Capítulo 3 3. O lago da despedida 

3. O lago da despedida

O comunicado recebido no dia anterior alertava que os organizadores chegariam no período da tarde para buscar por Nuya. Era de manhã e o clima havia mudado drasticamente, o céu estava limpo e a temperatura havia subido drasticamente, o que deu coragem a jovem de ir fazer o que pretendia. Ela estava parada em frente ao lago, onde guardava tantas lembranças de sua infância, mas que depois do ocorrido com sua mãe, ficou abandonado. Por um bom tempo, Nuya não conseguia nem sequer olhar para suas águas e muito menos para a bela cerejeira que o fazia companhia desde sempre. Ela respirou fundo e então se jogou nas águas, nadando por algum tempo até decidir boiar por algum tempo em seu centro enquanto observava o céu azul acima dela, a aquela altura seu corpo já havia se acostumado com a temperatura da água gelada, então se manteve por ali até se cansar. Aquela era sua despedida do seu lar, sabia que as chances de algum dia voltar eram muito baixas, e se voltasse, provavelmente não estaria numa boa situação, aquela versão dela morria ali. Quando saiu, caminhou pela trilha entre as grandes árvores e colheu algumas flores que insistiam em nascer entre a vegetação. Chegou ao túmulo de seu amigo que foi enterrado a pouco tempo e logo depositou as flores em cima da terra, abrindo um sorriso ao relembrar-se do cachorro, de como ele era animado e como ele parecia estar presente em todas as suas lembranças junto de Yuri. Seu irmão o encontrou sozinho próximo ao início da estrada que ligava as fazendas a cidade, um filhote tão pequeno e faminto, sozinho próximo a uma estrada movimentada. Yuri o trouxe para casa e durante os primeiros dias, com a ajuda da irmã, eles esconderam o filhote no celeiro, até um dia o patriarca o encontrar quando adentrou o lugar para alimentar os animais que ali ficavam e cair de amores pelo cãozinho que acabou se integrando a família.

- Vocês devem estar se divertindo muito juntos. - disse ela, abrindo um pequeno sorriso - Sinto a falta de vocês todos os dias e agora fico me perguntando como se sentiriam em me ver indo embora para participar dessa coisa. - suspirou - Provavelmente graças a ela logo vamos nos ver, então está tudo certo, tudo vai acabar.

Nuya se permitiu chorar novamente, e jurou a si mesma, que aquela seria a última vez que derramaria lágrimas. A vida foi muito dura com ela, e aquilo era obvio, mas agora precisava aprender a lidar com toda aquela bagunça de alguma maneira, que não seria demonstrando fraqueza, pois aquilo de nada a ajudaria. Quando se sentiu esgotada e o choro deixou de se mostrar forte, ela se levantou e se despediu, logo partindo de volta a sua casa. Mahima havia acordado indisposta, então permaneceu na cama. Nuya fez o almoço como sempre, e então após isso fez suas malas. Quando a hora dos organizadores chegarem estava se aproximando, a família Gardner apareceu na fazenda. Jin e seus pais se prontificaram a cuidar de tudo, Obviamente Nuya passou boa parte da quantia dada pela prefeita para eles, o que ajudaria muito o restaurante da família e ajudantes poderiam ser contratados, o que significava que alguém sempre estaria junto da avó de Nuya. A garota há muito tempo não se importava com sua aparência, mas ela sabia que tudo a partir daquele momento se trataria disso. Ela cortou as pontas ralas de aspecto áspero de seu longo cabelo escuro, que ao contrário de toda a família que tinham o liso tradicional, possuía ondas em seu formato. Em sua pele existiam manchas, mas nada ela poderia fazer sobre aquilo além de tentar disfarçá-las com um pouco de maquiagem que não usava a tempos para não transparecer aquela aparência abatida com que estava, colocou o vestido que sua avó havia costurado, a peça era longa e tinha um tom azul que lembrava a cor do mar que banhava a costa de Titânia, ela nunca havia conhecido o mar, mas havia o visto pelos cartões postais que seu irmão a mandava quando passava meses fora a trabalho e pela TV. E por fim, amarrou em seu pescoço um lenço de seda que seu irmão havia lhe dado de presente, aquele lenço possuía um perfume tão maravilhoso impregnado que Nuya sempre tomou cuidado para deixa-lo bem guardado para que o cheiro não saísse. Ela bem que tentou descobrir de onde vinha aquela fragrância, mas Yuri simplesmente abriu um sorriso e respondeu que era segredo. Mais um segredo que ele acabou levando para o túmulo junto dele.

- Nuya, eles estão chegando. - Jin disse, parado em frente a porta

Nuya engoliu em seco, os pais de Jin não haviam lhe perguntado nada, porém pelo olhar de pena que lançaram para ela provavelmente sabiam que ela não havia escolhido aquele destino para si. Nuya se aproximou da avó que estava sentada no sofá e se abaixou.

