Capítulo 2 POR FAVOR ECONOMIZE EM SUAS AUSÊNCIAS

Saí do meu transe quando a voz calorosa do Victor, melhor amigo do Luka, invadiu os meus ouvidos e me puxaram pra realidade. Olhei-o sorrindo imediatamente e dei mais um passo para frente entrando totalmente na casa, tentando não me ater as imagens a minha volta. Abracei primeiro o Victor que se enfiou na minha frente e depois abracei as meninas que vieram correndo no meio da multidão assim que me viram um fiapo do meu cabelo chocolate entrar pela porta.

Nesse momento eu já não sabia mais onde o Luka estava, queria eu não estar pensando nisso, mas a curiosidade era maior que eu, então olhei disfarçadamente envolta e o vi colado na Sophia, sua vizinha, acariciando sua perna. No mesmo momento sorri para disfarçar o quão decepcionada eu estava por estar ali presenciando aquela cena depois de um bom, mas cansativo, dia de trabalho.

Andei mais um pouco pela multidão tentando chegar o mais rápido possível até o barzinho que havia na copa, me sentei em um banquinho e comecei a beber algo que cheirava a uma tentativa de mojito pelo rum branco, o hortelã e a agua com gás, mas era apenas uma tentativa não me entenda mal, mas na minha situação até álcool de posto satisfariam meu desejos amnésicos. Quando me dei conta, já estava no oitavo copo e tudo que eu cheirava era a álcool, quem dera fosse do perfume. Eu mal conseguia pronunciar palavras simples, apenas ria e me enchia do que agora era apenas doses de rum, tequila ou seja lá o que era isso que o Victor colocava no meu copo para que eu aguentasse suas piadinhas sobre o casalzinho sentado no sofá da sala em clima quente como se tivessem 18 anos. Como uma resposta as piadas, a alteração causada pela bebida e a minha mente de azarada, porém orgulhosa, eu disse:

-Victor, shiu! Deixa eles, eu não estou me importando, Luka é apenas meu amigo. O que tivemos já passou e se eu quiser beijar você, eu beijo, está bom? –Ri fechando os olhos e nesse momento senti belas doses de arrependimento subindo pelo meu corpo enquanto sentia minha cabeça rodar sem parar como quem acabou de sair de um gira gira.

-Eu duvido, duvido que você tenha coragem. Você, Perola, beijando o ele? Duvido, amiga. – A voz da Cecilia fez um eco na minha cabeça enquanto eu via o Victor se aproximando.

-Ou, ou, menos. Eu disse se eu quisesse. E eu não quero. Nada contra quem quer, ta Victor?– Respondi rápido como quem estava em fuga de um carro de polícia.

Ele apenas riu dando alguns passos para trás, o que me fez levantar do banquinho. No mesmo instante ouvi o barulho do ranger da portar tirar nossa atenção e me virei de costas dando um sorriso entredentes ao ver a Sophia ir finalmente embora. Assim que a porta se fechou todos os quatro sentaram rapidamente nos banquinhos inserindo um assunto nada ver enquanto fingiamos não estar olhando naquela direção. O Luka veio andando até nós e a Barbara como quem não entendeu a dinâmica de agir naturalmente disse antes mesmo que ele chegasse:

-Finalmente, o senhor Embid voltou pro meio de nós. Agora ele não tem mais amigos, só existe a Sophia. –Todos rimos em resposta a afirmação dela e logo me levantei dizendo.

-Tá muito bom, foi muito proveitoso, aprendi uma pá de receitas decepcionantes como vocês hoje, mas agora eu vou embora. – Cambaleei um pouco esticando o braço para me segurar no móvel a minha frente e ouvi o Luka dizer.

-Você não vai dirigir assim nunca, Perô .

-Relaxa, não me atrevo a por nem meia unha naquele volante hoje. Vou deixar meu carro aqui, bairro de rico ninguém vai querer roubar esse humilde carro estacionado na rua. Amanhã eu busco, Luka .

Ajeitei minha saia, me reequilibrei e busquei no celular um carro por aplicativo para que eu pudesse ir embora. Aproveitei que o motorista estava a 5 minutos da casa e comecei a me despedir dos nossos amigos. Assim que beijei o rosto do Victor senti meu celular vibrar, olhei para a tela apertando os olhos para enxergar e li o aviso de que o carro estava chegando. Não pensei nem duas vezes antes de decidir me despedir do Luka apenas de longe e me virar caminhando em passos lentos até o carro que me esperava do outro lado da rua.

