Quando disse sim à universidade, Rebecca acreditava ser a melhor maneira de deixar tudo para trás e começar algo novo. Acreditava que conquistar um diploma preencheria o vazio de seu coração causado por Bernardo. A vida no Rio de Janeiro não era ruim, tinha o conforto necessário, tinha o zelo do seu rígido irmão e contava com a forte amizade de Benjamin e Henrique. Mas quando o relacionamento que só existia para ela chegou ao fim, se encontrou no fundo do poço, e enxergou a volta para a casa da mãe e o ingresso na NYU, como sua corda de escape. Mas no fundo sentia ser mais uma ilusão, que havia uma grande possibilidade da corda estar podre.
- Oi, mãe. - Rebecca sorriu ao entrar na casa que moraria nos próximos 4 anos.
- Oi, Rebecca. - Suzy respondeu sem dar muita atenção enquanto amarrava as fitas vermelhas do seu salto fino no tornozelo. - Os quartos ficam no andar de cima. Pedi à Rita que separasse um para você. Fique à vontade.
- Você vai sair? - Rebecca questionou intrigada.
- Sim. Combinei jantar com Lúi. Apresento vocês assim que puder. - Suzy jogou um beijo para a filha assim que passou por ela a caminho da porta.
- Mas mãe, acabei de chegar. - Rebecca ficou incrédula. - Não te vejo há mais de dois anos.
- Tem isso tudo? - Suzy ficou surpresa.
- Esquece, mãe. Bom jantar!
- Obrigada! - Suzy respondeu mais uma vez sem dar atenção e atendeu uma ligação. - Já estou saindo, querido.
Rebecca observou a felicidade de sua mãe ao sair de casa, mas o motivo não era ela.
Quando Rebecca e Josué tinham a idade de 15 e 18 anos respectivamente, seus pais, Suzy e Jonas, resolveram se divorciar oficialmente. Duas semanas depois, Suzy pediu transferência na empresa onde trabalha para a filial de New York e foi prontamente atendida. A sua partida do Brasil não a fez chorar e o retorno de sua filha não a fez sorrir. Rebecca não sabia se ficava triste ou com raiva. Mas optou por ficar triste, porque raiva ela já sentia pelo seu pai.
Mesmo que a conexão entre Rebecca e seu irmão no momento estivesse muito fraca, ela entendeu que Josué sempre será seu único referencial de família.
- Ela nem perguntou pelo Jós. - Rebecca refletiu em suas próprias palavras e se assustou com a pergunta que surgiu em sua mente. - Será que se lembra dele?
- Querida, Becca!
Rita, uma senhora portuguesa que trabalha há 25 anos para a família Medeiros, se alegrou ao sair da cozinha e encontrar a jovem que viu nascer e cuidou até seus 17 anos.
- Pelo menos sou a querida de alguém. - O abraço de Rita era repleto de saudade e carinho. - Senti sua falta!
- E eu também. - Rita acariciou o rosto de Rebecca que retribuiu com um sorriso. - Vou te ajudar a se acomodar. Tentei arrumar seu quarto como era o antigo, mas a tia Rita está cada dia mais esquecida das coisas. - Rita segurou a mão de Rebecca e a conduz escada acima.
Ao entrar no novo quarto, Rebecca fez de tudo, mas não conseguiu conter todas as lágrimas que queriam jorrar de seus olhos, e por isso, mesmo com esforço, uma lágrima caiu. Foi apenas uma, mas estava tão pesada, que Rebecca pode senti-la escorrer por todo seu rosto. Era quente. Estava tão carregada de frustração que Rebecca chegou acreditar que poderia ouvi-la cair no chão.
- Eu sei que é difícil, querida. - Rita secou o rosto da jovem. - Recomeçar sempre será mais difícil que começar. Porque começar é do zero e recomeçar sempre é acompanhado de muita história. Mas não desanime e não desista do seu final feliz.
Rebecca se sentiu reconfortada. E se perguntou pelo fato de Rita saber exatamente o que dizer. Pensou ser algum tipo de poder possuído pelos mais velhos. Mas lembrou de seu irmão, então esse tal poder só poderia se chamar Josué.
Pensar em Rita e Josué fez Rebecca abrir um sorriso afetuoso e sincero.
- Agora descanse. Amanhã vou te levar ao lugar mais bonito daqui. - Rita sorriu, jogou um beijo e fechou a porta atrás de si.
- Obrigada, tia Rita!
|•|•|•|
Há um lindo pôr do sol em cada ponto do mundo, mas o favorito de Rebecca sempre será o do Central Park. Cinco anos se passaram, e o parque que Rita lhe apresentou ainda era seu lugar de paz, onde, mesmo com o coração entristecido e com os olhos pesados de lágrimas, se sentia bem só de caminhar pelo parque. Tinha suas forças renovadas para continuar, mesmo com a intenção de desistir. Era o seu único ponto de felicidade. No início, era sua única companhia.
