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2. Futuro roubado
A tragédia que perseguia a família Nakamura aconteceu com o bisavô de Nuya, que na época era um jovem construtor, e sua tia-bisavó, uma médica formada graças a muito sacrifício da família. Enquanto seu bisavô era um dos principais responsáveis pela construção de uma importante barragem dos arredores da hidrelétrica de Oshia, sua tio-bisavó tratava o filho do prefeito Ozu, que ao completar dezessete anos foi acometido por uma doença terrível que ninguém conseguia descobrir o que realmente se tratava. Quando o rapaz teve uma melhora realmente impressionante, a família Ozu pressionou a tia-bisavó que acabou prometendo que o garoto sobreviveria. Dois dias depois, ele faleceu e ao mesmo tempo, a barragem se rompeu e suas águas destruíram uma vila inteira. O povo de Oshia supersticioso como é então logo deduziu a causa de toda aquela desgraça: O espírito do filho do prefeito, revoltado pela promessa quebrada da tia-bisavó destruiu a barragem com sua irá e amaldiçoou os Nakamura, desde então tragedias e mais tragedias assolam a família e fazem com que as pessoas os tratem com certo desprezo, pois não querem que a irá do espírito do rapaz respingue sobre eles.
- No que tanto pensa, Nuya? - indagou a idosa, assim que chegou a sala
A jovem estava sentada sob o Zabuton em volta da Chabudau de madeira clara, para combinar com o tom daquele comodo. Suas olheiras fundas denunciavam a noite mal-dormida, seus pensamentos vagueavam entre sua preocupação com a corte e com as histórias sobre as desgraças de sua família e a origem de tudo aquilo.
- Acho que estou ficando um pouco doente, Baa-chan. - a jovem disfarçou, antes de terminar seu café da manhã nada saudável
A velha Mahima estalou os dedos após longos instantes imóvel em frente a porta deslizante, provavelmente tentando se lembrar do que fazer.
- Farei um chá para você, Nuya. Vai se sentir renovada depois que o tomar...- prometeu ela, ao se virar - Acha que seu irmão vai querer um pouco também? É sempre bom tomar algo que ajude nossa saúde, não é mesmo?
Nuya não pode deixar de revirar os olhos involuntariamente.
- Faça mais, Baa-chan, faça mais. - pediu, com cansaço
Após passar por todo aquele tormento nos últimos tempos, ela começava a se questionar se talvez a maldição fosse verdadeira. E se fosse, será que o espírito ainda estaria tão furioso ao ponto de acabar fazendo seu destino ser a corte? Ela percebeu o suor em suas mãos, mas logo balançou a cabeça e começou a se repreender mentalmente por se deixar abalar por aquilo, Oshia era uma província pequena, mas ela não seria convocada. Durante o dia, enquanto fazia suas tarefas, ficou se questionando o que aquela notícia estava causando na cidade. O convocado não era obrigado a aceitar entrar na competição, porém quem a rejeitasse indiretamente condenava sua província a anos de escassez e pouco investimento vindo do governo, o que coagia as pessoas a entrarem na competição e se manter por lá até ao menos a terceira ou quarta prova para então pedir sua desistência por algum motivo bobo, pois até lá o público já teria seus casais favoritos e sair sendo uma sombra, que era como apelidavam os casais sem carisma e com a popularidade baixa, sua saída não causava grandes impactos na competição. Ela passou boa parte do dia se mantendo focada nos afazeres da fábrica, e por sorte conseguiu, precisava fazer tantas funções que não sobrava tempo para ficar devaneando sobre toda a confusão que a convocação estaria causando por aí. Quando o sol já estava se pondo, ela caminhava de volta para casa e enquanto passava ao lado do lago, deixou sua mente vagar pelas tantas lembranças boas que fez ali, até passar ao lado da cerejeira e sentir seu corpo se arrepiar ao se lembrar do dia em que encontrou o corpo de sua mãe pendurado por uma corda em um dos galhos. Por mais triste que se sentisse, vagarosamente pelos últimos tempos ela começou a entender o quão desesperador sua mãe se sentia, pois estava começando a se sentir igual.
- Nuya! - ouviu alguém chamar.