Depois de entrar no carro, não me lembro de mais nada. Voltei a me situar somente quando o sol bateu insistente na minha janela fazendo com que os raios queimassem meu rosto, se eu não me lembrasse o motivo pelo qual eu estava quase sendo cegada pelo sol da manhã eu me condenaria, mas bêbado tem sempre um desconto. Eu não fazia a mínima ideia de como eu fui do carro até ali, mas cheguei e parecia viva. Então como um relampejo de sanidade toquei o meu corpo em busca de algo estranho e percebi estar inteira e vestida com as mesmas roupas do dia anterior. Minha cabeça doía e eu certamente fedia a limão curtido em álcool por dias, ou cheiro de balada molhada no dia seguinte, podem escolher. Essa situação me fez balançar entre me levantar para mais um dia de trabalho ou ligar desesperada para a Bárbara pedindo um atestado para que eu pudesse ficar o dia inteiro na cama. O meu celular vibrou fazendo com que eu desistisse do atestado e antes de procura-lo rezei mil pai nossos para que aquele barulho não fosse alguém me avisando que eu esqueci algum compromisso. Olhei-o de rabo de olho e vi que se tratava de uma mensagem e não era um número ao qual eu reconhecesse, já que não estava salvo em minha agenda. Então me arrastei até onde o aparelho estava e vi a mensagem do meu cliente do dia anterior "Ficarei com o terceiro apartamento que vimos, aquele que você disse que fica a três quadras do seu, o que é muito bem localizado, tem supermercados, farmácias, tudo por perto. Pode fecha-lo pra mim. Podemos nos encontrar hoje a noite pra assinar os papéis?". Respirei aliviada de ter feito o meu mês com aquela venda e logo recuperei minhas forças o respondendo com uma mensagem cheia de animação: "Fico muito feliz que tenha gostado, ele é bem o que você procurava, não é? Eu vou providenciar todos os papeis para hoje então. Podemos marcar sim. Você me manda o endereço?" .

Pulei da cama como um raio e saltitando fui até o banheiro me recuperar totalmente imergindo em um banho quente, daqueles de queimar a pele. Hoje não precisaria sair de casa, graças a Deus, pois mesmo depois de horas de banho eu ainda fedia a álcool. Enfiei-me em um moletom preto qualquer de fundo de armário e procurei o rumo da cozinha preparando um café preto, forte e sem açúcar capaz de curar qualquer ressaca e um sanduiche, pois como diria minha querida mãe, saco vazio (e desidratado) não para em pé. Enquanto eu esperava meu salvador da pátria ficar pronto, pra muitos é só um café, o celular vibrou mais uma vez, mas agora eu sabia de quem se tratava já que a tela acusava o nome, era o meu cliente, Jason : "Eu vou te buscar, não se preocupe. Me passe seu endereço e esteja pronta as 20h. Beijos.". Ri da mensagem por alguns segundos ao perceber o quão prepotente é o homem, mas acabei concordando e lhe passando o endereço. Peguei então o sanduiche e a xícara de café, que na verdade deveria ser uma jarra, e fui até um mini escritório que eu tinha em casa para preparar a papelada do apartamento do Jason e me afunda e mais um monte de papéis de imóveis por horas. Daí em diante meu dia se resumiu em papeis, ligar no restaurante de massas da esquina do meu apartamento para pedir algo para almoçar, mais papeis, comer, papeis, gastar cinco minutos para fuxicar a vida do Luka nas redes sociais, mais papeis, organizar os papeis, sair correndo para levar para autenticar os papeis, já que só as 15h me lembrei que o cartório logo fecharia, ir no salão fazer as unhas, que se não fosse a mensagem de aviso eu esqueceria também, voltar para casa e colocar os papeis em uma pasta personalizada com o nome da minha imobiliária para o cliente.

