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18/07/2025, já de manhã.
- Então é isso que meu mercenário favorito faz quando não tem nenhum contrato...
Acordei lentamente com a voz que entoava da entrada, doce e suave, porém intimidante. Conhecia aquela voz... ah, era ela. Ainda estava sonolento, tentando desvendar meu sonho e decidi responder com sarcasmo, que aliás, eu adoro.
- E ainda sim uma deusa vem ao meu encontro... realmente, vocês não tem nada melhor para fazer né?
- É assim que você me trata depois de tudo? - indagou.
- Não, só estava brincando - respondi, mas agora estava de pé.
Ficamos nos analisando por alguns segundos até que perguntei:
- Não quer se sentar? Pela sua roupa, vejo que não veio somente para uma visita.
- Ora, muito obrigada, lindo - então ela se sentou em frente à mesa.
A deusa estava tão linda quanto da última vez em que a vi, usava um vestido vermelho com detalhes rosas, calçando saltos altos pretos, cinturão largo e braceletes de ouro. O cabelo carmesim estava preso com um laço rosa, fazendo-os descer até a cintura, brincos em forma de coração de ouro e o rosto sem maquiagem alguma, demonstrando confiança em sua aparência natural, as bochechas definidas, levemente corada, afinando até o queixo, e seus olhos vermelhos rosados me encaravam firmemente.
Fiz o mesmo, ao sentar, o sobretudo preto cobriu a poltrona inteira, as mãos foram à mesa, cobrindo uma a outra e a luva sem dedos, outrora confortável, começou a se tornar mais fria.
- Apesar de tudo, achei que te encontraria com menos roupa, Afrodite.
- Ai, que isso, sensualizam muito a deusa do amor hoje em dia.
- Incrivelmente, não há mentira nessa sensualização.
- O que é lindo e perfeito deve ser mostrado - respondeu resoluta.
- Certo.... então, o que te atrai até esse buraco? - fui objetivo.
- Há coisas, que nós deuses, não conseguimos fazer-
- Sim, e pedem ajuda aos mortais para realizarem esse trabalho sujo, não é? E? - interrompi irritado.
- Bem, não exatamente, já que você não se encaixa nessa definição, mas é isso mesmo. Ultimamente a nossa cultura vem sendo menos valorizada e a nossa magia está começando a se esgotar. Há tempos os deuses não se reúnem para uma discussão de como será o plano de reviver a cultura, somando a inutilidade dos seres humanos, essa nova reunião teve um tópico somente para erradicar os mortais, Ares em específico, quer escravizar e tudo mais, enfim... a destruição do mundo que conhece hoje. Como você bem sabe sobre mim, eu tenho uma pequena queda pela raça de vocês, e não quero que isso aconteça, mas para isso, vou precisar de sua ajuda - Afrodite explicou.
- Hm, acho que vou passar essa - respondi desinteressado.
- Oi oi oi, como assim "passar"? - perguntou a deusa incrédula.
- Exatamente como ouviu senhorita. Não me importo com o que aconteceu e muito menos com o que pode acontecer.
- Vai mesmo largar tudo que conhece? Os produtos, a tecnologia, a cultura... TUDO! - Afrodite gritou ao terminar a frase.
- Vou - encarei seriamente a deusa.
- As pessoas, principalmente elas, não têm mesmo vontade de ajudar?
- Pessoas morrem todos os dias, aliás, nós nos matamos o tempo todo.
E é verdade. Seres humanos são assim, já estava cansado disso tudo. Egoísmo, maldade, hipocrisia... é, somos maravilhosos.
- Está mais frio que o de costume, Casillas. Por que não quer ajudar? Me ajudar?
- Se fosse pessoal, talvez, mas a questão em si é que não estou com disposição para salvar o mundo, não de novo - percebi que estava sendo mesquinho, não me importava.
O silêncio tomou conta do local, a deusa se levantou e começou a andar em círculos até que agitou a mão afobadamente, como se uma lâmpada acesa houvesse se instalado em sua mente.
- Como um bom mercenário, se houver pagamento, você o faz como um contrato? - a divindade passara a ter um olhar curioso.
O silêncio retornou, estava me divertindo ao entender o quão ruim estava a situação para ela, e no momento, essa emoção estava visível a nós dois.
