deixava os youkai apreensivos com sua presença.
Ami não percebeu a distância de Katherine, que estava tentando ajudar a recolher uma bandeja que uma das servas, ao se assustar com sua presença, deixou cair. A jovem princesa se deteve em frente a uma grande porta de madeira próxima à biblioteca. Estava fechada e parecia um local muito sério, aproveitando a distância de Katherine, Ami não se conteve, empurrou a porta o mais silenciosamente possível e entrou.
Estava impressionada com o tamanho daquele cômodo, com o belo tapete ricamente decorado em tons de vermelho, dourado e negro, com suas grandes janelas, com os móveis de acabamento impecável, que não percebeu a presença de alguém dentro dessa sala. Quando se aproximou da estante atrás de uma grande mesa de carvalho, escutou:
– Você sabe ler em japonês, criança?
Respondeu, sem prestar atenção, estava fascinada com um livro de capa verde que contava a história de um dos heróis do clã Inu youkai:
– Sim, meu pai...
Foi então que se deu conta, não conhecia aquela voz masculina e imperativa que lhe falava amavelmente. A garota se virou lentamente em direção à porta, de onde vinha aquela voz, ficou paralisada olhando. Era ninguém menos que Takeo, naquele momento, estava mais surpreso do que a jovem, afinal a garota havia entrado em seu escritório de forma sorrateira, se não fosse um youkai, não a teria percebido.
Afinal, nunca em sua longa vida, imaginou que estaria em seu escritório e uma menina humana entraria pela porta para analisar o local. O rei permanecia parado, encostado na parede próxima à porta, olhando para a garota. Ela estava em silêncio, olhando o grande homem de cabelos prateados e olhos dourados a sua frente, então ele disse:
– Procurava algo?
Ela nada conseguiu dizer, suas mãos tremiam ainda segurando o livro, estava apavorada. Ami jamais havia visto um youkai, lembrou-se de todas as histórias horríveis que a mãe havia contado na infância e agora tinha certeza que seria morta naquele local por aquele monstro. Sem obter resposta, o rei se aproximou alguns passos, já preocupado:
– Você está bem, criança?
A garota vendo-o se aproximar, não teve outra reação a não ser gritar, apavorada, o que fez Katherine entrar na sala correndo quase derrubando a porta seguida por seus pais, os dois príncipes Inu juntamente com a rainha e Seidy e Ren. Ao se deparar com a cena de Ami tentando se esconder atrás da mesa e Takeo observando a todos completamente sem jeito com a situação, Hideki caiu na gargalhada, aproximando-se da menina, dizendo:
– Ami, por favor! O que houve, minha filha?
A garota se abraçou ao pai, apavorada:
– Um... Um...
– Um youkai? Minha filha, esse é meu amigo, o rei Takeo, e ele é um Inu youkai. Perdoe-me, meu amigo, minha filha nunca havia visto um youkai, acho que ficou um pouco surpresa.
– Um pouco?
Pergunta o youkai, ainda assustado com a reação da futura nora e com a potência de seus gritos, enquanto Hideki e Takara riam da situação toda. Seidy e Ren saíram da sala ao ver que se tratava apenas de um mal-entendido. Passado o susto até Takeo riu um pouco, Kanji olhou para todos ao seu redor, achando a situação constrangedora e rosnou:
– Que humana patética.
– Kanji!
Disse Takeo em severo tom de reprovação, olhando-o de sobre o ombro. Hideki tentando acalmar os ânimos, propôs:
– Deixe-me apresentá-lo às minhas filhas.
– Essa é a princesa Ami, minha filha mais nova. Filha, esse é o grande rei do Clã Inu youkai, Takeo.
A menina se aproximou envergonhada com o incidente que havia protagonizado há alguns instantes, fez uma reverência, a mais respeitosa e graciosa possível para aquela situação, dizendo em tom baixo e humilde:
– Perdoe-me, majestade, não tive intenção de ofendê-lo.
– Não me ofendeu. Eu a assustei.
Ele sorriu, segurando uma das mãos da menina, enquanto Takara se aproximava, sorrindo, olhando o rosto da bela menina a frente do marido:
– Que linda princesa. Parece uma boneca.
– Obrigada, senhora.
– Essa é a rainha do Clã Inu youkai, Takara, minha esposa.
Apresentou Takeo, olhando para a menina que, mais uma vez, reverenciou a rainha, sob os encantados olhos dela, que sempre havia sonhado em ter uma filha tão linda e delicada quanto aquela princesa. A rainha suspirou e sorriu, parando ao lado do marido que apontou para os príncipes, apresentando-os:
– Esses são meus filhos, os príncipes deste reino. Esse é meu filho mais novo Kanji.
Ele fez uma reverência contida, sem muitos floreios para a moça, sem sequer esboçar alguma simpatia, parando próximo a sua mãe. O pai, naquele momento, fuzilava-o com os olhos, queria que ele fosse mais educado, mesmo assim, continuou:
– E esse é meu primogênito, príncipe Shuji.
