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༺Vakrum ༻
Observo o sol se pôr, levando consigo os últimos vestígios de luz. Ao fundo, posso ouvir o estalo das fogueiras ganhando vida, e o murmúrio de conversas e risadas, que parecem ecoar na minha cabeça. Sinto um arrepio percorrer meu corpo, uma raiva mal contida. Neste momento, meu único desejo é estar o mais distante possível deste lugar.
Uma mão repousa em meu ombro, e não preciso me virar para saber que é meu irmão, Kaleb. Ele se acomoda ao meu lado no chão, e seus olhos prateados me observam com curiosidade. Suas íris e escleras prateadas fundem-se numa única cor, uma característica extremamente rara que não existe em nosso povo, o que só reforça minha vontade de fugir.
Somos lazurdianos, um povo que habita este planeta desde tempos imemoriais. Já fomos numerosos e orgulhosos, mas o destino nos pregou uma peça cruel. Apenas podemos procriar com nossos kichi, nossos parceiros de alma, que são incrivelmente difíceis de encontrar. Uma misteriosa doença levou quase todas as fêmeas de nosso povo à beira da extinção, tornando as poucas que restaram extremamente preciosas e protegidas.
E assim começa nossa jornada, as últimas cinco fêmeas estavam grávidas. Mesmo doentes, a esperança de dar à luz filhotes fêmeas as manteve vivas, graças a um remédio raro, encontrado apenas nas montanhas do vale leste, que custou a vida de muitos de nossos guerreiros na busca por essa planta medicinal.
Quando finalmente deram à luz, nosso povo se deparou com um choque assustador.
_A primeira mulher, companheira do segundo no comando, deu à luz a um macho, mas sua cor era totalmente estranha. Enquanto todos nós possuímos pele azul, desde os olhos até os cabelos e os rabos, a criança nasceu com uma pele roxa, quase púrpura, cabelos negros e olhos que pareciam duas obsidianas negras. Além disso, era maior do que o comum para um recém-nascido, deixando todos atônitos.
⎰A segunda mulher, filha do curandeiro, também deu à luz a um macho de pele roxa, mas seus cabelos eram prateados, brilhando intensamente à luz, com olhos prateados que refletiam a cor. Seu corpo era grande, porém magro.⎱
⎾A terceira mulher deu à luz outro macho, de pele azul como o resto de nosso povo, mas seu tamanho era menor, quase anormalmente pequeno. Contudo, ao olhar mais de perto, percebemos uma deformidade: ele possuía dois órgãos masculinos, ambos saudáveis e funcionais, uma anomalia desconcertante.⏌
◤A quarta mulher deu à luz e mais uma vez o inusitado surpreendeu a todos. Esse macho tinha uma pele de tom misto, azul e púrpura, assim como seus olhos, cada um de uma cor diferente. Seus cabelos tinham cores estranhas e diversas, e seu corpo tinha uma estrutura comum, embora igualmente peculiar.◢
◆A quinta e última mulher, viúva de um dos guerreiros que morrera na busca pela planta, deu à luz a outro macho, pondo fim a qualquer esperança de nascimento de fêmeas. Essa criança nasceu completamente roxa, com olhos violeta, cabelos lilás e dois rabos balançando ruidosamente, uma peculiaridade chocante.◆
As mães rejeitaram seus filhos, alegando que eram abominações, um castigo enviado pelo Grande Mestre. O curandeiro relacionou esses nascimentos incomuns a características desconhecidas da planta que as mães consumiram, pois a planta tinha a mesma cor peculiar das crianças.
Com as mães rejeitando suas próprias crias devido às suas características peculiares, parecia improvável que sobrevivessem.
Para surpresa de todos, os filhotes sobreviveram por cinco dias e cinco noites ao relento, sem comida ou água. O curandeiro, ao tomar conhecimento, encontrou-os encolhidos como num ninho, com suas respirações já fracas, à beira do colapso.
A partir desse momento, o curandeiro assumiu a responsabilidade de cuidar das crias, uma tarefa árdua, uma vez que os lazurdianos continuavam a rejeitá-los de forma intransigente.
Cinco anos após o nascimento dessas criaturas, as fêmeas não haviam concebido outros filhotes com seus companheiros ou substitutos, o que indicava que agora estavam estéreis, incapazes de gerar vida.
O futuro de um povo que já enfrentava um colapso era incerto, e o ódio em relação nós só aumentava. Mesmo tão jovens, haviamos enfrentado uma culpa que não era nossa.
Um estrondo rompeu o silêncio e chamou a atenção dos guerreiros: uma montanha de metal desabou nas proximidades da aldeia. Antigos seres, conhecidos como fulks, emergiram da nave. Os fulks eram criaturas ancestrais, com corpos esqueléticos, cabeças avantajadas, desprovidas de olhos e com garras no lugar das mãos. Suas bocas ostentavam dentes pontiagudos. De suas gargantas, soltaram grunhidos em uma língua desconhecida. Os lazurdianos mais velhos avançaram para dialogar com eles.
Ficaram sabendo que os fulks estavam em busca de kpequis, uma substância verde que brotava da terra lazurdiana e era usada como combustível em épocas de chuva, quando a lenha se tornava inútil. Os fulks ofereceram algo em troca dos recipientes contendo essa substância.
O chefe da aldeia rejeitou a oferta, recusando qualquer contato com estrangeiros. No entanto, dois fulks surgiram da nave segurando uma criatura: uma fêmea de outra espécie. Ela tinha a pele branca, dois braços e duas pernas, era pequena e magra, com longos cabelos negros. Seu aroma indicava que se tratava de uma fêmea de outra raça, que se autodenominavam "humanos."
