/0/3265/coverbig.jpg?v=adf507028e4f3f79b0285199008acca1)
CASILLAS
A um dia antes de dar o prazo do início do contrato, pela manhã, eu havia recebido um email:
"De: amais.bela@olimpo.com
Para: casillas@jat.com.br
Assunto: CONTRATO
Oi amor, então segue os detalhes do seu serviço:
OBRIGATÓRIO:
Treinar e cuidar das crianças;
Impedir o apocalipse.
OPCIONAL:
Não deixar nenhuma delas morrer.
No dia 25/07/2025, eu e algumas pessoas iremos até aí para te buscar, deixe tudo arrumado e se programe para ficar fora por bastante tempo.
OBS.: Se puder dar uma geral, pelo menos aí no hall, eu ficaria imensamente grata. Bjs Bjs.
Att,
Afrodite"
- A que legal, ela quer que eu limpe isso aqui em UM dia - exaltei indignado.
Desde sempre fui meio controverso (alguns éons podem deixar qualquer um maluco), preguiçoso e procrastinador, mas ao mesmo tempo, metódico e esforçado, gostava de fazer tudo corretamente e odiava que me mandassem a fazer alguma coisa.
Antes que pudesse reclamar ainda mais, troquei de roupa, arranjei uma camisa e shorts de malha simples, ambos pretos e coloquei meu avental de faxina.
Comecei pelo hall, onde estava a maior parte da sujeira, varri o lugar todo para tirar o mais grosso, guardei os documentos em uma sala aos fundos e separei os livros para levá-los à biblioteca, peguei as taças e o copo de whisky para lavar na cozinha, terminei de beber o vinho (óbvio, esse tava bom) e joguei as garrafas vazias fora. Depois de tudo feito, peguei um balde de água e despejei no chão, já o sabão em pó , espalhei aos poucos. Junto da vassoura e um rock metal, dancei enquanto esfregava o chão, as paredes e a escada. A espuma formada me lembrou do mar e, consequentemente, de como nasceu Afrodite. Ao mesmo tempo que o pensamento veio, foi embora. A água, antes cristalina, agora estava preta e o sabão branco como uma nuvem, escurecido.
Depois de esfregar o lugar inteiro, peguei um rodo e puxei tudo pra fora, fazendo uma mini cachoeira nas escadarias da porta, lembrando-me de limpá-las e também as janelas, acabei esquecendo dos panos e ia voltar para pegá-los e um limpa-vidros quando, meus instintos me fizeram dar um mortal para trás e com o rodo em mãos, tentei acertar quem antes estava em minhas costas, mas fui amparado pelo braço do indivíduo.
- Você nunca muda e, mesmo depois de tantos anos, seus reflexos são os mesmos.
- Por favor Hermes, quando quiser falar comigo manda um email, não precisa tentar me matar.
- Ok ok, peço desculpas, poderia parar de ainda tentar me acertar com esse rodo? - Hermes pediu depois de umas risadas nervosas.
Muito a contragosto, coloquei o rodo escorado na porta e voltei para a entrada, olhando para o deus.
- E então, o que faz aqui?
- Vim apenas para te entregar um recado, dessa vez, um alerta preto.
Um silêncio passou por nós, levantando os longos cabelos de Hermes e bagunçando os meus.
- Vocês são bem rápidos quando se trata de guerra - suspirei.
- É isso que nos faz vivos até hoje - Hermes me olhava por cima dos óculos.
Peguei a maldita carta de papel preto das mãos do deus. Ao observar, percebi o quão preparado estava: um colete de malha por baixo do smoking, a calça mais grossa na parte da coxa - indicando algum tipo de armadura - nas suas costas, um bastão que ia do pescoço até o joelho, as peças brincavam entre cinza e branco, no rosto, carregava um óculos que parecia ponderar se me atacava ou não. O cabelo longo até os ombros indicavam classe, os sapatos de couro pontiagudos, prontos para serem utilizados de arma, a pele morena e o corpo robusto mostravam o treinamento e o dia-a-dia sob o sol (o que é engraçado, deuses definitivamente não treinam).
Ao abrir, comecei a ler:
"Casillas Rodrigues D'Avilla,
Em nome dos deuses do Olimpo, estamos entrando em contato para recrutá-lo na guerra contra nossos inimigos (os quais ainda não definimos) e independente da sua resposta, queremos fazer uma reunião para discutir isso e as demais dúvidas que venham surgir.