Naquele momento, Hideki, que estava próximo à filha e a esposa, perguntou, para deixar bem claro para a filha e ao príncipe:
– Qual dos dois é o noivo, Takeo?
– Sim, princesa Ami, seu noivo é o príncipe Shuji.
A garota estava parada com as mãos na frente do peito, olhando para o grande príncipe youkai a sua frente, os olhos dela brilhavam, estava impressionada com a beleza e elegância que ele possuía. Ele, por sua vez, estava em silêncio, observando a humana a sua frente. Ficou encantado com a delicadeza dos traços dela e sua aparência angelical, mas não deixou demonstrar nada, apenas a reverenciou educadamente, só assim ela fez o mesmo, sem tirar seus olhos dos dele. Parecia estar hipnotizada por aquele homem.
Takara, que observava atentamente, sorriu discretamente, observando a reação de ambos. Havia percebido o interesse de ambas as partes nascendo naquele momento. Ao ver a princesa, Kanji chegou a ficar chateado consigo, aquela poderia ser a sua esposa e ainda viria acompanhada de um promissor reino no ocidente, fez uma expressão esquisita, deixando escapar um:
– Hmm...
O que fez o pai olhá-lo sobre o ombro, levantando uma sobrancelha. A mãe o olhou como se não estivesse entendendo o motivo daquela reação da parte dele, afinal ele não quis se casar. Mediante às apresentações, Katherine estava apenas saindo da sala incógnita, acreditando que não teria de passar por aquele momento, quando escutou:
– Não vai nos apresentar a sua outra filha, meu amigo?
– Sim, princesa Katherine!
Ela parou por um instante, sabia que quando seu pai lhe chamava de princesa, a única alternativa que lhe restava era ir se apresentar. A garota moveu-se até a frente da realeza youkai e os reverenciou como apenas os generais ocidentais faziam na época, colocando um dos joelhos sobre o chão e abaixando o rosto. Quando se levantou, ouviu o rei Inu dizer com tom gentil e sério:
– Poderia retirar sua máscara, princesa?
Ela olhou rapidamente para o próprio pai que assentiu com a cabeça que sim, ela deveria, tirou o capuz e a máscara. Retirou o capuz devagar, deixando os longos, lisos e grossos cabelos castanhos, que se perdiam embaixo da capa negra, aparecerem. Então disse, respeitosamente:
– Perdoe-me, é um costume, majestades.
Logo após, abaixando o rosto e retirando a máscara dourada, com um delicado toque, voltando-se mais uma vez ao rei Inu, que olhou para o amigo sorrindo, sem entender o motivo para esconder a impressionante beleza da princesa.
Katherine possuía os olhos azuis como lagos profundos e cristalinos, o que denunciava que ela detinha as mesmas habilidades de seu pai. Tinha a pele clara, os traços delicados do rosto bem feminino e harmonioso, combinados com os lábios carnudos e avermelhados, sob o nariz levemente empinado.
O silêncio se instaurou na sala, os Inu youkai estavam perplexos com a aparência da princesa que se escondia atrás daquela máscara. O mesmo foi quebrado por um longo suspiro vindo de Kanji, que estava tão impressionado com a princesa que chegou desejar desposá-la, só para poder acordar olhando aquele rosto lindo em sua frente. Todos o olharam ao mesmo tempo, incluindo Katherine e isso fez Kanji esboçar um sorriso sem jeito, o qual ela correspondeu discretamente.
Ela havia o observado naquele dia, mais cedo, enquanto olhava pela janela para ver o que seus dragões estavam fazendo. Durante algum tempo o espiou enquanto ele treinava com Ren, sem percebê-la na janela do quarto. A visão do jovem mestiço de youkai sem camisa a deixou encantada, o corpo bem feito e musculoso era tentador, os cabelos cor de prata esvoaçando no ar, o jeito de falar alto e perder a paciência a havia encantado.
Quando ele sorriu, Katherine sentiu o coração acelerar. Ela permaneceu alguns instantes observando o príncipe, que estava visivelmente constrangido com o olhar do pai sobre si, o rei Inu youkai observou por um segundo os olhos da princesa sobre o filho e lhe pareceu que ela sorria. Takeo olhou para Hideki, ambos haviam percebido o interesse dos filhos. O rei Inu provocou:
– Gostaria de dizer algo, meu filho?
– Claro...
O mestiço de youkai fez uma pausa dramática, nem ele mesmo sabia o que desejava dizer ao certo, então sorriu e disse:
– Desejo toda a felicidade ao futuro casal.
Takara começou a rir da reação do filho, era normal ao rapaz não conseguir conciliar seus instintos e sua razão, o que sempre rendia situações como aquela. O pai havia achado que o garoto lhe faria um sinal, diria que desejava lhe falar algo, mas isso nunca acontecia. O rei Inu estava contendo a vontade de gargalhar e brigar com o filho como sempre fazia. Hideki, por outro lado, embora estivesse surpreso com as palavras do príncipe Inu, por não ter dito naquele momento sobre seu interesse visível pela princesa, apenas olhou para o amigo, ambos tinham um plano e o colocariam em prática.