- Obrigada por tudo, Baa-chan. - disse a garota, dando um beijo na testa da idosa em seguida

Mahima segurou as mãos da neta e abriu um sorriso.

- Volte para casa antes do seu pai chegar, está certo? - pediu ela, sorrindo - está tão bonita, Nuya, tão bonita como sua mãe no dia em que seu pai a conheceu....

Nuya abriu um pequeno sorriso balançando a cabela e então se levantou, pegando suas pequenas malas e em seguida partiu para fora após se despedir dos Gardner. Cinco grandes carros pretos chegaram até a frente da casa em seguida, enquanto Drones contendo câmeras os seguiam. Logo uma mulher de pele negra e grandes tranças douradas desceu de um dos carros, ela usava um terno de tecido fino, o que causou estranheza em Nuya de primeiro momento, mas logo começou a achar muito bonito. aquela roupa fazia com que a mulher destoasse completamente do lugar onde se encontrava

- Nuya Nakamura, é um prazer conhecê-la. Me chamo Ângela, serei sua guia em sua jornada durante a corte. - disse ela, ao se aproximar da garota

Nuya tentou conter seu nervosismo, mas foi impossível e acabou apertando a mão de Ângela tremendo.

- Precisamos partir agora, Pryon é muito distante. - anunciou ela.

- Tudo bem. - Nuya respondeu, engolindo em seco

Assim que a jovem se preparava para pegar suas malas de tons marrons pelas alças novamente, Ângela balançou a cabeça

- Não pode levar nada além do que está vestindo, senhorita Nakamura. - ela anunciou.

A garota se manteve estática por alguns instantes, mas por fim simplesmente desistiu sem discutir. No instante seguinte, ela abraçou Jin, que ficou surpreso, mas logo retribuiu o abraço

- Será um bom advogado, Jin. - disse ela, abrindo um sorriso triste ao se afastar.

Ela provavelmente não o veria se formar, não poderia comemorar quando ele voltasse a Oshia com seu diploma, provavelmente aquela seria a última vez que veria seu melhor amigo.

- Seja uma boa rainha, Nuya. - ele disse - Sei que você tem capacidade para lidar com isso. Quando tudo isso acabar, será você quem sentará no trono do palácio de Pryon. - ele profetizou, abrindo um sorriso

Nuya se lembrou das palavras de sua avó, sobre uma grande coisa em seu destino e os sofrimentos que aquilo a causaria. Ela não queria nada daquilo, que alguma outra participante fizesse bom proveito da vida como marionete dos ministros.

- Adeus, Jin. - disse ela, ao se afastar

Os drones se amontoavam tentando pegar bons ângulos da situação e conforme a jovem caminhou em direção ao carro de Ângela, pode perceber que cada um deles possuía um emblema diferente, eram de emissoras diferentes tentando a todo custo conseguir imagens melhores que o outro. A garota assistiu com melancolia pela janela do carro enquanto passava por suas terras e pouco a pouco as deixava para trás, dentro do carro além de Ângela dois homens que pareciam dois brutamontes se espremiam no banco da frente.

- Foi uma tática boa. - Ângela disse

- Tática? - indagou Nuya, virando o rosto em direção a mulher

Ângela tocou na ponta do lenço do pescoço da garota

- Alguns participantes sempre tentam deixar algo que os marque. Amanhã, muito provavelmente centenas de garotas estarão usando lenços idênticos. A corte tem forte impacto em nossa cultura, como deve saber. - a mulher explicou

Nuya tocou o lenço, nem sequer havia pensado em algum tipo de tática para se destacar, seu plano se baseia somente em tentar se manter viva até a quarta prova onde os casais favoritos já teriam sido escolhidos, e então desistir. Ela não queria absolutamente nada além de simplesmente voltar para casa viva. Quando saíram de Oshia, a garota se viu completamente a deriva, não conhecia nada do mundo além de sua província. Cansativas e entediantes horas depois, finalmente chegaram a Uptown Seos, uma das províncias ricas da parte oriental de Titânia. Nuya nunca havia chego perto de um avião, então estrar a bordo de um deixou extremamente desconcertada a princípio

- Sugiro que você coma enquanto puder, quando chegarmos a Pryon, você será entregue ao comando de uma pessoa não muito agradável. - Ângela aconselhou, ao se sentar na poltrona da frente - faz parte do processo. - sussurrou