Surpresa por ouvir uma voz que não fosse a de sua avó por perto, a garota olhou para todos os lados até finalmente encontrar Jin, o filho do senhor Gardner, apoiando as mãos na cerca de madeira que demarcava as terras dos Nakaura. A jovem abriu um sorriso ao ver o velho amigo, deixando de lado todos aquelas lembranças ruins
- Olá, senhor estudante! - cumprimentou ela, ao se aproximar da cerca de madeira velha, abrindo um sorriso
Jin possuía baixa estatura, como o pai, era um pouco mais baixo que Nuya e desde que a jovem poderia se lembrar do rapaz, ele sempre estava usando um par de óculos de armação escura e redonda. Seu cabelo preto e liso estava muito bem cortado e sua pele pálida não parecia possuir uma sequer marca, ele deveria prezar muito por sua aparência já que vivia na capital.
- Meu Deus, sinto como se não te visse a anos...- disse ele, retribuindo o sorriso
Da última vez que os amigos de infância se viram, Nuya não estava passando por uma boa situação e agora parecia pior, por um momento, ela sentiu vergonha por sua aparência que já não ganhava muita atenção há tempos graças a tantas coisas com que ela deveria se preocupar.
- O que faz aqui, Jin? - indagou ela, mudando de assunto
O rapaz usava uma jaqueta Jeans escura com diversos broches da instituição em que estudava, Nuya sentia orgulho de Jin, afinal foi um dos únicos que cresceu junto dela e de seu irmão que conseguiu sair de Oshia por ter um futuro promissor e não acabar preso em situações degradantes como muitos outros que acabaram presos, mortos ou as tantas garotas que acabaram indo parar nas famosas casas de banho das províncias ricas.
- Sabe muito bem que não poderia vir para Oshia e não vir te visitar. - respondeu ele.
Nuya pendeu a cabeça para o lado e viu a bela moto estacionada atrás do rapaz.
- Já que está aqui, venha jantar conosco! - pediu ela, que logo estreitou os olhos ao perceber que o amigo pensava numa desculpa - Não aceito um não como resposta, Jin.
O rapaz riu baixo e então ambos começaram a caminhar em direção a casa conversando e separados pela cerca, Nuya segurando um balde com algumas coisas de limpeza e Jin empurrando sua moto.
- Como sua avó está?
Nuya suspirou com cansaço
- Cada dia pior. - confessou, com tristeza
- Então andou mentindo para meu pai?
- Todos têm seus problemas, Jin, não posso aceitar que tenham que lidar com os meus. - ela se defendeu
- Você realmente não aprende, Nakamura, sempre foi assim, desde quando eramos crianças é uma cabeça dura....- ele resmungou, balançando a cabeça
Quando finalmente chegaram a frente da casa, a velha Mahima ficou extremamente contente em saber que teriam companhia e logo já colocou outro prato a mesa, ela se lembrou vagamente de Jin e do quanto ele era amigo de Nuya e Yuri. Os três jantaram conversando e rindo, nem sequer prestando atenção as notícias urgentes que a televisão transmitia sobre os primeiros convocados para a corte já terem recebido seus chamados e sobre um mal súbito que a rainha Usha sofreu ao saber que o estado de saúde da princesa Padma piorou nas últimas horas. Quando terminaram, Nuya e Jin se encarregaram de lavar a louça e logo depois, se sentaram nos degraus da varanda para conversar mais um pouco e assistir aos vaga-lumes que sempre se fizeram presentes aos montes na fazenda dos Nakamura.
- Vou me formar dentro de três meses. - disse Jin, com orgulho - não posso acreditar que finalmente vou terminar meus estudos! Se passar na prova, vou poder ser chamado de advogado! Advogado de verdade!
Nuya sorriu
- Fico realmente feliz por você, Jin. - disse ela, encostando a cabeça no ombro do rapaz - me diga, como é Pryon? Eles transmitem muito sobre a cidade na TV, mas estar lá deve ser outra coisa...
