Caminhei pensativo desde as escadas até meus aposentos, onde Maeve repousava. Estava sendo cruel com a jovem, e no entanto, a pessoa na qual deveria punir e me vingar era o pai de minha esposa.
Decidido a tratar melhor minha mulher daquele momento em diante, abro as portas de meus aposentos e vejo uma cena que, não sei dizer o motivo, mas, faz meu coração doer: meu amigo, o homem mais fiel a mim, e minha esposa que se diz doente, abraçados em uma cama bagunçada, cheia de coisas espalhadas sobre ela.
- O que está acontecendo aqui?
Os dois se espantam e me encaram assustados.
- Sean - Meu amigo se levanta e vem na minha direção com a face tranquila como se não estivesse se agarrando com minha esposa há poucos segundos. - Que bom que chegou, estava mesmo precisando falar com você.
- Por que você estava se agarrando com minha esposa?
O tom da minha voz sai mais áspero do que esperava, mas fico satisfeito com o olhar assustado de meu amigo em minha direção. É bom que ele saiba que em nossa amizade há limites, e este é um deles.
- Eu não estava me agarrando com sua esposa - fala categórico - Só estava abraçando-a. - Ele completo e em seguida aponta para as coisas sobre a cama, vejo que são livros, maquiagens e outras coisas que mulheres costumam gostar. - Não passou por sua cabeça que Maeve poderia estar entediada, presa nesse quarto sem nada pra fazer nem ninguém para conversar?
- Não preciso que me ensine a cuidar de minha mulher.
Falo ainda de forma seca e encaro Maeve que se encolhe, bom saber que ela também entendeu o recado.
- Não quero te ensinar nada, Sean, quero que pare de ser um idiota com sua esposa. Trouxe algumas distrações para ela, e ela me deu um abraço de agradecimento. Só isso. - Foi a vez de Aldous engrossar o tom de voz comigo e não gostei de suas atitudes.
- É melhor abrandar o tom de voz comigo, Aldous, ou esquecerei que somos amigos e o jogarei na prisão.
- Não faria isso - ele fala, mas o tom de insegurança em sua voz é perceptível.
- Aposte nisso - falo seco e dirijo meu olhar para Maeve. - Seu almoço está a caminho.
Viro-me para deixar meus próprios aposentos, precisava relaxar, talvez ache uma mulher que me proporcione isso.
- Sean, preciso falar com você.
Antes de deixar meus aposentos, encaro meu amigo que me acompanha.
- Resolveu confessar que estava se agarrando com minha esposa?
Aldous estalou a língua e me empurrou para fora do quarto. Quem ele pensa que é?
- Até breve - Ele disse à minha esposa antes de atravessar a porta.
- O que você quer, Aldous? O encontro abraçando a minha esposa e depois diz que quer falar comigo.
- Preciso, sim, vamos até um lugar mais aberto. - Caminhamos até os jardins, mas no caminho meu amigo continuou a falar e abordou um assunto que eu não gostei. - Por que trata Maeve deste jeito?
Encarei-o furioso.
- Isso não é da sua conta.
- É claro que é. Você é meu amigo de infância e ela é minha amiga também.
- Desde quando? Não sabia que eram tão íntimos.
A última palavra deixou minha língua com um gosto amargo, não sabia explicar o que sentia, só não estava feliz com a proximidade súbita de Aldous com Maeve.
- Antes de te explicar tudo, quero saber se descobriu quem mandou matar Maeve.
Encarei-o, mas não custava dar a ele aquela informação. Não era segredo.
- Ninguém. A empregada tinha ódio dela porque o pai de minha esposa foi o responsável pelas mortes do pai e do marido dela. Queria se vingar do rei.
- Isso me soa familiar.
O comentário de Aldous me deixa ainda mais furioso e me contenho para não segurar no pescoço de meu amigo, devo minha vida a ele, e é só por isso que ele não voou da janela do meu quarto há poucos minutos.
- Aida disse algo que me fez pensar. O rei não se importa com a vida da filha, o que ele quer é poder. A vingança deve ser feita diretamente a ele.
- Ela disse isso?
- Só que o rei não se importa com sua filha.
Torci a face lembrando-me das palavras da empregada.
- Que cara é essa Sean, o que está escondendo de mim?
- A empregada me disse coisas que me deixaram pensativo.
- O quê?
Já estávamos chegando nos jardins, adiantei alguns passos e atravessei os grandes arcos de pedra, caminhei entre a grama verde bem aparada e me sentei no bando de pedra. Aldous fez uma expressão de dor e se sentou ao meu lado. Lembro-me de não ver esta expressão até pouco tempo.
- Ela disse que ninguém no reino vê Maeve como sua rainha, que nem mesmo eu a trato assim.
- E isso o incomodou porque é verdade, não é?
Meu amigo apoiou os braços sobre os joelhos, enclinando-se para frente.
- Ela disse algumas verdades que me atingiram , isso é verdade.
O sol da tarde estava quente e o suor começou a brotar. Enrolei as mangas de minha camisa branca e abri os primeiros botões para refrescar um pouco.
- Eu acho que você deveria se casar de verdade com Maeve, não só um contrato de casamento assinado, mas uma cerimônia para todo o reino ver. Uma coroação. Dessa forma ninguém mais poderia dizer qualquer coisa sobre seu comportamento com ela, não poderão desrespeita-la.
