Meu corpo todo paralisa com a voz que surge atrás de mim. Tento controlar minha respiração, minha raiva, meu ódio, as lembranças de tudo que passei há anos atrás. Sinto seu corpo passar pelo meu e então finalmente César Rech está a minha frente, perto o suficiente para minhas mãos que desejam muito fazer vingança com sangue.
- Se sua idéia for realmente nos fazer brigar por uma vaga na sua empresa, pode ficar com o amante das leis.
Sr. Rech ri alto e parece encantado com a mulher sem trava na língua ao meu lado. Aline não sente a pressão do poder desse homem, o trata como se fosse qualquer um. Pelo que vejo do infeliz que odeio tanto, isso o agrada muito. Só que outra pessoa tem o mesmo olhar de admiração aqui, o braço direito do poderoso. Sr. Brandão parece ainda mais encantado, no nível apaixonado diria.
- Obrigada pelo carro!
Aline diz e joga a chave do Porshe para o seu cadelinho de estimação.
- Não vai mais precisar?
- Não! Seguradora já me trouxe um carro para usar até que o meu fique pronto. Não é um Porshe, mas dá pra usar.
Os dois sorriem e o Sr. Brandão para ao ver o olhar do Sr. Rech, nada feliz com a interação aqui.
- Acho que podemos começar a reunião.
Fala firme e senta na cadeira que fica na ponta da enorme mesa. Olha só! O que temos aqui!? A Dra. Castradora sem perceber usando seu poder de vagina sobre os machos alfas dessa empresa. É nítido que o Sr. Brandão e o Sr. Rech estão de quatro por essa mulher e farão qualquer coisa para conquistá-la. Isso significa que estou em desvantagem e que posso não conseguir a vaga de advogado aqui, atrapalhando meu plano.
- Dr. Spinoza, acho que teve algumas dicas do porque está aqui.
- Na verdade, as dicas que me deram estão bem confusas.
- Dr. Ferraz parece que confundiu a cabecinha depravada do nosso Dr. Vagina.
Aline diz em tom de deboche e não gosto da forma vulgar e um tanto humilhante que se refere a mim. Ficamos nos olhando e essa mulher não parece nem um pouco arrependida do que disse, mesmo vendo que eu não gostei.
- Sr. Rech sabe que a Dra. Vincent usou o poder do marido e cobrou alguns favores para conseguir ganhar aquele processo.
- Como ficou sabendo disso?
Pergunto e agora olho fixamente nos olhos do homem que mais odeio no mundo.
- Eu contei!
Aline se entrega e mantenho meu olhar no Sr. Rech.
- A brilhante Dra. Baldan, indignada com a injustiça daquela sentença me procurou e contou nos pequenos detalhes tudo que aconteceu.
- Nos pequenos detalhes?
Questiono e pelo seu sorriso com más intenções, sabe muito sobre meu caso com a Suzana.
- Como sabe?
- Por três meses fui assistente do juiz titular da sexta vara Federal.
Porra! Ela foi assistente do marido da Suzana? Então ele também sabe do nosso caso e nunca disse ou fez nada.
- Estava em sua sala o ajudando com as sentenças, quando a Dra. Vincent o convenceu a ajudar com o processo que você era advogado.
- Saiu correndo do fórum para o ouvido do Dr. Ferraz? Tão profissional da sua parte!
- Não! Tive uma briga muito feia com o Dr. Vincent, que me expulsou de seu gabinete e entrou com um pedido para me exonerarem do cargo público. Quando a sentença naquele processo saiu, minha denúncia contra o juiz se tornou verídica, tentaram me colocar de volta no serviço público e me neguei. Agora quem sofre processo de exoneração é aquele cretino.
- Dra. Baldan usa a justiça de forma limpa e correta.
Sr. Rech diz e seus olhos brilham para Aline, como se ela fosse a deusa da justiça, uma imortal.
- Em que parte acontece a fofoca sobre mim?
- Sr. Brandão me procurou, pois soube através de seus contatos no fórum tudo que aconteceu comigo e o Dr. Vincent. Me trouxe até o Sr. Rech e contei tudo que sei, incluindo seu caso com a Dra. Vincent.