Ele pendeu a cabeça para os lados, pensando
- Pryon é boa para os ricos. - contou ele - as partes abastadas parecem ter saído de algum livro de história antes da terceira guerra, são realmente muito bonitas, eles tem ar-condicionado em absolutamente todos os lugares e os empresários mandam construir monumentos de ouro em frente aos seus empreendimentos, quanto mais monumentos você ver, significa que aquela pessoa possui muito poder. - fez uma pausa - Eu vivo em um alojamento para estudantes próximo à faculdade, não saio muito de lá. - ele confessou - Levei uma garota a um encontro e pude ver um pouco do palácio pela janela do restaurante, era bem distante, mas era uma vista bacana. O palácio parece ter saído de algum daqueles livros que minha mãe costumava contar para gente quando eramos crianças, lembra-se?
Nuya sorriu
- Como poderia me esquecer? - retrucou, voltando seu olhar para as árvores distantes
Ambos se mantiveram em silêncio por algum tempo, escutando os sons da natureza do entorno.
- Você parece tensa. - Jin observou, com certa preocupação
A garota se espreguiçou
- Viu a lista, certo? Não sei como pode estar tão tranquilo sabendo que alguém de Oshia será convocado. - ela respondeu, baixando o olhar
A expressão no rosto de Jin automaticamente mudou, seu olhar se desviou do rosto da amiga com rapidez
- Faço estágio dentro do parlamento. - sussurrou - eu não deveria ter tido acesso àquelas coisas, na verdade, tudo foi um grande engano. Sou só o cara faz-tudo ali. - ele disse, com nervosismo
- Do que está falando, Jin? - Nuya perguntou, franzindo a testa
- Eu tive acesso a alguns documentos sobre a corte. Eles vão convocar alguém importante de Oshia, não acho que precisamos nos preocupar com isso. - ele contou, balançando a cabeça - se alguém descobrir que li aqueles documentos, acho que eu serei condenado a morte.
Nuya continuou encarando o amigo, boquiaberta
- Sabe quem vai ser convocado? - foi tudo o que conseguiu perguntar
Jin se levantou enquanto colocava as mãos nos bolsos da calça
- Olha, Nuya, apenas não se preocupe com a corte. Tente se preocupar com problemas reais, e esqueça isso. - disse ele, com seriedade - Acho melhor eu ir, já está tarde...
Jin caminhou em direção a moto, alguns instantes depois a garota o seguiu e lhe deu um abraço, por mais curiosa que estivesse, logo ela assim como toda Titânia descobriria quem representaria Oshia na corte, e pelo jeito desconcertado que Jin falou sobre como descobriu os nomes da lista de convocados, ela achou melhor não insistir. Lidar com questões do governo em Titânia era extremamente complicado e poderia custar sua vida e a de todos a sua volta caso você tomasse alguma atitude que o governo interpretasse errado.
- Depois de amanhã eu virei até aqui bem cedo para te ajudar, e não estou nem aí se você não quiser, está certo? - ele informou, ao subir no veículo
Ela respirou fundo
- Tudo bem, aceitar uma ajuda forçada cai bem às vezes. - ela respondeu, arrancando uma risada do amigo.
A jovem observou enquanto Jin sumia de vista, e quando se encontrou sozinha, entrou em sua casa e logo foi dormir, pois o dia seguinte seria extremamente atarefado como sempre.
[...]
Nuya despertou escutando sons repetitivos vindos de seu velho aparelho celular. Ela se sentou na cama, ainda confusa, pois ninguém faria uma ligação para ela ou suas redes sociais receberiam muitas visitas, afinal ela era uma ninguém e sempre foi assim. Soltou um grunhido quando seus olhos tiveram contato com a luminosidade do aparelho assim que tomou coragem para pega-lo da mesinha de cabeceira ao lado da cama, irritada com os sons emitidos que não paravam. Mas logo involuntariamente ela arregalou seus olhos ao ver quantas notificações se acumularam ali durante a madrugada e a cada segundo centenas a mais chegavam. Ela gelou, tentando se recordar se em algum momento de sua vida havia trocado fotos intimas com seu ex-noivo e agora poderiam ter sido vazadas na Internet, mas ela nunca havia feito tal coisa e somente aquilo poderia justificar tanto interesse nela. O aparelho começou a travar graças a tantas e tantas notificações, e no meio de todo aquele caos, Nuya finalmente conseguiu checar seu e-mail e o que tinha ali a fez entrar em choque.
