Capítulo 2 - 1 2 -

Eu não acordei exatamente onde achei que ia acordar. Me recordava de cada segundo dos meus últimos momentos, achando que já estaria em alguma prisão fria e de uniforme laranja, mas eu ainda estava no chão. Eu estava com a cabeça doendo, o sangue seco, com frio, com fome e num completo breu. Não me perguntei o que houve e nem o que aconteceu com o homem, só enfiei a mão por dentro do amontoado de roupas, percebi que ainda estava com todos os objetos roubados comigo, ouvi um barulho distante e peguei a saída de emergência por detrás do edifício.

Eu estava atrasada e corria o risco de ficar sem a grana do dia se não chegasse a tempo de me encontrar com Rato. Ele é uma espécie de manda chuva dentro do subúrbio. É pra ele que vendo as coisas que pego. Ele paga bem para os meus pequenos delitos, então não tenho do que reclamar. Não é um bom lugar para se frequentar à noite, pelo menos não para quem ainda não entende como as coisas funcionam. Rato é um apelido sorrateiro pra quem é pequeno, mas dá muito trabalho.

Já era tarde e a rua de acesso aos negócios estava movimentada. Ele ficava num estabelecimento de fachada, um bar meia boca no meio de alguns outros estabelecimentos. Por ali tinha de tudo um pouco, prostitutas, sexo fácil, drogas e casas noturnas que ofereciam qualquer tipo de negócio.

- Olha só, a rata de olho azul chegou. - comentou o barman, depois de todo mundo olhar pra mim quando entrei.

- Eu preciso falar com o Rato. - pedi me aproximando, enquanto alguns olhos próximos me olhavam curiosos.

- Está fora do horário - respondeu -, mas eu posso ver o que faço.

Não era do meu costume chegar fora do horário, já que Rato tinha negócios importantes para tratar. Ele fazia coisas que eu nem acreditava ser possível, mas se existiam boatos, corria um grande risco de existir verdades. Por tanto, procuro me meter o menos possível, apenas tentando fazer a minha parte.

- Talvez, um banho. - comentou um homem se aproximando e pegando em meu cabelo - E acho que o resto vai ficar muito bem...

- Aê! - respondeu o barman que voltou, e nem tínhamos notado. - É melhor ficar longe, Rato tem planos pra mocinha.

E mesmo depois de todos esses trabalhos para eles, eu ainda tinha medo dessas coisas. Por isso agradeci o homem silenciosamente e entrei para a porta dos fundos. Cheguei até o corredor final do estabelecimento sentindo o cheiro de cigarro, bebida e alguma droga que meu nariz não aguentaria por muito tempo. Um outro homem abriu a porta para mim e então me deparei com o Rato. Ele se vestia de terno e gravata de um jeito meio torto, estava com os olhos um pouco inchados e tinha duas mulheres ao seu redor. Dois homens saíram de lá de dentro quando cheguei, mas o ruivo barbudo, magro e com os dentes amarelos sorriu abertamente quando me viu.

- Olha só, quem é vivo sempre aparece. O que aconteceu com você? - perguntou dispensando as garotas.

- Dessa vez eu tive que correr demais. - menti, mas se tratando do Rato, ele não ligava pras minhas mentiras.

- Oh, que pena. - suspirou fingindo algo que eu nunca sei explicar - O que tem pra mim hoje? - perguntou enquanto me indicava a cadeira à sua frente.

Eu enfiei as mãos por dentro da blusa e tirei de lá anéis, broches, relógios e brincos. Debaixo do casaco tinha duas carteiras, das quais tirei pelo menos duas notas de cada antes de entregá-las ao Rato. Tudo estava sobre a mesa entre nós, a qual ele olhou tudo sorrindo.

- Uma belezura! - comentou pegando um dos objetos na mão. - Com você o dia sempre é produtivo... - comentou olhando os objetos e analisando com uma lupa de olho nas peças - É difícil encontrar gente assim, você tem sorte com jóias. Onde encontrou isso? - perguntou me indicando o broche.

- Na porta do hotel, com um dos clientes. - respondi indiferente, mas notando seu interesse em especial.

- Sabe o que é isso? - perguntou admirando a peça.

- Coisas de rico. - respondi dando de ombros, tentando esconder o que passei por conta da jóia.

- Isso vale uma grana... Uma boa grana... Você não faz ideia... - comentou vagando. - Onde pegou isso mesmo? - perguntou admirando a peça.

- Eu disse, na porta do... - ele bateu na mesa e eu levei um susto, pois repentinamente ele parecia estar mais nervoso, muito mais do que o normal.

