- Você tem um amigo?
- Sim. - Algo estranho passa por seus olhos. -Ele é um velho amigo.
Eu acho que você vai gostar dele.
- Por que eu não o vi antes?
- Porque eu o conheci antes de você nascer, menino.
- Eu vou conhecê-lo agora?
- Esperançosamente.
- Ele vai brincar de bruxos e ogros conosco?
- Vamos tentar convidá-lo.
Um som suave vem atrás de nós. É tão silencioso quanto um pássaro pousando em uma folha morta, mas Mammy congela e coloca um dedo na minha boca.
Eu fico em silêncio. Não me importo de ficar aqui, mas se Mammy estiver indo embora, quero ir com ela também.
- Tudo limpo, - diz um homem de uma maneira áspera. Acho que é Luke, o padrinho de preto do papai. Ele veio da Irlanda.
Papai é o chefão da Irlanda também. Eu me diverti quando fomos lá meses atrás, mas acho que Mammy não.
Ela me disse que é da Irlanda do Norte e o papai é de Dublin. Aparentemente, a Irlanda do Norte e a Irlanda são países diferentes, mas falam de maneira semelhante. Não muito parecido, porém, porque papai odeia quando falo como mamãe. Mas gosto de como Mammy fala, é como os anjos falam. Papai não sabe de nada.
Luke e sua voz desaparecem, mas ela continua segurando minha boca por um longo tempo antes de soltar um suspiro.
Ela então coloca o telefone no ouvido novamente. -Vamos! Vamos. - Seus olhos brilham mesmo no escuro. -Oh! Graças a deus. Onde está você? Sim, estou no portão dos fundos. Já desconectei as câmeras e não demorará muito para que alguém descubra. Eu tenho apenas alguns minutos. Kyle está comigo.
Ela escuta um pouco, depois treme como uma criança no frio. Eu acaricio sua bochecha com meus minúsculos dedos para fazê-la se sentir mais quente como ela faz comigo.
Mammy está muito concentrada no telefone enquanto sussurra. -Ele sabe. Não demorará muito para que ele nos mate.
Seus lábios ficam pálidos enquanto ela ouve mais um pouquinho. Eu odeio aquele com quem ela está falando porque ele está deixando mamãe infeliz. Eu vou dar um soco nele.
- O que você quer dizer com você está atacando? Isso não é o que você prometeu. Você disse que me ajudaria a sair daqui. Eu preciso sair. A Irlanda e os Estados Unidos não são mais seguros para nós e...
Ela para quando estrondos altos explodem na casa.
Pop. Pop. Pop.
Eu me encolho em seus braços e Mammy me abraça, com lágrimas escorrendo pelo seu rosto enquanto ela fala com o homem mau ao telefone. -Eu confiei em você, um russo, acima de meus próprios compatriotas, como você pode fazer isso comigo?
Ela não espera por uma resposta enquanto enfia o telefone no bolso e sai correndo. Os pops estão cada vez mais próximos, como nas histórias que ela me contou enquanto fazia os efeitos sonoros.
Mesmo que ela esteja tremendo, ela não para até que ela alcance uma pequena parede sem fios em cima. Ela agarra minhas mãos e as enrola em seu pescoço. -Segure firme e não solte, Kyle.
- Certo.
Ela tira meu cabelo do rosto e sorri, mas está cheio de lágrimas. -Você é um bom menino, querido. Você não deveria ter nascido neste mundo. Eu não deveria ter trazido você para este caos. Mammy sente muito, mas vou fazer isso melhorar.
Mammy começa a escalar a parede enquanto eu a envolvo.
- Onde você pensa que está indo, Amy?
Mammy engasga.
Minha cabeça segue lentamente a voz para olhar para papai. Seus olhos escuros brilham na noite e o sangue escorre pelos nós dos dedos porque ele gosta de socar as pessoas.
Ele se parece com um dos homens raivosos naquela pintura com anjos.
Mammy pula e me segura com força enquanto o encara. -Apenas nos deixe ir, Niall.