O barulho do relógio da igreja mais próxima me fez lembrar que daqui a uma hora eu teria um compromisso, foram tantos papeis que quase tive que contar nos dedos quantas vezes o sino tocou para deduzir isso, minha mente estava frita. Então me levantei indo tomar um banho rápido, ao chegar na frente do espelho me cheire me certificando de que o rum, tequila ou seja lá o que era aquilo já não estava mais presente e respirei aliviada ao sentir apenas o cheiro do sabonete liquido do banho. Voltei para o quarto me sentando na frente da penteadeira e rapidamente pensei "É Perola, você não tem mesmo mais 18 anos, uma noite de diversão e suas linhas estão ainda mais aparentes, os 28 estão mais próximos dos 30 do que nunca. Ri após fazer minha pequena observação e gastei alguns minutos me maquiando um pouco, mas de forma simples onde só o batom vermelho que deixavam meus cabelos ainda mais chocolate se destacavam. Aproveitei o batom para que eu pudesse parecer sexy, porém de forma velada, já que se tratava de um cliente, e completei o look com um coque baixo deixando as franja solta e um pouco ondulada. Procurei em meu guarda-roupa um conjunto de saia midi e blazer e encontrei um que tinha o blazer cropped, a saia midi com fenda traseira e preto, ótimo se encaixaria perfeitamente na ocasião. Coloquei um brinco pequeno com uma pedra ametista e enquanto calçava uma sandália de tiras preta a mensagem do Jason brilho na tela do meu celular, informando que já havia chegado. Corri até o guarda-roupa ainda amarrando a sandália para pegar a primeira bolsa preta de corrente prata que eu achasse e borrifando perfume coloquei minha carteirinha de documentos nela, o batom, meu celular, as chaves e no caminho até sair do apartamento peguei a pasta de documentos a carregando em uma das mãos enquanto terminava de me ajeitar com a outra. É, sou a prova de que mulheres conseguem fazer 50 mil coisas ao mesmo tempo. Enquanto esperava o elevador mandei uma breve mensagem de voz informando a ele que eu já estava descendo. Quando, finalmente, cheguei até a portaria, vi ele escorado ao carro de forma despreocupada e vestido igualmente a um homem pronto para fechar negócio. Minha única reação quando ele se virou para a porta do prédio foi tentar disfarçar minha cara de surpresa e satisfação, talvez eu estivesse até babando, mas nossa Perola negócios são negócios, e hoje eles não são sexuais, apenas imobiliários. Sim, era um homem e tanto, mas eu como uma mulher e tanto me concentraria no meu trabalho.

Coloquei o resto de dignidade que me sobrou após aquela cena no rosto, se é que corretora tem isso, e andei até ele sorrindo. Entreguei a ele a pasta com os papeis que ele deveria assinar e ele sem nem mesmo olhar para ela me guiou até a porta do carona, onde me sentei colocando o cinto, segurança em primeiro lugar e cruzei as pernas como alguém que graças aqueles papéis na mão dele em breve estaria com uma boa quantia na conta. O caminho até o restaurante se fez rápido apesar do silêncio ter se instalado no carro. Tão breve que mal pude perceber ele freiar o carro na frente do restaurante e me perguntar.

-Tá tu bem mesmo? Você parece estar nervosa, está estranhamente quieta. - Minha única reação foi sorrir para ele, já que as palavras que saíram da minha boca não podem ser consideradas nada além de: Perô, você é burra! Ou perdeu totalmente a noção do rídiculo.

-Deve ser o seu cheiro, tá me deixando nervosa. - Balancei a cabeça negando ao perceber o que eu tinha falado e ele riu tirando os cintos para me olhar de frente enquanto respondia para tentar me tranqulizar.

-Calma, Perola Mint! Se fosse assim eu também deveria estar extremamente nervoso.

Algo me diz que eu tinha passado vergonha, algo? Na verdade minhas bochechas queimando e combinando com meu batom afirmavam que eu havia passado vergonha. Porém, nessa altura do campeonato não me restava nada além de me acalmar, já que até ele mesmo havia levado tudo numa boa. A verdade é que eu nem havia saído do carro ainda, mas percebi que aquela noite seria longa de duração e breve de consciência. A ausência de alguém com certeza me faria cometer loucuras, já que enquanto alguns se fazem presente (mesmo que por apenas uma noite), outros se fazem cada vez mais distantes. Ausência de amor para mim, Perola Mint, talvez signifique motivos para fazer coleção de arrependimentos. Talvez eu devesse suplicar pra que economizasse nos sumiços.

                         

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