''O governo de Titânia parabeniza você, senhorita Nakamura, por se voluntariar para a corte. Devido a seu interesse demonstrado, está sendo convocada para representar a província de Oshia na competição. Prepare-se para prestar o maior serviço ao nosso país e disputar pelo posto de grande prestígio, o governo da boas-vindas a você, filha corajosa de nossa pátria que lutará para ter a chance de se tornar nossa rainha-consorte.''
Salve a grande Titânia''
Nuya se manteve estática, sua boca secou e ela sentiu o mundo a sua volta girar sem parar, a única ação que seu corpo conseguiu realizar foi voltar a se deitar a cama e manter os olhos fechados enquanto ordenava a seu cérebro que a acordasse, aquilo só poderia ser um pesadelo. Como aquilo poderia estar acontecendo? Ela já tinha problemas demais e não era uma pessoa iludida com a falsa ideia de que a corte era algo bom, o intuito daquele programa era simplesmente atrair a atenção a qualquer custo, seja transmitindo ao vivo pessoas fazendo de tudo para chamar a atenção ou morrendo cruelmente durante alguma daquelas provas estúpidas e humilhantes. Nuya arregalou os olhos ao escutar o estrondo de alguém batendo repetidamente em sua porta, dando um pulo da cama e a destrancando em seguida.
- Por que sua foto está aparecendo na televisão, Nuya? - Mahima perguntou, com uma visível preocupação estampada em seu rosto
A garota não respondeu. Apenas caminhou até a sala e se sentou no sofá velho e desbotado e manteve seu olhar vidrado na tela do pequeno aparelho.
- A identidade da última competidora feminina foi revelada ao público. Nuya Nakamura, de 20 anos, será a representante de Oshia, uma província da parte oriental de Titânia que foi palco do último grande levante, que curiosamente no dia de hoje completa 22 anos de seu encerramento. Será algum tipo de sinal que o universo está conspirando a favor de Oshia nos entregando está linda jovem como sua representante? Fiquem agora a seguir com fotos desta atraente competidora que com certeza se tornará um grande colírio para os olhos de parte do público....- um repórter falava, com um grande sorriso estampado em seu rosto angelical
Fotos de uma Nuya feliz e de aparência bem cuidada começaram a aparecer na tela, fazendo com que a garota finalmente percebesse que aquilo não se trata de um pesadelo, mas sim de algo muito pior, a realidade. Sua avó continuava falando, mas a voz da idosa parecia ter se tornado distante. Tudo o que a garota conseguiu fazer foi voltar ao seu quarto e se trocar, ainda se sentindo extremamente entorpecida. Logo, ela partiu para a porta da frente e não se importou com a chuva que caia quando desceu as escadas da varanda e caminhou até sua bicicleta
- O que está fazendo, Nuya? Volte já aqui! - Mahima gritou da varanda
A garota não deu atenção a vó, sua cabeça parecia que ia explodir e logo ela subiu na bicicleta e começou a pedalar em direção a cidade. A estrada que ligava as fazendas a cidade sempre foi extensa, mas naquele momento o trajeto parecia ter durado horas. Assim que alcançou a cidade, encontrou as ruas completamente vazias graças a chuva e ao tempo nublado e feio que fazia naquela manhã. Ela foi até o único lugar onde de fato poderia descobrir o que havia acontecido, na esperança de conseguir reparar aquele engano que estava a condenando. Desceu da bicicleta e a abandonou em frente ao grande e velho prédio de pintura descascada, Nuya passou pela porta giratória e logo todos os funcionários presentes no saguão da prefeitura voltaram seus olhares a garota. Os seguranças nada fizeram ao perceberem que se tratava dela, apenas se mantiveram parados próximos à porta a observando como todos. Com a respiração acelerada, ela caminhou até um dos guichês e engoliu em seco assim que parou a sua frente
- Quero falar com a prefeita Ozu. - anunciou ela, encarando o atendente
O homem de meia-idade ajeitou seus óculos de lentes grossas, observando a garota com atenção
- Não pode falar com a prefeita sem hora marcada, senhorita Nakamura.
Somente então Nuya se deu conta do estado em que estava, suas roupas estavam molhadas e seu longo cabelo deixou um rastro de gotas pelo chão onde passou. Não era um jeito aceitável de aparecer ali, num dos prédios mais importantes de Oshia, mas na situação em que se encontrava, sua cabeça não estava funcionando bem para pensar naquilo quando saiu de casa debaixo daquela chuva em desespero.