Nuya acatou o pedido e começou a se alimentar com a comida servida no avião. Ela imaginou que sentiria medo, porém, apenas ficou deslumbrada ao assistir o chão se tornar distante e as nuvens que as fazia lembrara-se de bolas de algodão próximas. Mulheres uniformizadas eram extremamente simpáticas com Nuya, vez ou outra iam até sua poltrona extremamente confortável checar se a garota precisava de algo, mas algum tempo depois estar no ar deixou de ser algo extremamente interessante a jovem, que acabou ligando o pequeno monitor colado a poltrona da frente e colocou os fones de ouvido, assistindo às notícias sobre os outros competidores. Nuya começou a assistir uma reportagem sobre um competidor que pertencia a uma família muito rica de Pryon, saber que teria de lidar com pessoas ricas àquele ponto a deixava um pouco apreensiva, afinal, como pode ver graças a prefeita Ozu, o dinheiro pode comprar tudo. Horas depois, quando o sol já havia se posto, Nuya que estava dormindo enrolada em um cobertor cedido por uma das mulheres simpáticas, foi desperta com o solavanco do avião pousando.

- Vamos, Nuya. - ordenou Ângela, com cara de poucos amigos ao se levantar de sua poltrona

A jovem soltou seu cinto e a acompanhou em direção a saída, enquanto as mulheres simpáticas acenavam e lhe desejavam sorte, cada uma em seu idioma nativo. Quando começaram a descer as escadas, a garota ficou cega por alguns instantes graças a tantos flashs de câmeras fotográficas próximas

- Esses abutres...- Ângela resmungou

Os seguranças empurraram os fotógrafos para longe, fazendo com que as duas tivessem um caminho seguro e sem imprevistos até o carro que as aguardava. Nuya percebeu que ao lado de seu avião, alguns outros também estavam parados e outros desciam no ar prestes a pousar.

- São os outros competidores, esse ano o governo escolheu pessoas de províncias bem afastadas. - Ângela explicou, percebendo o olhar curioso da garota - Você não é muito de falar, não é?

Nuya limpou a garganta

- Não quando não tenho nada de útil a ser dito. - Respondeu ela, fazendo a mulher abrir um sorriso

- Não quer parecer interessante ao público? - indagou Ângela, com curiosidade assim que o carro começou a se movimentar.

A garota não sabia o que responder

- Acho melhor começar a treinar seu carisma, Nakamura. - sugeriu ela, antes de bocejar - Beleza é uma boa arma, mas não é graças somente a ela que se manterá viva na corte.

A garota apenas se contentou em voltar a observar a cidade das janelas, Pryon era realmente muito diferente do restante de Titânia. Arranha-céus gigantescos irrompiam a cidade com luzes coloridas por sua estrutura, e como Jin havia mencionado, quanto maior o arranha-céu, mais estátuas de ouro se faziam presentes nos jardins a sua frente, as figuras se alternavam entre pessoas e animais. O carro foi subitamente parado em frente a uma grande estrutura cinzenta rodeada por muros extremamente altos e uma cerca elétrica em seu topo.

- É aqui que nos separamos, Nuya. Desejo sorte. - Ângela disse

- Qual é o seu papel nisso tudo? O que um guia faz? - Nuya finalmente tomou coragem para questionar, ao perceber que dois homens caminhavam em direção a porta do seu lado

- Tento te manter na linha e ajudo como posso dentro da competição. - Respondeu ela - seja uma boa garota e não terá problemas na sua estádia com os carrascos...

- Carrascos? - a garota perguntou, arqueando uma de suas escuras sobrancelhas

Os homens abriram a porta e puxaram Nuya para fora, que se irritou com a força que seguravam seus braços

- Sei andar sozinha! - ela disse num tom de voz elevado

Os homens uniformizados se entreolharam, mas não voltaram a tocá-la. Eles a guiaram para dentro dos muros, e assim que passaram por eles o grande portão elétrico foi fechado. Ela olhou em volta e fez seu máximo para se manter com aquela expressão fria que ostentou durante todo aquele dia, no entanto, ver todas aquelas janelas com grandes, os arames-farpados e o latido de cães em volta daquela estrutura cinzenta e feia a fez temer pelo o que a aguardava dentro daquele estranho e nada convidativo lugar. Os homens a guiaram para dentro e o interior possuía uma aparência um pouco melhor, o piso de porcelana preta e branca fazia com que o saguão de entrada se assemelhasse a um tabuleiro de Xadrez. Nuya percebeu a presença de outros jovens junto de guardas que não os deixavam nem sequer se mexer direito, todos estavam de frente a grande escadaria aguardando por alguma coisa. Nuya observou alguns dos competidores, assim como também recebeu olhares curiosos, ela teria de conviver com aqueles desconhecidos por tempo indeterminado, o que era estranho. De repente, as portas voltaram a ser abertas e mais seguranças chegaram escoltando o restante dos competidores. O saguão se manteve em silêncio, até que finalmente uma mulher alta e robusta apareceu no topo das escadas, ela usava um uniforme de tom azul-escuro que mantinha suas medalhas a vista de todos.