- Ir para onde?
Tento olhar para ele, mas ela envolve minha cabeça com a mão para me impedir, empurrando meu nariz e minha boca em seu ombro.
- Você já sabe.
- Já sabe o quê?
- Eu só quero ir embora. Não estamos seguros!
- Não é seguro? Eu dei tudo a vocês. Tudo. Você era um ninguém e eu fiz algo de você, e é assim que você me retribui? Acho que ninguém pode mudar uma prostituta, pode?
- Não diga essas palavras na frente de Kyle, - ela sussurra. -Pelo menos me respeite na frente dele.
- Você me respeitou? Você pensou em mim, porra? - Ele ruge. - Leve-o, Luke.
- Nããão, - mamãe grita enquanto Luke me arranca dela.
Tento segurá-la com todas as minhas forças, mas Luke me puxa com braços de aço. Seus golpes e gritos caem em ouvidos surdos. Tento mordêlo, mas ele nem mesmo estremece de dor.
- Mamãe! - Lágrimas caem pelo meu rosto e eu as limpo com as costas da minha mão, porque papai não gosta quando eu choro.
Ela me encara por um segundo, sem se preocupar em enxugar o rosto, depois se vira para o papai. -Não o machuque. Por favor.
- Você é quem o machucou quando me traiu, Amy. Uma vez não foi suficiente, então você me apunhalou nas costas duas vezes. Agora, você terá que pagar. - Ele encara seu outro homem de preto, Patrick. -Leve ela embora.
- Por favor... por favor, Niall. Eu prometo que vou ser boa. Eu pprometo.
- Você também fez a mesma promessa outra vez, mas a cumpriu? Você me honrou como eu honrei você? Eu deveria ter ouvido quando eles disseram que uma prostituta sempre será uma prostituta. - Ele acena para Patrick com a cabeça. -Prenda ela.
O homem de preto a agarra pelo braço com tanta força que ela estremece.
Meus lábios tremem e eu torço contra o aperto de Luke. -Mammy!
Mammy, não vá embora! Você disse que sempre estará comigo!
- Cale a boca, Kyle, - papai repreende.
Normalmente, eu ouviria, mas não posso esta noite. Esta noite, quero que Mammy me abrace e me coloque de volta no sono, mesmo que não seja em nossa nova casa. Podemos apenas ficar com o papai para que ele não fique bravo.
- Querido. - Ela sorri para mim através das lágrimas. -Vai ficar tudo bem.
- Mesmo?
- Mesmo. - Ela encara o papai novamente. -Eu direi a você.
- Você vai me dizer o quê?
- Tudo o que sei sobre o ataque dos russos. Além disso, você deve saber que há um traidor ao seu lado.
Ele estreita os olhos. -Por que eu deveria acreditar em você?
- Porque eu não gostaria de ir embora se ele não fosse uma ameaça.
- Você realmente vai me contar tudo?
- Sim, mas você tem que me deixar ficar com Kyle.
- Você nunca vai escapar de novo? - Ele não parece mais bravo, apenas... triste. Mas por que? Papai nunca fica triste.
Mammy balança a cabeça uma vez. -Eu não vou.
- Como posso saber se você não está blefando?
- Eu nunca colocaria Kyle em perigo. Você sabe disso.
- Certo. Prossiga.
Ela abre a boca para falar, mas permanece suspensa sem nenhum som enquanto um pop alto ecoa no ar.
Prendo minha respiração e minhas lágrimas, sem saber o que aconteceu. Um líquido escorre do centro de seu peito, ensopando a jaqueta preta enquanto ela cambaleia e cai nos braços de Patrick.
- M-Mammy...? - Minha voz é baixa, hesitante. Ela não está se movendo.
- Amy! - Papai berra, caindo de joelhos na frente dela. -Pegue o filho da puta que fez isso!
Patrick larga Mammy e corre na direção oposta, mas não me concentro nele. A única coisa que posso ver é Mammy no chão, incapaz de se mover. Por que ela não pode? É por causa da mancha de líquido em seu peito, que papai está apertando?