- Sabe porque estou aqui, eu preciso falar com a prefeita. Ocorreu um engano, isso precisa ser resolvido antes que seja tarde demais para mim - ela fez uma pausa, mordendo o lábio inferior com nervosismo -, por favor, eu imploro!
- Senhorita Nakamura...- o atendente começou a dizer, com a voz calma
Nuya bateu no guiché, fazendo com que a atenção fosse ainda mais centralizada em sua pessoa graças ao barulho alto que a estrutura de madeira fez.
- Eu exijo falar com a prefeita! - anunciou ela, com os olhos se enchendo de lágrimas
Os seguranças se aproximaram e a cercaram momentos depois, mas antes que suas mãos alcançassem a jovem, uma voz em meio ao silêncio os parou
- Venha, Nakamura.
A garota voltou seu olhar em direção as escadas do fim do saguão, onde em seu topo a prefeita estava parada assistindo à cena, sua expressão não deixava transparecer nada que sentia, as pessoas de sua família eram conhecidas por sua frieza e destreza na política, afinal, somente daquela maneira 3 gerações se mantiveram em cargos de liderança da província. Nuya caminhou em direção as escadas, deixando um rastro de água por onde passava, ela subiu as escadas e logo a prefeita começou a caminhar em direção a sua sala.
- Kimiko, precisamos de toalhas. - A prefeita anunciou a sua secretária sentada na mesa ao lado da porta de sua sala, que arregalou os olhos ao ver Nuya
A secretária, uma garota rechonchuda, era provavelmente somente alguns anos mais velha que Nuya, rapidamente se levantou e foi em busca do pedido da prefeita. Assim que entraram na sala, a prefeita sentou-se atrás de sua mesa de madeira escura, enquanto a atenção da jovem se voltou para os diplomas pendurados na parede e nas fotos de alguns lugares históricos de Oshia que mais pareciam relíquias de tão antigas espalhadas pelas paredes. Kimiko rapidamente adentrou a sala e entregou uma toalha branca a Nuya e logo forrou a cadeira do outro lado da mesa da prefeita. A garota se secou superficialmente, pois estava se sentindo mal com sua aparência naquele estado
- Não quero ser incomodada, diga a todos que estou numa reunião extremamente importante. - disse a mulher, com seriedade.
- Claro, prefeita Ozu. - Kimiko respondeu, fazendo uma pequena reverência em gesto de respeito
Logo a secretária saiu da sala, deixando as duas a sós ao fechar as portas.
- Sente-se, Nuya. - pediu a mulher, levantando o braço em direção a cadeira forrada
A garota se sentou e observou a chuva se intensificar do lado de fora pelas janelas.
- Sabe porque estou aqui. - ela falou, cortando o silêncio
A prefeita juntou as mãos acima da mesa, seus cabelos lisos estavam presos num coque muito bem feito, usava uma maquiagem leve que escondia suas olheiras e a fazia parecer mais pálida que realmente era.
- Sim, você agora é a estrela de Oshia. - disse a prefeita, engolindo em seco em seguida - Não imaginava que a notícia te desestabilizaria a tal ponto, sinceramente, se não consegue lidar com a convocação, como conseguirá lidar com a competição?
- Essa é a questão, eu não quero participar desse maldito jogo. Tenho meus problemas para resolver, minha vida está um caos, mas não ao ponto de ter interesse em cometer um atentado contra a minha própria vida em busca de algum tipo de glória suicida! - Nuya vociferou, com a respiração pesada
- Você foi convocada como voluntaria. - Ozu retrucou, com uma calma assustadora
- Nós duas sabemos que isso é mentira! - Nuya gritou, se levantando da cadeira - Não posso ir para Pryon, não posso deixar a fazenda e a minha avó, tudo depende de mim!
Ozu respirou fundo, ela parecia calma por fora, mas por dentro um nervosismo constante a consumia.
- Se isso é o que a prende a Oshia e te deixa tão desestabilizada em partir, não se preocupe. Tudo será muito bem cuidado até que você...- a prefeita abriu um pequeno sorriso - retorne.