Mas as coisas mudaram quando conheceu sua melhor amiga, Lena, uma jovem sueca de 22 anos, com sua estética pertencente ao padrão característico de seu país, é uma mulher magra, alta, loira e de olhos azuis.
A amizade das duas começou após ambas serem estereotipadas de forma sexualizada devido as suas nacionalidades. Os ataques verbais aconteceram foram feitos pelos mesmos alunos, porém de forma separada. Rebecca e Lena se conheceram porque decidiram abrir uma denúncia no mesmo dia. Se cumprimentaram na sala de espera da secretaria sem saber que estavam passando pela mesma situação, depois de ouvir as duas, a diretora do curso de psicologia, as convidou para uma conversa em grupo para melhor direcionar sua decisão. As duas que mesmo de nacionalidades diferentes tinham isso em comum, saíram da sala conversando e nunca mais se desgrudaram.
Depois deste caso resolvido e os culpados devidamente punidos, a preocupação das amigas passou a ser Kerstin, uma colega de classe, e seu grupinho de mais três jovens. Eram implicâncias e perseguições sem sentidos ou fundamentos, apenas existiam, e se intensificaram ao descobrirem a gravidez precoce de Rebecca, mas a amizade de Lena foi seu apoio para superar essa situação.
Agora, sentada sobre a toalha quadriculada forrada na grama verdejante do Central Park, além de estar em seu lugar favorito, também está com suas pessoas favoritas, seu filho Pedro e sua melhor amiga Lena. De longe, Rebecca admira a interação dos dois. Pedro corre atrás de Lena que quer passar sorvete nela. A felicidade estampada no sorriso dos dois, para Rebecca, brilha mais que o sol.
Quando a manhã seguinte chegar, Rebecca e Pedro estarão dentro de um avião rumo de volta ao Brasil, e por isso ela não poderia ter escolhido outro lugar para passar seu último dia em New York.
- Vou sentir tanta falta! - Lena abraça sua amiga pela terceira vez. - Você promete não esquecer da tia? - Ela indaga Pedro que está no colo de Rebecca e o mesmo responde que sim balançando a cabeça.
- Vamos sentir sua falta também! - Rebecca sorri tentando disfarçar a vontade de chorar.
- Vou ter que lidar com a Kerstin sozinha agora. - Lena usa o tom de brincadeira para algo que realmente a preocupa porque também está com vontade de chorar.
- Isso realmente me incomoda. Mas siga firme que em dois anos estaremos juntas curtindo as maravilhosas praias do Brasil. Foca nisso! - Rebecca bate no ombro da amiga cabisbaixa em manifestação de apoio.
- Ela é insuportável. - Lena resmunga e as duas fazem cara feia. - A única coisa que me conforta é saber que ela é super fã do seu irmão sem ter a menor noção de que ele é seu irmão. Se ela soubesse que através de você teria a chance de viver o que nenhuma outra fã viverá, mas que a escrotisse dela a impediu, cavaria a própria cova. - Lena debocha e Rebecca tenta conter uma gargalhada.
- Imagina quando ela ver o Josué te apresentando como namorada! - Rebecca prende os lábios por já saber a reação da amiga.
- Lá vem você com essa história de novo. - Lena altera o tom de voz. - Seu irmão é um gato, muito maravilhoso. Mas já disse que não vou criar expectativas, então para, sabe como sou ansiosa. Ele é famoso e tem trezentas mil mulheres ao redor, com certeza eu não seria nem uma opção.
- Você está superestimando-o. Ele não é isso tudo. - Rebecca faz careta. - E ainda é bem chato.
- Discordo. Ele é lindo e maravilhoso sim!
- Diz isso, porque nunca viu ele jogado no sofá sem banho, suado do treino, coçando o saco e tirando meleca.
- Que nojo, Rebecca.
- Atenção senhores passageiros, chamada para o vôo 344 com destino ao Brasil, por favor, dirijam-se ao portão C. - A chamada desfaz o clima descontraído entre as amigas.
- Toma, Becca. - Lena tira um envelope da bolsa e o entrega à amiga. - Por favor, só leia quando chegar em casa.
- Está de brincadeira, né? - Rebecca esbraveja prestes a abrir.
- Não! - Lena responde com mais seriedade.
- Okay! - Rebecca respira fundo e guarda o envelope.
Lena, muito emocionada e chorosa, os abraça bem forte. Rebecca e Pedro, do seu jeitinho, retribuem.
- Nos vemos em dois anos! - Ambas declaram.