O motivo para contatá-lo deve-se pelos serviços prestados, as honras recebidas e sobre seu conhecimento vasto de nossos possíveis inimigos, além da destreza e exímia habilidade em batalhas.
Por favor compareça ao Olimpo amanhã, 25/07/2025 às 09h AM - Fuso Horário: UTC+03:00 EEST.
Att,
Os Deuses do Olimpo"
- Oh, então é isso que vocês querem! - comentei falsamente interessado.
- Pare mortal, isso é coisa séria! - repreendeu com tom autoritário.
- Nah, é nada... se fosse, já estaria o caos e o Ares seria o primeiro a vir aqui em casa me atormentar...
- Não diga que não te avi-
- Claro que avisou, seu trabalho é esse.
- Eu já vou indo, antes que eu te mate.
E desapareceu.
- Já vai tarde - respondi cansado.
E de fato, estava exausto. Era sempre assim e sempre será assim. Era contratado, fazia o trabalho com maestria, faziam festas e confraternizações e era esquecido, lembrado somente em tempos de crise, como agora. Por éons tem sido assim e eu sempre soube que isso nunca iria mudar, por sorte, sempre me pagavam bem e mantinham discrição, fazendo assim, uma forma de seguir em frente.
"Além de um possível babá pré apocalíptico, terei de ir até o Olimpo para ser usado de novo" pensei irritado, sempre que tinha alguns meses de paz, tinha um problemão, isso quando não era problema divino, era problema mortal e problemas mortais não davam tempo para respirar e problemas divinos eram infinitamente piores.
Depois de ter acabado de arrumar tudo, fui para o planejamento do orçamento, sendo principal a restauração de meu estabelecimento, o já esquecido Jack of All Trades (ou JAT para os mais íntimos), costumava ser a maior construção do fim da rua, dois andares da cor preta serviram de referência para qual local perto dali, agora estava mofado e desbotado, mas ao menos, estava limpo.
A noite chegou rápido e finalmente o merecido descanso surgiu, deitado em minha poltrona sob medida, que era sem dúvida alguma, o bem mais precioso desse lugar, claro, se não contar os livros. Confortável e grande, agradava todos os meus músculos e eu tinha até uma ideia de deixar a poltrona com função de massagem.
Já passava das 22h, horário incomum para dormir, porém, a ansiedade do que poderia acontecer no outro dia me fez cochilar demais na poltrona, me impedindo de ir dormir na cama. Decidi, por fim, ir até a suíte: um tanto quanto grande, mas sem muitas mobílias, com somente uma cama, uma cadeira, um criado-mudo e o guarda-roupa, todos na cor preta, minimalista e prático, separei meu uniforme de trabalho e deixei no encosto da cadeira, peguei a bota de couro grossa e a coloquei nos pés da cadeira, junto do par de meias e luvas.
Havia uma toalha de banho estendida na porta e me dirigi para o banheiro do quarto, me despi e concordei que o banho dessa vez seria quente. Como todas as vezes que tomava banho, esse era o único momento onde minhas lágrimas caiam e meu rosto se tornava sombrio.
----------------------------------------------
AFRODITE
Soube de última hora sobre o encontro dos deuses, admito que estava irada e me irritava cada segundo que lembrava do dia que foi marcado: 25/07. O dia em que ia me reunir com Casillas para formalizar a entrada no instituto. Por mais irritada que eu estivesse, não podia ir contra a ordem final de Zeus, e isso me deixava ainda mais brava. "Onde já se viu uma 'democracia' em que só um manda?!" exaltei, indo até meu quarto.
- ARES, CADÊ VOCÊ?
- Calma minha jóia, estou tentando dormir - respondeu o deus debaixo das cobertas.
- Ótimo, precisamos conversar - ordenei - e não precisamos dormir, mentiroso.
- É? sobre o que?
Ares ficou sentado na cama, mostrando seu físico invejável, flexionando os braços e empurrando a coberta (Casillas é mais lindo, eu sei).
- Por que não me avisou que íamos ter uma reunião amanhã? - questionei.
- Não senti necessidade e somente isso - respondeu seco.
- A não? Eu faço parte do conselho para que então?
- Sinceramente não sei, creio que seja somente para ser parte dos doze - o deus replicou desinteressado - e, creio que não te avisaram porque estava ocupada... e então, o que tá aprontando?