Nuya começou a rir, e voltou a se aproximar da mesa, seus olhos logo se voltaram ao porta-retrato onde uma foto da família Ozu reunida se encontrava. A garota o pegou e observou a imagem parando de rir, e então se recordando do que Jin havia contado noite passada não demorou muito para ligar os pontos
- Sua filha seria convocada. - Nuya falou, com o olhar se voltando a mulher - A queridinha de Oshia, a promessa da quarta geração Ozu na liderança de Oshia, sua filha seria convocada! A perfeita Mayumi seria a estrela de Oshia, na verdade, e não eu.
A culpa que a prefeita carregava pelo que fez a fez vacilar, e somente a expressão que fez a entregou. Nuya voltou o olhar a fotografia, onde a prefeita posava sentada ao lado do marido num belo sofá estofado em sua luxuosa casa, e sua filha mais velha estava de pé com uma postura impecável ao seu lado, seu filho, ainda uma criança, estava de pé ao lado do pai sorrindo.
- Por que eu? - Nuya indagou, sentindo lágrimas escorrerem em seu rosto - O ódio de sua família contra a minha ainda é tão forte assim? - questionou, limpando as lágrimas com rapidez
A prefeita revirou os olhos enquanto se levantava
- Esqueça essa maldita história de fantasmas, Nakamura. Minha filha tem um futuro brilhante pela frente, não poderia deixá-la ser levada para arruiná-lo e disputar algo que sabemos que ela não teria nenhuma chance de ganhar, ao contrário de você. - A mulher disse, parando em frente a jovem
Nuya a encarou, franzindo a testa, confusa com o que escutou a prefeita dizer
- Para alguém passar por tudo o que você passou e se manter de pé, tem de ser muito forte. É algo que alguém que vai para a corte tem de ser. - A mulher continuou
- Você me condenou a morte. - Nuya sussurrou, chocada
- Morte? Nuya, você já está tendo uma morte lenta presa a aquela fazenda. - Ozu retrucou - O que te aflige é a situação da velha Mahima? Não se preocupe...
A mulher caminhou de volta para atrás da mesa, abrindo uma das gavetas e pegando alguns papéis, ela o preencheu e logo o destacou e levantou em direção a garota
- Essa quantia é suficiente para cuidados com sua avó por no mínimo 5 anos, mas convenhamos que ela não terá todo esse tempo. - Ozu disse.
Nuya pegou o papel com rispidez
- Acha que conseguirá me comprar com isso? - a jovem vociferou - O que seus superiores vão dizer quando souber que você está fraudando coisas para beneficiar sua família?
- Você não tem provas, para todos os feitos, você se voluntariou. - Ozu se defendeu, apoiando suas mãos a mesa - Pode me odiar o quanto quiser, mas talvez um dia me agradeça por conseguir te ajudar a se livrar dessa vida miserável. Sabe que pode desistir depois de algumas provas da competição sem prejudicar Oshia, é uma garota bonita, acabará casada com um homem abastado de alguma província rica no fim das contas e sua vida estará resolvida. - fez uma pausa - Não há como voltar atrás, seu nome está exposto em todo lugar, todos sabem que agora você é a estrela de Oshia.
Nuya se aproximou da mulher e deu um tapa em seu rosto. Sem dar tempo para que a mulher revidasse ou dissesse mais alguma palavra, ela guardou o cheque no bolso e partiu para fora da prefeitura. Assim que chegou na rua, sentiu seus olhos se encherem de lágrimas de novo e os fechou tentando se acalmar, não existia maneira de fugir daquilo. Mesmo se tentasse negar, não seria acatado, para todos os efeitos ela quis participar do jogo. Logo parou de sentir as gotas de chuva caírem sobre ela e abriu os olhos assustada.
- Vamos, você parece precisar comer a melhor comida desse quarteirão!
Nuya sorriu de lado ao encontrar ao seu lado seu amigo Jin, que carregava um guarda-chuva que impedia com que a chuva os alcançasse. Logo os dois estavam dentro do restaurante da família de Jin, que naquele dia estava fechado. A garota foi praticamente forçada a se alimentar, só conseguia pensar em sua avó sozinha na fazenda e no quão irresponsável foi de deixá-la, seu coração se apertava ao imaginar que em breve as duas seriam separadas de fato.