- Onde você estava!? - eu engoli em seco, tentando entender porque isso era importante e porque ele gritava - Sabe o que é isso? - eu fiz uma negativa - Ninguém, que não seja da realeza, ou que tenha o sangue azul, descendente da coroa e esses blá blá blá imperiais, não pode ter um um desses....

- Eu peguei na frente do Central Hotel. - respondi, como se fosse impossível o que ele acabou de dizer.

- Exatamente, eles estavam todos lá! - riu de um jeito agonizante e louco - E AGORA VOCÊ TROUXE ESSA MERDA AQUI! - berrou batendo na mesa de novo.

Eu me assustei, a ponto de me levantar e me encostar na parede. Já vi Rato tendo várias crises, mas aquela era novidade. As coisas que levei caíram todas no chão quando ele tombou a mesa de raiva. E, antes que eu pudesse perceber, eu já estava tremendo com dois homens gigantes à minha espreita.

- R-rato? - perguntei vacilando.

- Ah, que isso... - respondeu banalizando a situação - Senta aí boneca, e menos drama. Você pode ficar, tomar uma bebida quente, tomar um banho, me "dá" e depois vai ser dispensada com a sua grana. Vai poder ficar uma semana de folga.

Sempre que tinha a oportunidade Rato se aproveitava de algum jeito, eu já não andava tendo oportunidade de me esquivar, mas tentei o meu melhor pra sair dessa.

- Eu ainda não apareci em casa e...

- Eu não estou nem aí. - me interrompeu, agora, sorrindo malicioso - Você está pensando o quê, que consegue me enrolar tanto? Eu até curti esse joguinho de " eu sou dificil", mas já encheu o saco. - explicou brincando com o broche.

Ele estalou os dedos, mal vi quando dois homens me pegaram pelo braço e me levaram para o fundo. O lugar era um mausoléu fedido e cheio de garotas fora de si, fui trancada em um quarto sem nem mesmo saber o que fazer. É claro que não é a primeira vez que ele arrisca algo assim, e dessa vez parecia que eu não teria escolha.

O lugar era ridículo, nem minha cama era tão ruim. Tinha pinos por todo o canto, camisinhas, calcinhas e fedia a algo esquisito. Eu era só uma rata escondida fazendo pequenos delitos, não queria acabar me tornando aquelas moças que parecem fora de si e...e ficam igual a minha mãe. Engoli em seco. O crime não compensa. Rato não compensa, e agora já era.

Encolhida no canto da cama, segurei minhas pernas me abraçando enquanto me confortava internamente. Eu tentava controlar minha respiração, e me assustei quando a porta foi aberta repentinamente, enquanto Rato surgia lambendo os dentes, sorrindo torto e trancando a porta. Logo ele estava do meu lado, onde se abaixou, pegou uma mecha do meu cabelo e respirou fundo, tacando a mecha em seguida e puxando minha cabeça.

- Que porra fedida! - resmungou, agora abrindo a barguilha da calça às pressas - Ah, que se dane!

Eu escondi o rosto, tentei não ver e nem fazer o que ele queria, mas ele puxou meu cabelo e eu segurei em seus pulsos para tentar me soltar. Nós ouvimos um grito, eu caí no chão e Rato olhou para a porta. Quando eu tentei me levantar direito, ele já fechava as calças novamente , abriu a porta xingando e saiu me deixando trancada lá. Meu cabelo tinha um tufão no chão, minha cabeça doía e eu já sentia as lágrimas queimar, mas eu ouvi mais gritos.

Com dificuldade me levantei, me aproximei da porta e tentei abri-la. Ouvi mais gritos, o que me fez encostar o ouvido contra a madeira, já que esta estava trancada. De repente, a parede se rompeu ao meu lado, dois homens caíram sangrando e as pedras se transformam em estilhaços levantando pó, e para a minha desgraça, era o mesmo oficial que estava do outro lado, com a mão suja de sangue. Alguém tentou atingi-lo, mas ele era ágil e forte. Pegou o homem levantando seu corpo, bateu-o contra a outra parede e antes do homem cair, empurrou a cabeça contra o concreto, fazendo mais um morto.

Ele tinha um aspecto totalmente diferente dos caras que existiam por ali. Até tinha alguns fortões de porte musculoso, mas com o ar seguro que aquele cara respirava, não tinha ninguém. O pior, foi me sentir extremamente sem graça com seu olhar carrancudo e pesado.

- A saylor moon do crime vai colaborar, ou vou foder com a tua vida até não aguentar mais, entendeu? - ordenou o homem.

Engoli em seco, e concordei.

            
            

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