Era meu quinto aniversário de casamento com Henrique Moraes. As taças de cristal na longa mesa de jantar refletiam a luz fria e cara do lustre.
Tudo nesta mansão era frio e caro, inclusive meu marido.
Ele se sentava à minha frente, com os olhos fixos no meu peito. Nunca no meu rosto, jamais no meu rosto.
"Como ele está se sentindo, Marina?", ele perguntava. Era a mesma pergunta que ele fazia todos os dias. "Algum desconforto? Palpitações?"
"Estou bem, Henrique."
Alisei a seda do meu vestido. Cinco anos. Por cinco anos, eu fui o receptáculo vivo e pulsante para o coração de seu primeiro amor morto. Minha vida era uma prisão construída com exames médicos, refeições orgânicas e horários rígidos para dormir - minha saúde era gerenciada com a mesma eficiência implacável que ele aplicava ao seu império de tecnologia.
A pesada porta da frente se abriu sem um ruído. Uma mulher estava parada ali, banhada pela luz do hall. Ela era linda, com um rosto que eu já tinha visto em mil fotografias.
Isadora Bastos. A mulher que deveria estar morta.
Henrique congelou. A taça de vinho escorregou de sua mão e se estilhaçou no chão de mármore. Ele a encarava, o rosto uma máscara de incredulidade.
"Henrique", disse ela, sua voz uma melodia suave. "Eu voltei."
Ela caminhou em direção a ele, seus olhos brilhando. Nem sequer olhou para mim. Eu era apenas parte da mobília.
Isadora parou em frente à nossa mesa e me olhou pela primeira vez. Seu sorriso era afiado.
"Você cuidou bem dele", disse ela, com os olhos no meu peito. "Mas eu voltei agora. Você devia saber a hora de ir embora."
Eu esperava sentir uma onda de dor ou ciúme. Em vez disso, não senti nada. Um vazio imenso e silencioso.
"Claro", eu disse. Minha voz estava calma. "Eu vou embora."
O sorriso de Isadora vacilou. Ela pareceu surpresa com minha rápida concordância. Provavelmente esperava lágrimas, uma briga, uma cena patética. Mas a mulher que amava Henrique Moraes tinha morrido um pouco mais a cada dia nos últimos cinco anos. Naquela noite, ela finalmente se foi.
"Ótimo", disse ela, recuperando-se rapidamente. "Henrique estava me esperando."
Eu me levantei.
"Desejo felicidades a vocês."
Saí da sala de jantar sem olhar para trás. O ar frio da noite bateu no meu rosto quando pisei do lado de fora. Parecia limpo. Parecia livre.
Meu coração batia em um ritmo constante no meu peito. Pela primeira vez em cinco anos, não pensei em sua saúde ou em sua história. Apenas o senti bater. E eu soube, com uma clareza súbita e aguda, que não o amava mais. O amor tinha sido uma doença, e agora eu estava curada.
Minha vida antes de Henrique parecia pertencer a outra pessoa. Eu era uma estudante de design quando o vi pela primeira vez em uma gala beneficente da universidade, um bilionário self-made cuja intensidade silenciosa dominava o ambiente. Me apaixonei por ele instantaneamente, uma paixão tola e juvenil por um homem que era famoso por sua devoção à namorada, Isadora Bastos. Eu era apenas uma figurante na história de amor perfeita deles.
Então meu mundo desabou. Um defeito cardíaco congênito com o qual vivi a vida inteira piorou, e os médicos me disseram que eu morreria sem um transplante. Deitada em uma cama de hospital, ouvi a notícia de que o iate de Isadora havia se perdido em uma tempestade em Angra. Ela foi dada como morta. Em meio à minha névoa de dor, rezei pela recuperação de Henrique, não pela minha.
Então veio a reviravolta cruel do destino. Um coração apareceu bem a tempo. Sobrevivi à cirurgia, apenas para uma enfermeira, com pena, me contar que o coração era uma doação da família de Isadora Bastos.
Eu o encontrei no memorial dela, nas falésias com vista para o mar, um homem poderoso quebrado pela dor. Meu próprio coração - o coração dela, eu acreditava - doía por ele. Logo depois, ele entrou na minha vida, gentil e atencioso. Ele falava sobre Isadora, e eu ouvia, pensando que ele encontrava conforto no pedaço dela que eu carregava. Eu sabia que ele olhava para o meu peito, não para mim, mas eu estava tão apaixonada, tão grata por estar viva, que me permiti acreditar que poderia ser real. Ignorei os sinais de alerta e me casei com ele.