- Maravilha, além de idiota é sonso. Eu estava... me preparando - fui até a cama e peguei dois travesseiros, mas sem deitar.
- É? Com o que? Ou quem? - indagou Ares estreitando os olhos flamejantes.
- Não tem necessidade de te explicar nada.
Ares então me encarou e se inclinou um pouco.
- Desde a última reunião você esteve bastante ocupada, não só porque foi parte da minoria que defendeu os mortais mas também porque disse que tinha um plano. Vai me contar e implorar por ajuda ou não?
- Como disse anteriormente, não tenho necessidade de te contar nada - respondi me inclinando até ficar a centímetros do rosto de Ares - e sobre sua ajuda... não, não vou precisar e por diversos motivos.
- Ah... que isso, deite aqui e vamos conversar de outra forma-
- Não, você não merece e eu vou dormir no quarto de hóspedes.
Interrompi Ares e o empurrei com o travesseiro, sai do quarto correndo e ouvi as reclamações do deus:
- AFRODITE, EU VOU MATAR TODO MUNDO SE CONTINUAR ASSIM!
No quarto de hóspedes, eu ria da reação do meu marido, porém, sabia que nada disso era verdadeiro, tanto meus poderes quanto meu coração sabiam que Ares só me tinha como troféu e mesmo ele surpreendendo às vezes, doía saber que estava sendo enganada.
Antes de me deitar, tranquei a porta e passei os olhos rapidamente pelo cômodo: para um quarto de visitas, era razoavelmente espaçoso, antes o quarto do casal, agora estava empoeirado e com as mobílias cobertas - raramente os deuses iam aos domínios uns dos outros - e as demais visitas ficavam no andar de baixo. A coloração branca com vermelha reagia ao casamento com Ares, vermelho do sangue e vermelho do amor, junto do branco da paz e do casamento, um armário médio ficava na parte de baixo da janela e um grande balcão para as roupas em frente a cama KingSize, nela, um grande lençol branco se estendia de um lado para o outro e um edredom vermelho estava nos pés da cama, aguardando pelo seu uso.
Finalmente me despi, joguei o travesseiro que havia pegado do quarto principal, deitei e puxei o edredom, sentindo o calor que cruelmente e, ironicamente, me fizeram lembrar do inverno de Lutèce (atual Paris). Por volta do século III, Casillas havia comprado duas diárias para o fim de semana numa estalagem (hoje chamados 'hotéis') famosos "cinco estrelas" e eu nunca acharia que pagaria cento e cinquenta moedas de ouro por duas noites. "Você que vai pagar", disse ele na época. E tinha compensado cada moeda. Foi a primeira vez que saímos para algum lugar sem ser por contrato, apenas um encontro. Passeamos pela cidade, antes sem iluminação elétrica, apenas com a luz da lua, quando chegamos na hospedagem, fomos para o quarto e aconteceu algo que me surpreendeu verdadeiramente:
- "por que você não está tirando a roupa e não está me seduzindo?
- por diversos motivos, mas o principal é: está frio e essa forma de se esquentar é apenas temporária e, dois, não tô saindo com você só pra transar.
- ...
Silêncio, eu não sabia o que dizer, era a primeira vez que não tinha relação sexual assim que terminava o encontro:
- É sério que está me dispensando? - perguntei desconfiada.
- Claro que não gatinha - riu Casillas - apenas não hoje, esse não é o local apropriado.
- A não quero saber, você tá me deixando na vontade já faz tempo! - eu estava furiosa.
- Pois então não reclame.
E então nós dois nos beijamos e depois de muitos gemidos e respirações ofegantes, já de manhã, eu estava deitada no peito do mercenário e comentei:
- Uau, é... suas mãos não só sabem milhões de formas de como matar alguém, como milhões de formas para fazer uma mulher se sentir bem.
- Ela é a única que sabe o que faz - respondeu sonolento.
- Ai menino, foi tudo ótimo - elogiei - e foi a primeira vez que fui dominada assim - saiu como um sussurro.
Casillas já estava dormindo tranquilamente e aproveitei para dormir também."
- Foi a primeira vez, também, que não fui embora pela manhã - relembrei rindo.
Depois dessa memória, fui cada vez lembrando mais e mais até que me perdi e dormi com um sorriso suave.