- Sejam bem-vindos, reis e rainhas de lugar nenhum. - disse ela, abrindo um sorriso maldoso - Me chamo Payton, e sou a líder deste lugar. Vocês devem estar se perguntando onde estão, então deixe-me explicar: este lugar é como um santuário que vai investigar tudo em vocês para saber se são realmente aptos a passarem pelos desafios que vão enfrentar na competição. Mas lembrem-se, vamos construir um relacionamento antes de tudo começar, e para que ele dê certo, não podem existir mentiras entre nós.

- E se as mentiras existirem, nós vamos as descobrir, de uma maneira ou de outra, reis de lugar nenhum. - Disse um dos guardas, próximos a mim

A mulher de cabelos louros e curtos abriu um sorriso satisfeito ao olhar em direção ao guarda

- Existem três coisas que não podem ser escondidas, o sol, a lua, e a verdade. - repetiram os guardas junto da mulher, criando um eco pela sala

Payton suspirou, satisfeita com a perfeição do lema daquele lugar sendo proferido.

- Por hoje é só, os levem para os quartos onde vão ficar. - ordenou ela - amanhã terão um dia cansativo, é melhor que descansem.

Os guardas começaram a empurrar os outros competidores, os que me acompanhavam lançaram olhares cortantes em minha direção que apenas respirei fundo e comecei a caminhar seguindo aos outros.

- O sol a lua e a verdade, meu deus, que entrada mais dramática. - Murmurou um rapaz ao lado da garota, imitando a voz da mulher

Nuya segurou a risada, e logo ele percebeu o que o fez lançar um sorriso em direção a ela. Ele possui longos cabelos negros que pareciam muito bem cuidados, que estão soltos caindo por suas costas, seus olhos são verdes e sua sobrancelhas grossas.

- Então você é a chica enamorada do laço, estão falando muito sobre você. - comentou ele, com seu sotaque forte que Nuya não conseguiu reconhecer de onda vinha

- Ei, sem conversa, rei de lugar nenhum! - um dos guardas que me acompanhava intimidou

- Desculpe, soldadinho, não farei de novo. - respondeu o rapaz, abrindo um sorriso sarcástico em seguida, o que o fez ganhar um empurrão irritado do homem

Todos foram levados a quartos que mais pareciam celas, cada um foi colocado dentro de um daqueles cubículos e logo as portas de metal pesado foram trancadas, causando ecos repetitivos graças a quantidade de pessoas postas ali. Aquele lugar era cinzento e frio, possuía uma cama com um colchão extremamente fino e uma coberta grossa de tom alaranjado estava dobrada em sua ponta, do lado esquerdo existia uma pia e uma privada. Em cima da cama, havia uma bandeja com pão e água.

- Belo jantar. - murmurou ao se aproximar da cama

Nuya sentou-se e retirou seus sapatos, o que a fez soltar um suspiro de satisfação. Sem muita opção, comeu a aquela grandiosa refeição e pouco depois as luzes foram apagadas, deixando tudo numa repleta escuridão. Sem muita opção, a garota retirou seu lenço e se deitou a cama, tentando pegar no sono, porém graças ao turbilhão de pensamentos que passavam por sua cabeça, aquilo se tornou impossível. Se revirou tantas vezes naquela cama desconfortável que seria trabalhoso tentar contar. Nuya começou a repassar certas situações em sua cabeça, coisas que envolviam seu irmão e que poderiam de alguma maneira a prejudicar naquela maldita competição, Yuri morreu levando consigo muito segredos, a causa real de sua morte ainda era considerada um mistério e Nuya sabia que o irmão havia se metido em algo que não deveria pelo jeito que se comportou em seus últimos dias de vida. Seu pai, o velho Hayato, parecia também saber de algo pelo jeito aéreo que ficou durante aqueles dias, e pela primeira vez em sua vida errou nos cálculos e deixou uma parte da fabricação dos saquês estragar, aquele foi o alerta máximo a garota e a sua mãe de que algo estava errado, mas nada elas puderam fazer além de observar Hayato e Yuri brigarem pelos cantos e fingirem que nada acontecia na frente dos outros até aquela fatídica noite chegar. Nuya sabia que ela e os outros participantes estavam ali naquele santuário esquisito para passarem por interrogatórios, o governo não seria estúpido para deixar qualquer um se infiltrar na corte enquanto rumores de possíveis levantes circulavam pelos quatro cantos de Titânia. Aquela competição era seu maior e mais caro plano de contenção da população e não poderia ser arruinado de maneira nenhuma. Já imaginava que sua vida estava sendo investigada, mas estar ali frente a frente com o que Ângela chamou de carrascos, a fez ficar ainda mais preocupada com sua situação.

Fim do capítulo

                         

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