- Não consigo acreditar nessa merda. - Jin disse, com irritação - esses desgraçados sempre conseguem se safar, só por terem dinheiro!
Nuya contou a ele tudo o que havia acontecido, toda sua conversa e a confissão da prefeita Ozu.
- Acha que aqueles documentos que você viu ainda existem? - perguntou ela - que constam o nome da queridinha de Oshia?
- Se seu nome chegou a mídia como convocada, eles deram um jeito de destruir tudo o que poderia existir com o nome da filha da prefeita. - ele respondeu, tristonho - Não se preocupe, sabe que minha família sempre prezou pela amizade com a sua. Daqui dois meses vou me formar, e então vou poder voltar e ajudar, assim vamos cuidar da velha Mahima...- ele encarou a amiga - E você vai voltar, e vai voltar provavelmente com dinheiro!
Nuya suspirou. Não conseguiria falar sobre aquilo naquele momento, era doloroso demais. Ela não era uma pessoa violenta ou descontrolada, mas a forma dissimulada e fria que a prefeita agiu perante a situação a fez agir por impulso e não se arrependia de ter dado um tapa no rosto da autoridade máxima de Oshia. Nada poderiam fazer contra ela, como Ozu mesmo disse, agora Nuya era a estrela da província, aquele título provavelmente a levaria para o túmulo, então usar do poder que ele lhe concedia não parecia má ideia.
- Eu preciso ir, Jin. - disse ela, ao se levantar - agradeço pelo almoço e pela ajuda.
Se aproximou e deu um beijo na testa do rapaz e em seguida partiu de volta a sua casa. Quando chegou, se surpreendeu ao encontrar um drone sobrevoando suas terras, provavelmente se tratava de alguma emissora tentando extrair o que pudesse de informações de todos os participantes. Ela não deu atenção alguma ao drone e simplesmente entrou em sua casa, sabia que não poderia fazer muita coisa para impedir e ser hostil poderia causar uma má imagem ao público sem nem sequer ter entrado no jogo, tudo agora teria de se tratar de aparências e estratégias. Ela encontrou sua avó costurando sentada na varanda da parte de trás da casa, tão focada em sua atividade que nem sequer notou o retorno da neta. Cansada pela correria e incomodada com as roupas ainda molhadas que estava usando, foi tomar um banho e após se trocar, partiu em busca de sua avó, que se encontrava ainda costurando enquanto observava a chuva cair, o clima não mudaria tão cedo pelo visto.
- Baa-chan, a senhora estava certa. - sussurruou ela, ao encostar sua cabeça no ombro da idosa e se lembrar do ocorrido do templo, o que lhe causou um arrepio na espinha
- Eu sempre estou, criança. - Mahima respondeu, terminando de costurar um dos casacos que era de Yuri - seu irmão sempre acaba com os casacos rasgados no mesmo lugar, sempre na manga direita! - resmungou ela, balançando a cabeça - Terminei de costurar aquele seu vestido, lembra-se dele? Guardamos e o esquecemos, que cabeça a minha! Uma roupa tão bonita dessa esquecida por aí...
Nuya levantou a cabeça e ficou boquiaberta ao perceber a presença daquele vestido na poltrona ao lado. Ela se levantou e o pegou, ela amava aquela peça e a usou num dos dias mais especiais de sua vida, mas ele acabou descosturado e esquecido num dos armários da casa.
- Obrigada, Baa-chan. - ela disse, ainda observando a peça em suas mãos com carinho enquanto seus olhos brilhavam
Nuya sentiu o aparelho celular vibrar no bolso de sua calça, e então o pegou para verificar o que era já sentindo seu coração palpitar, descobrindo se tratar de um novo comunicado do governo, anunciando que alguns organizadores da corte iriam buscá-la no dia seguinte para iniciar os preparativos, pois a competição iria se iniciar em breve já que a situação de saúde da princesa Padma estava cada vez pior.
- Quando você volta, Nuya? Sei que vai partir - Mahima perguntou, ainda focada na costura - Vai partir em breve, mas espero que tenha falado com seus pais sobre isso!
A garota respirou fundo.
- Em breve, Baa-chan. Em breve.
Fim do capítulo