- Certo! Por que estou aqui, se o único processo que ganhei contra o senhor foi comprado?
Pergunto e uma secretária aparece segurando uma bandeja com café. Serve a todos e quando chega na Dra. Baldan deixa um chá que tem um cheiro maravilhoso.
- Sra. Telma pediu para avisar que fez do jeito que você ensinou.
- Obrigada, Júlia!
As duas sorriem com uma intimidade bem grande e a secretária vai embora.
- Chá especial?! Parece que alguém já se sente bem em casa.
Dr. Ferraz diz e ganha em resposta uma sobrancelha erguida.
- Voltando a sua pergunta!
Sr. Rech chama a atenção para ele e me olha pra responder.
- Tenho olhos e ouvidos em todos os lugares, Dr. Spinoza! Sei que não gostou da atitude da Suzana, queria ganhar aquele processo por merecimento e não comprando a sentença.
Alberto! Só pode ser ele o infiltrado no escritório da Suzana. Quando sai da sala após me demitir, dei de cara com ele no corredor.
- Seu caso com sua superiora não me incomoda, não me interessa. Só que sua dignidade e senso de justiça me interessam muito.
Toma um gole de seu café e quando Aline ergue a xícara para tomar o chá, assopra fazendo o cheiro de maracujá invadir meu nariz. O cheiro é delicioso e fico imaginando qual seria a receita que ela ensinou para a Sra. Telma.
- Antes decidir o que esses dois vão fazer na empresa, pode me mandar logo embora? Me demite e me liberte pra sair dessa sala logo.
Dr. Ferraz fala cansado e parece realmente não agüentar mais ficar aqui.
- Não vou te demitir, Juliano! Não houve um erro de sua parte naquele processo, perdemos por compra de sentença. Só que é nítido a todos que não possui mais empolgação, vida para trabalhar aqui. Nossa proposta é te colocar em uma de nossas empresas secundárias como responsável jurídico, te deixo escolher para onde quer ir.
Juliano parece se animar e até sorri.
- Posso ficar na empresa em Manhattan?
- É isso que quer?
- Sim!
- Brandão, pode cuidar do Juliano enquanto finalizo com a Dra. Baldan e o Dr. Spinoza?
- Claro!
Os dois saem da sala e foco se torna Aline e eu.
- Sr. Rech, antes que faça a proposta, minha resposta já é não.
- Dra. Baldan, me escute e...
- Sei o tipo de negócios que possui e não sou o tipo de advogada que vai querer aqui. Não sou capaz de mentir, usar as falhas na lei para te beneficiar, não consigo.
- É por isso que preciso de você.
Os dois ficam se olhando e fico me sentindo um intruso.
- Vocês dois possuem algo em comum, o senso de justiça. Quero isso aqui, quero de alguma forma tornar a minha empresa mais regular, mais correta. Estou cansado desses processos, da quantidade de intimações judiciais que recebemos pelas falhas no nosso sistema jurídico. Quero que juntos arrumem todas as nossas lacunas e falhas para diminuir as demandas futuras. Façam as defesas processuais com base na lei, me protegendo de condenações.
- Já disse que não vou usar as falhas na justiça para te beneficiar.
- Você não, mas ele sim! Por isso preciso de você, Dr. Spinoza! Possui o senso de justiça, mas não o de ética como a Dra. Baldan. Se a lei deixou passar, você não tem medo de usar para me beneficiar, é justo já que a lei é falha, não é mesmo? É lícito usar as brechas na lei para benefício próprio.
Está sorrindo como se eu fosse seu melhor amigo e quero quebrar seus dentes no soco.
- Concordo! Se a lei não abrange tudo, as lacunas não são uma injustiça, mas sim uma defesa.
- Isso! Por isso está aqui!
Sr. Rech se levanta e fica entre nós dois.
- Não quero que lutem por um lugar, mas sim que preencham esse espaço juntos. Acredito que vocês dois podem se unir e se tornar algo grandioso. Vocês aceitam se unir para tornar o meu jurídico imbatível?