- Mammy... - Eu chamo para ela de novo porque ela sempre responde.
Ela não responde agora. Sua cabeça está pendurada para o lado e ela está tossindo sangue. Isso não pode ser bom. Mammy disse que sangue sai das pessoas quando elas estão machucadas.
- Amy... porra... - Papai segura a bochecha dela com mais força. - Fique comigo... eu vou perdoar qualquer coisa se você apenas... ficar.
- K-Kyle... - ela murmura.
Papai acena para Luke, e ele me coloca de pé ao lado dela. Seus olhos estão semicerrados como se ela quisesse dormir, mas ela sorri para mim. - S-Sinto muito, querido. Mammy sente muito.
- Por que?
- P-Porque eu não pude proteger você.
- Eu irei. - Papai coloca um braço em volta do meu ombro. -Então não vá. Kyle é a razão pela qual você passou por tudo isso, então é inútil se você morrer agora.
- Você é um bom homem, Niall. Você realmente é, mas você é influenciado por maçãs podres que obscurecem sua razão. - Ela coloca a mão em cima da dele. -Eu nunca me arrependi de tomar a decisão de estar com você. Você nos manteve seguros como prometeu e... e-eu serei eternamente grata.
- Amy... você não tem permissão para ir.
- E se você já me amou, cuide de Kyle... por favor...
- Mammy... - Eu coloco minha pequena mão em sua boca, enxugando o sangue. - Você está ferida?
- E-Eu acho que sim, querido.
- Vou remover o sangue, então você não fica. - Eu limpo com a manga do meu casaco, mas continua saindo uma e outra vez, escorrendo pelo queixo.
- E-Esse é meu bom menino. - Ela sorri um pouco. -Você nasceu para grandes coisas, querido. Deixe a mamãe orgulhosa, certo?
Os lábios do papai são finos. -Pare de falar assim, Amy.
- Você cuidará dele, Niall?
- Você vai acordar e fazer isso sozinha.
- Prometa que o criará adequadamente. P-Promessa.
- Eu irei.
Seus lábios permanecem congelados em um sorriso enquanto uma lágrima desliza por sua bochecha. -Obrigada...
Ela pisca uma vez, então para completamente, seus olhos bem abertos, mas sem olhar para mim.
- Mammy! - Eu grito. - Mammy!
- Porra, - papai murmura baixinho, ainda agarrando ela pelo peito.
-Porra, porra!
- Por que mamãe não está se movendo? - Eu grito. -Ajude ela! Ela está machucada.
Ele aperta meu ombro e é como se ele estivesse prestes a esmagar meus ossos. -Sinto muito, rapaz. Sinto muito.
- Eu não quero que você se desculpe. Eu quero que Mammy se mexa.
- Leve ele para o quarto dele, Luke.
- Não tão rápido. - A voz familiar vem atrás de nós.
Papai se vira, mas já é tarde demais. Um pop ecoa no ar e uma mancha vermelha explode na camisa branca de papai. Sua mão cai do meu ombro enquanto ele cambaleia e seu rosto atinge a grama.
- P-Papai...?
Eu fico olhando para como ele está esparramado em cima de mamãe, mas eles não estão se movendo. É como se eles estivessem dormindo, mas eles não deveriam estar dormindo com os olhos abertos e sangue por toda parte, certo?
O sangue tem que ter sumido.
Tudo isso.
Eu me viro para dizer a Luke para ajudá-los, mas alguém me bate no rosto. Meu corpo balança para trás e eu caio no chão com um baque. Minha visão se move entre meus pais, incapaz de tirar meus olhos deles. Se eu dormir, eles estarão lá de manhã, certo?
- O que devemos fazer com o rapaz, chefe? Matar ele? - Um dos homens de preto pergunta.
- Sim, claro. Ele é uma responsabilidade de que precisamos cuidar, - responde outro.
- Não. - Aquele que atirou em papai os interrompe, seus olhos brilhando na noite escura. -Eu tenho planos melhores para ele.