- Não podia ter começado assim? - comecei a rir.
- Eu achei que você estava me devendo! - Afrodite estava vermelha.
- Se vossa majestade estivesse em risco de vida, sim. Mas o que está em jogo é seu orgulho não é?
Como um relâmpago, veloz e estrondoso, a curiosidade deu lugar a uma melancolia e senti-a como um tapa, sendo uma deusa, o astral do ambiente era ela.
Ao me levantar, fui até a adega, peguei um vinho junto de duas taças e voltei à mesa, abri a garrafa e despejei o líquido da cor do cabelo dela nas taças e ofereci.
- Vinho?
- Obrigada - aceitou com um menear da cabeça.
- Eu cobro caro-
- Eu sei e estou disposta a pagar o que for preciso - me interrompeu.
- Certo...
Procurei por um pergaminho vazio na mesa bagunçada, quando achei, entreguei para a deusa.
- Já sabe como fazer.
Eu já tinha visto esse procedimento tantas vezes que até sabia como falsificar alguns, mas com uma divindade era diferente. O sangue era puro, o pacto era final e inalterável, claro, isso se não houvesse variáveis.
Afrodite colocou a taça na mesa e segurou o pergaminho com as duas mãos, fechou os olhos e começou a se concentrar. O procedimento era simples, segurar alguma coisa que dê para escrever, seja papiro, pergaminho, folha de árvores ou papel, se concentrar no que deseja, o que é que o contratado precisa fazer e a mágica acontecia. Por ser magia, era imprescindível deixar o mais detalhado possível, para não ocorrer erros e fraudes, assim que imaginasse, o que estava sendo segurado brilhava e então o que foi pensado ficaria escrito com o acordo, pagamento, variáveis e o que tinha de ser feito. O contrato podia ser alterado desde que as duas partes consentirem e somente antes da assinatura. Depois dos termos, vinham dois espaços sublinhados, onde as partes do acordo iriam assinar.
E foi exatamente o que aconteceu, a luz brilhou com mais intensidade que o de costume, indo de encontro aos dois e por fim, saiu uma fumaça levemente das letras douradas.
- Creio que agora basta você assinar.
- Não tão rápido - retirei rapidamente o pergaminho da mão da deusa.
Sentei-me novamente na minha poltrona, mas com cautela, pois o mínimo movimento brusco poderia rasgar o trabalho em minhas mãos.
Ao sentar, comecei a analisar o documento, verificando se o que estava escrito correspondia com o que a mulher havia me dito. Por fim, arqueei a sobrancelha e comentei friamente:
- É sério? Quer que eu ensine as crianças como lutar?
- Não são crianças, são adolescentes - Afrodite corrigiu com um sorriso.
- O que te faz pensar que eu consiga cuidar delas ao mesmo tempo que as ensino a matar?
- Não é pra ensinar à "matar", mas sim lutar. Você já passou por muita coisa, mas a principal característica, é o seu método de ensino, certamente as crianças irão aprender e consideravelmente mais rápido que o comum.
- Não, Afrodite, tornar elas assassinas não vai ajudar em nada a impedir o apocalipse.
- Vai sim, e te dou um extra se nenhuma delas for morta - acrescentou.
- Mortas no treinamento ou mortas em combate? - brinquei assinando o contrato.
- EM NENHUM DOS DOIS! - gritou irritada.
Assim que terminei de assinar, entreguei o pergaminho para a deusa, divertido e levemente empolgado, queria saber se a mesma perceberia a brincadeira que eu tinha tramado.
- Eu não esqueci não, tá? Só estou esperando você me dizer o quanto vai cobrar.
- Por ser uma situação peculiar, vou me divertir e isso por si só já é um ganho. Então irei cobrar isenção de todos impostos e fontes de cobranças por um ano.
- Só isso? Você já foi mais ganancioso - respondeu surpresa.
- Eu irei criar uma lista de dívidas e você acha que é só? - ri - E o extra é você realizar o que eu quiser, um pedido e somente esse. Caso não esteja ao seu alcance, poderá parcelar ou oferecer algo equivalente.
- O que mais eu poderia oferecer a você? - a deusa indagou com um brilho nos olhos.
- Pergunta capciosa minha deusa, lembre-se que Ares ainda quer me matar.