Os guerreiros lazurdianos enlouqueceram ao sentir os feromônios dela, que os levavam a crer que eram compatíveis. Nesse dia, foi feito o acordo de kpequi.
A cada ciclo, os fulks trariam doze dessas fêmeas, visto que mais de duzentos guerreiros permaneciam sem parceiras. Em troca, receberiam a quantidade desejada de kpequis.
A esperança renasceu entre os lazurdianos, com a expectativa de que a linhagem de seu povo continuasse.
O líder lazurdiano tomou a fêmea humana como sua parceira. No entanto, durante dois anos, não foi estabelecido o vínculo que geraria uma prole. Apesar da compatibilidade sexual, o processo de vinculação não havia ocorrido.
Quando as esperanças pareciam novamente desaparecer, a fêmea humana finalmente estabeleceu um vínculo com um guerreiro próximo ao líder da aldeia. Para evitar tumultos, aprenderam que essas fêmeas eram difíceis de vincular, e decidiram que para cada fêmea, haveria cinco machos à disposição. Os que não fossem escolhidos aguardariam pela próxima oportunidade.
Desse modo, a cada ciclo, doze fêmeas humanas chegavam, e sessenta machos eram selecionados em grupos de cinco, disponíveis para que as fêmeas fizessem suas escolhas. Esse grupo passou a ser chamado de "firnet," que significava família ou unidade, e os jovens escolhiam seus irmãos de firnet, criando laços para atrair suas fêmeas.
Esse ciclo foi estabelecido há sete ciclos atrás. Meu firnet já havia sido formado há muito tempo, composto por mim e meus irmãos, os quais, como eu, eram considerados criaturas indesejadas por esse povo. Desde a infância, nunca nos separamos, e nossos laços de firnet eram os mais fortes existentes.
Eu e meus irmãos já havíamos participado de quatro ciclos, e o nosso firnet sempre era rejeitado pelas fêmeas, o que era uma vergonha, já que outro firnet frequentemente acabava conseguindo duas parceiras.
No início da minha juventude, ainda mantínhamos a esperança, mesmo que todos ao nosso redor deixassem claro que nosso próprio povo nos odiava. As fêmeas humanas, quando nos viam, expressavam nojo e repulsa, assim como o restante de nossa comunidade.
Todas essas fêmeas eram essencialmente iguais: tinham a mesma cor de pele, estrutura corporal magra, cabelos, olhos e um comportamento intolerável e cruel. Isso tinha alguma relação com a exigência do líder de unificar a raça, não é novidade que ele não suporta diferenças, afinal, somos a prova disso.
As fêmeas humanas eram problemáticas, tratavam seus firnet como se fossem crux, uma raça inferior do nosso planeta. Passavam o dia inteiro reclamando em sua língua estrangeira, e alguns machos tentavam aprendê-la, mas desistiam rapidamente. Elas emitiam ordens o tempo todo, se considerando as donas de toda a aldeia. Muitas delas formavam haréns com os machos que sobravam.
Participávamos das cerimônias dos ciclos por obrigação, pois Rucof, o curandeiro, sempre nos forçava. Ele foi quem cuidou de nós e nos ensinou a sobreviver em nosso próprio povo.
No entanto, esse seria o nosso último ciclo de participação. Tínhamos atingido a idade necessária, e, sinceramente, não suportávamos mais as provocações dos outros firnet e as palavras de nojo proferidas pelas fêmeas humanas.
Olhei para o meu irmão, Kaleb, e balancei a cabeça.
- Quero sair daqui, Kaleb. Ir embora, bem longe. Estou cansado de tudo isso.
Kaleb suspirou e olhou à frente.
- Eu entendo, meu irmão. Eu também quero, mas você sabe que viver fora da aldeia é perigoso demais.
- Somos cinco, Kaleb. Somos mais fortes do que a maioria. Conseguiríamos nos virar.
- Eu sei, Krum, mas não é esse perigo ao qual me refiro. Você sabe o que aconteceria conosco sem uma fêmea.
Eu sabia que ele estava certo. Nossa raça não sobreviveria sem uma fêmea, e, mesmo que não tivéssemos uma, o feromônio emitido pelas que estavam na aldeia nos manteria ligados, ou definharíamos.
Concordei com a cabeça, ciente de que ele estava certo. No entanto, por um breve momento, desejei a liberdade.
- Vamos, antes que Chacal acabe arrumando confusão. Você conhece o quanto ele é insensato, parece que ter dois rabos aumenta sua idiotice.
Kaleb brincou com nossos defeitos e arrancou de mim uma pequena risada. Levantamo-nos juntos e caminhamos em direção à aldeia, ignorando os olhares de nojo, ódio e tudo o mais que pudesse ser direcionado a nós.
Quando chegamos perto da grande fogueira no centro da aldeia, ouvimos gritos e grunhidos. No meio de uma briga, Chacal e o idiota do Lemusk, filho do chefe da tribo, estavam emaranhados em um combate feroz.
Avançamos e conseguimos separar Chacal de Lemusk. Chacal era incrivelmente forte, seus rabos chicoteavam o ar como lâminas afiadas, e seus pelos se transformavam em espinhos que machucavam quem quer que entrasse em seu caminho.
Um rugido ressoou, e a multidão recuou, dando espaço ao chefe da tribo. Apertei os dentes, minhas presas machucando meus lábios, ciente de que o destino talvez não estivesse a nosso favor naquele momento.