- Eu não sei, Aldous. Deveria ter feito isso quando ela chegou e não quatro anos depois.
- Você é o rei, Sean, ninguém vai questionar suas atitudes.
Balancei a cabeça pensado no que ele havia dito. Poderia considerar isso, mas era o que queria? Eu desejava a presença de Maeve eternamente em minha vida.
- E outra coisa, meu amigo. - Continua Aldous.
- O quê?
Encaro-o.
- Vocês estão casados há quatro anos e ela ainda não concebeu, os nobres irão questioná-lo em breve sobre isso. Eles vão querer um herdeiro.
- Eu sei disso, mas eles podem ir para o inferno.
Meu amigo gargalha e torce a face em dor novamente.
- O que você queria falar? - Questiono para que diga logo o que fez tanto suspense para dizer.
- Lembra do que aconteceu quando éramos crianças.
Faço silêncio e ele continua a falar.
- Eu sei que ainda se sente culpado, mas escute. Quando os líderes da Escuridão enviaram seu feitiço para matá-lo, eu defendi você por impulso. Vi a escuridão se aproximando e sabia o que era aquilo, algumas pessoas na aldeia haviam sido atacadas e elas acabavam mortas ou manipuladas por eles. Ao te defender, a escuridão me feriu.
- Não precisa me lembrar dos detalhes, Aldous, me lembro perfeitamente.
Aquela conversa estava me incomodando e eu ainda não sabia o motivo pelo qual ele tinha ressuscitado esse assunto tão antigo. Sou grato por ele ter me salvado de uma vida de servidão ao mal, mas vê-lo sofrer por isso me incomoda tanto quanto esta ideia.
- Escute, Sean. Você sabe que depois disso, dentro de mim há uma ferida que não se cura. Não é uma ferida exposta, você sabe, mas é em minha alma e nem mesmo a maga sabe como curar.
- O poder da Escuridão só poderia ser detido pela Luz, mas a última elfa da Luz no mundo morreu e estamos condenados a atura-los. Nem mesmo a minha magia ou a de Aida é capaz de contê-los.
- Mas é aí que está a novidade.
Encarei-o com urgência.
- Descobriu algo novo?
- Descobri que dentro de Maeve há algo que cura a minha dor. - Espanto-me com sua declaração - Quando estou perto dela, não sinto dor. E este alívio dura por alguns minutos depois que deixo sua presença e depois volta tudo outra vez.
- Por isso estava se agarrando com minha mulher na minha cama?
A lembrança dos dois abraçados me toma novamente e a fúria volta a borbulhar dentro de mim.
- Era só um abraço, Sean. E que ciúme é esse, se você nem mesmo a fez sua.
Não suporto mais e mesmo ele sendo meu amigo, levanto-me e o puxo pela gola da camisa.
- Não me provoca, Aldous. Quer minha mulher, é isso?
- Sean, está me enforcando - A voz dele sai com dificuldade e vejo seu rosto branco tornar-se vermelho.
Empurro-o sobre os bancos de pedra e ele acaba caindo por sobre os bancos, e sentado na grama, segura a garganta e me encara.
- Escuta, cara, eu ainda não acabei.
- Então fale logo, minha paciência já está esgotada há muito tempo. Dormi mal esta noite, já interroguei uma empregada e mandei executa-la - Vi que os olhos de meu amigo arregalaram-se, mas é bom que ele veja que hoje não estou de brincadeira - Peguei você e Maeve se... abraçando... em minha cama e agora escuto desafora de sua parte.
- Acalme-se. - Aldous se levanta e quando ele faz a careta de dor novamente, lembro-me de tudo o que aconteceu e por que ele tem acesso livre ao palácio, mesmo não sendo parte dele.
Não me sento, somente encaro meu amigo que se senta ainda ajeitando sua vestimenta.
- Desembucha.
- Descobri que ela tem algo dentro dela que acalma a minha dor, cura temporariamente o ferimento deixado pela escuridão em minha alma, é por isso que sempre que podia eu ia até a casa dela.
- Na casa... você ia na casa que eu havia designado a ela e que ninguém além de Aida poderia se aproximar? - Ele confirma com um movimento de cabeça - Você desrespeitou uma ordem minha?
- Escute. A primeira vez foi um acidente, a encontrei tendo aulas com a Aida, mas então percebi que perto dela eu não sentia dor. E é tão bom ter um alívio das dores, Sean, você não sabe o quanto. E por isso eu sempre a visitava, às vezes mais de uma vez no dia quando dava.
- Por isso estava no quarto hoje.
- Também. Ela acabou se tornando uma amiga, e pensei que ela deveria estar triste aqui dentro do palácio sozinha e pedi ajuda a minha irmã. Trouxe algumas coisas para distraí-la durante o dia.
- Então Aida tem razão, existe alguma magia poderosa dentro de Maeve...
Me virei para ir embora, devia muito a meu amigo, mas minha paciência com ele hoje já estava esgotada.
- Preciso ir, vou contar a Aida o que descobriu.
- Sean...
Ele me chamou hesitante e eu me virei encarando-o.
- Cuide bem de Maeve, não a trate mal.
- Da minha mulher cuido eu, Aldous.
Virei-me bruscamente, enfurecido comigo mesmo. Como fui ser tão estúpido.