- Faz o favor de não lembrar? - Afrodite respondeu com uma risada nervosa.
- Vossa senhoria perguntou. Enfim, é isso.
Afrodite então assinou sua parte, pegou uma adaga escondida em seu cabelo e pediu a mão do seu novo contratado, eu. Assim que estiquei a mão, a deusa fez um pequeno corte no meu dedo e em seguida em seu dedo, mesclando os dois sangues, fez escorrer até o espaço vazio entre as assinaturas.
- Não me canso de perguntar, por que o sangue de vocês é dourado?
- Porque é, simples assim - respondeu objetiva.
E assim, o contrato estava formado, o dourado e vermelho se mesclando e representando o pacto de sangue para unir o espírito; a assinatura para representar a personalidade e a troca entre serviço-pagamento para representar os desejos carnais.
- Vai querer um lenço, príncipe? -- a deusa perguntou enquanto limpava o dedo.
- Não é necessário.
Respondi retirando rapidamente a mão de cima do contrato e escondendo atrás de mim. Há muito me foi perguntado o porquê de não sangrar depois de um contrato, e de tantas mentiras, era preferível o silêncio, principalmente quando o contratante sabia de parte da minha história e me conhecia parcialmente.
- Com isso, você se tornou minha chefe e como bem sabe, se não está no contrato, segue-se a regra da firma: o trabalho começará daqui de uma semana - comentei enrolando o pergaminho e o deixando em cima da mesa.
- Eu sei, vai ser o tempo necessário para eu avisar o instituto. Mandarei os detalhes por email.
- Eu não acredito, os deuses usam email? - questionei sinceramente.
- Mas é claro! Hermes foi o primeiro a usar quando surgiu, aos poucos fomos usando.
- E tem o meu?
- Está no seu cartão de visita, e no seu banner ali na frente também, apesar que você precisa trocar... - Afrodite riu.
- Esse cartão de visita que recebeu deve ser de 20 anos atrás, a sorte é que é o mesmo email. E sobre o banner... por que acha que requisitei isenção de "fontes de cobrança"? Inclui tudo que eu comprar, gastar, pagar e dever.
- Eu não acredito! - a deusa estava corada, o que era mais hábito do que timidez, já que deuses possuem sangue dourado. Tive uma vaga esperança que fosse tanto de raiva quanto de vergonha.
- Pois acredite, por isso eu sempre digo que se deve duvidar de pessoas lindas.
- Tá me chamando de burra? Porque você é lindo - retrucou.
- Gostosa e burra, acredite, você faz sucesso em muitos lugares com as suas "representantes" - debochei da deusa e comecei a rir.
- Não vou te falar nada, já fiz o que eu deveria ter feito. Vou embora - comentou Afrodite visivelmente irritada.
- Eu estou brincando, coração. Não vai querer posar aqui e ir embora de manhã?
- Dificilmente íamos dormir e para seu azar, vou ter que fazer todo o processo da sua inclusão no instituto - Afrodite respondeu ainda brava.
- Certo, pois eu te acompanho até a entrada.
Me levantei e fui até a cadeira onde a deusa estava, ofereci a mão e a acompanhei até a porta, agora aberta, dava para ver o céu escuro e estrelado, como se o destino estivesse fazendo nós dois aproveitarmos o máximo possível.
- Então Casillas, vou te mandar os detalhes mais tarde, passar bem - Afrodite parou e me abraçou.
- Se cuide, quando os deuses querem algo, farão o que for preciso para realizar suas vontades - comentei alegremente nos braços dela.
- Eu sei, mas tenho esperança. Além disso, eu te contratei e nossas chances aumentam em noventa por cento com isso.
- Como q-
Fui interrompido com um beijo calmo de Afrodite, não um selinho, não um beijo de língua, somente o encostar dos lábios durante alguns segundos. Acredite, era uma ótima forma dela me fazer calar a boca.
- Te vejo semana que vem.
E sumiu, literalmente, um lampejo entre um piscar de olhos, fiquei olhando o vazio onde, em apenas alguns momentos antes, estava a deusa do amor.
- Eu sinceramente não entendo você Afrodite, boa sorte.