------------------------------------------
CASILLAS
Eu estava com dificuldade para dormir. Após um espirro e minha orelha ficar vermelha, fiquei me questionando em quem estaria falando de mim a essa hora da noite.
Meus olhos estavam inchados pelas lágrimas, que teimosamente não saiam do rosto. Olhei para o criado-mudo e depois para o relógio de pulso que estava encostado no pequeno morro de livros, "02h50" mostrava os ponteiros, pensei tristemente que esse horário faria eu dormir bem menos que o de costume, levantei-me para tomar um gole de água e parei em frente ao espelho, vendo um indivíduo um tanto conhecido: estatura normal - 1,75 e 71 KG (até a última medida, pelo menos) - corpo desenhado, não musculoso e nem magro, a pele branca devido a falta de sol, cicatrizes de todos os tipos no peito, costelas e costas, o cabelo relativamente grande - a franja no nariz e os lados cobrindo a orelha - de um tom preto e indo em degradê prateado até as pontas. Os olhos combinavam com o prateado do cabelo e envolta da pupila, um círculo vermelho, o que eu achava horrível mas passei a achar que tinha um charme depois de Afrodite ter me dito que duas cores no mesmo olho era raro e lindo, principalmente pelo degradê que os meus em específico, faziam. A sobrancelha grossa e desenhada com o final da direita, propositalmente falhado, indicava que era bem cuidada. O nariz levemente arrebitado, sem nenhuma imperfeição e as bochechas levemente rosadas, sem nenhuma carne a mais, se desenvolvia até o queixo, onde acima dele, possuía os lábios na medida, nem grossos e nem finos, numa tonalidade rosa-avermelhado.
"Realmente, eu sou um mediano" brinquei, nunca achei que fosse lindo, embora nunca sequer passou pela mente que fosse feio. Pela modernidade, muitos me julgariam como um adolescente de 18-20 anos, e mal sabem eles que era isso que eu mais queria, voltar para essa época e tentar mudar a escolha que hoje me assombra.
Ao descer para tomar água, acabei trocando por uísque (sim, faço isso às vezes), orando para que pegasse no sono com o álcool.
- É sério, o tanto de álcool que você ingere não é brincadeira!
- Deixa eu tentar dormir em paz, aí você pode falar comigo.
- Mas aí você não me responderia.
- Exatamente.
A voz masculina que iniciara a conversa comigo vinha de meu reflexo do copo, agora, vazio.
- Sempre que quiser algo, peça pra mim e você sabe que te darei - ofereceu com a voz ainda mais grave.
- Não tô afim, e se por gentileza você ir dormir por mais um século eu agradeceria.
- Faz algumas décadas que a Minha Dama não se banha de sangue, e quando ela fica com fome, eu apareço em forma de aviso - a voz me avisou.
- Eu quero que ela venha dizer isso - respondi irritado.
- Sabe que ela não pode fazer isso, apesar de eu estar nessa sua cabecinha, eu não faço a mínima ideia do que pensa, então qual é o seu plano?
- Você é sim uma parte da manifestação dela e em breve, irá de haver uma guerra, pede para a Minha Dama guardar energias quando esse dia chegar, certamente ela não vai se alimentar por mais quinhentos an-
- OPA OPA - interrompeu a voz - isso é muito sangue, da onde você vai conseguir tudo isso?
- Como eu disse, uma guerra, e essa vai ser das grandes - respondi com um sorriso.
- Bom, eu direi isso à ela, mas você precisa urgentemente dar alguma coisa pra ela, pelo menos, que segure a onda por uma semana - a voz terminou a frase com um sussurro.
- Ok, pode deixar que providenciarei isso - assenti - agora xô.
- Tá tá, mó bravo você hoje - reclamou a voz se esvaindo.
- Estou com sono e somente isso.
Eu, que antes não tinha sono, me forçava a dormir e deixar os problemas para o amanhã, "Minha Dama é difícil, quando ela pede é obrigatório" refletia comigo mesmo. Ao subir para a suíte, acabei me deparando com uma das suas luvas ainda no chão, entretanto, não onde tinha deixado, perto da cama: "Ela já está fazendo eu agir no automático..." não conclui o pensamento, já que sabia que isso era mais que um sinal de alerta, o estado era crítico.
Peguei a luva e coloquei junto ao uniforme, deitei-me e me cobri. A noite tinha se tornado ainda mais fria, mas dessa vez, nada poderia impedir o grande Casillas de dormir.