Eu sempre pensei em porque a deusa simplesmente não largava o marido babaca para casar comigo. Como ela sempre dissera: "eu sou a deusa do amor, sei o que digo a respeito disso, e por incrível que pareça, eu não sou sua alma gêmea, assim como você também não é a minha", eu só tive um amor durante toda minha vida, que foi levada precocemente pela Morte (que mais tarde tivemos uma conversinha), achava que Afrodite talvez fosse meu destino devido a tudo que eu tinha vivenciado e experienciado com ela. Desde que o século virou, não sabia dizer se essas aparições da deusa eram românticas ou fraternais, assim como o beijo que tinha acabado de receber, não sabia como julgar ou conceituar, apenas seguia o roteiro como sempre fiz.
Cortando esses pensamentos antes que me levassem a lugar nenhum, virei o cartaz, que estava ao lado da porta, de OPEN para CLOSE, e entrei no estabelecimento trancando a porta.
De verdade, eu queria muito dar uma arrumada no hall, porém, estava com muito sono, decidi então que ia tomar um banho e deitar-me para outro dia. Contemplando meu pensamento, subi as escadas ponderando sobre o que Afrodite dissera do banner. Não era somente o ele, o estabelecimento inteiro estava velho: madeiras rangiam, a coloração estava desbotada, poeira reinava em todo lugar e somente o "escritório" estava em bom estado, com a bagunça rotineira em cima da mesa, onde tinham três adereços novos: duas taças e meia garrafa de vinho.
"Mais sentimental que o normal em Casillas" resmunguei ao chegar no fim das escadas, que leva a um corredor com três portas: duas no lado direito e uma no lado esquerdo, um quarto de hóspedes, o banheiro e a suíte, respectivamente.
Querendo mais espaço do que praticidade, optei pelo banheiro maior e arrastei a porta enferrujada para dentro, estava entrando no banheiro, coloquei o medidor na água gelada do chuveiro e fechei para o box, onde eu poderia fielmente ser eu mesmo por apenas alguns minutos.
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AFRODITE
Eu fiz de tudo para sair de perto de Casillas o mais rápido possível, tanto pelo medo de acontecer uma briga entre ele e meu marido novamente, quanto por não conseguir guardar o que tanto escondia dele.
Agora em meu palácio, longe do castelo que dividia com Ares, eu queria apenas privacidade e um momento para me recompor.
"Nenhuma alma viva consegue me deixar expressar meus sentimentos como ele consegue" pensei apaixonada e sorridente enquanto lembrava das brincadeiras de Casillas e do quão dourada e envergonhada ficava quando estava com ele. Fui ao banheiro que parecia mais uma fonte termal do que propriamente um banheiro, me despi e pulei na água fervente, mergulhando em um mar de pensamentos e indecisões. Por um breve e terrível momento, achei que tinha feito a escolha errada. O mercenário era uma lenda até mesmo entre os deuses, tanto que quando o vi pela primeira vez, queria saber como ele beijava e se era tão violento na cama como nas lutas (não entenda errado, sou a deusa do amor, é algo novo para mim não determinar a habilidade sexual de alguém), nem mesmo seres divinos atraiam a minha atenção como ele. E eu vi, ah... eu vi. Por isso, sempre que podia, dava um pulo na Terra para ficar observando e em algumas ocasiões, conversar com ele, como um humano, eu me impressionava como ele era tão natural e igual com todos, grosso e insensível, irritado e sarcástico, objetivo e seco. Mesmo sendo assim, comigo ele era um amor, sempre preocupado em como eu me sentia e sempre enaltecendo minhas qualidades, por incrível que poderia ser, o capital estético era o que menos ele priorizava, e talvez fosse isso que me encantava tanto.
Seu talento ia além de beijar e flertar, bem como em combate, não usava somente arco ou espada, conseguia destruir qualquer inimigo facilmente utilizando absolutamente qualquer coisa. Eu temia que as outras divindades o contratassem para destruir o mundo, considerando a resposta dele quando eu cheguei, era muito provável que aceitaria.
"Vou contar a novidade para o Logan, assim ele já seleciona os melhores alunos" estipulei empolgada. O email poderia ser feito depois que fizesse todos os procedimentos e apesar de tudo, eu estava apreensiva: "Eu vou estar juntando eles... Pelo bem do mundo, perderei o que me é mais importante", e cada minuto que passava, minha mente ia se perdendo em milhões de pensamentos.