A verdade sobre minha gaiola de ouro ficou clara quase imediatamente. Minha vida não era mais minha, ditada por uma equipe de médicos e nutricionistas. "Precisamos proteger o coração", Henrique dizia, sua voz suave, mas firme, enquanto proibia qualquer coisa que pudesse elevar minha frequência cardíaca. Ele tocava a cicatriz no meu peito e sussurrava: "Ela ainda está comigo", falando não para mim, mas para Isadora. Eu era apenas a incubadora.
Por anos, tentei fazê-lo me ver, mas o amor dentro de mim murchou, faminto por afeto. Eu não era uma pessoa para ele, mas um recipiente precioso e frágil para seu amor perdido.
Então Isadora voltou. E ela me contou a verdade mais libertadora.
Enquanto eu saía naquela noite, ouvi-os no corredor. "Minha morte foi um teste", disse Isadora. "Eu precisava saber se você me amaria de verdade para sempre. Cinco anos na Europa foi um preço pequeno a pagar para ter certeza."
Ouvi um som agudo e sufocado de Henrique, como se ele não conseguisse respirar. Então Isadora riu, um som como vidro quebrando.
"E aquele coração dentro dela? Ah, querido. Aquele não é o meu coração. Eu estou perfeitamente saudável. Deve ter pertencido a alguma outra coitada."
Naquele momento, a última corrente se quebrou. A base de todo o nosso casamento era uma mentira. Uma mentira que ele construiu, e uma mentira na qual eu vivi.
Eu estava livre.
O amor se foi. A esperança se foi. Tudo o que restava era o desejo de escapar.
Fui a um advogado no dia seguinte e preparei os papéis do divórcio. Eu não passaria mais um minuto como uma substituta.
Naquela noite, cheguei em casa tarde. A casa estava escura. Entrei no meu ateliê, meu santuário, e acendi a luz.
Henrique estava parado ali, no meio da sala. Ele me assustou.
"Onde você estava?", ele exigiu, a voz ríspida.
"Eu saí", eu disse, evitando seus olhos.
"Você sabe que não deve sair tão tarde. Faz mal para a sua saúde. E se algo acontecesse?"
Era sempre sobre a minha saúde. Sempre sobre o coração.
Meu peito estava apertado, mas desta vez não era meu defeito cardíaco. Era fúria.
"Estou bem, Henrique."
"Eu vou para a ESDI, Henrique. Fui aceita", eu disse, minha voz tremendo um pouco. "Eu tenho um sonho."
"Um sonho?", ele zombou. "Seu sonho é ficar aqui e ser minha esposa. Cuidar do coração da Isadora."
Suas palavras, antes uma fonte de dor secreta, agora eram apenas combustível.
Ele caminhou até minha mesa de design. Meus esboços para a inscrição na ESDI estavam espalhados, um mapa do meu futuro.
Ele os pegou.
"Isso é uma perda de tempo", disse ele, a voz fria. Ele começou a rasgá-los, um por um. O som do papel se rasgando era o único som na sala.
Meus sonhos, rasgados em pedaços em suas mãos.
Algo dentro de mim se partiu.
"Quem você pensa que eu sou?", gritei, o som cru e arrancado da minha garganta. "Eu não sou uma boneca! Não sou um recipiente para você guardar em uma prateleira!"
"Eu tenho sentimentos! Eu tenho uma vida! Este coração é MEU!"
Seu rosto escureceu. "É o coração da Isadora, Marina. E você é minha esposa. Você fará o que eu digo."
"E se eu não quiser?", chorei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. "E se eu quiser ser uma designer? E se eu quiser uma vida própria?"
Uma dor aguda atravessou meu peito. Minha respiração falhou. Tropecei, agarrando-me à mesa para me apoiar.
Sua raiva desapareceu instantaneamente, substituída por aquela preocupação familiar e sufocante.
"Marina!" Ele correu para o meu lado, as mãos pairando sobre mim. "Seu coração. Não se agite."
Ele já estava procurando o frasco de pílulas que sempre mantinha por perto. A medicação de emergência. O símbolo da minha prisão.
Ele me convenceu a tomar a pílula, sua voz um murmúrio baixo e gentil. Era a voz que ele usava para domar um animal assustado.
"Apenas seja boazinha, Marina. Fique comigo, e eu te darei tudo o que você quiser."
Engoli a pílula, o amargor cobrindo minha língua. Não senti nada por seu toque gentil agora. Era o toque de um tratador de zoológico, não de um marido.
Enquanto a dor no meu peito diminuía, uma determinação fria se instalou em minha alma.
Olhei para ele, meus olhos claros.
Tirei os papéis da minha bolsa. O acordo de divórcio.
"Eu quero a cobertura na Vieira Souto", eu disse, minha voz firme.
Ele olhou para o documento, a testa franzida de aborrecimento, não de suspeita. Ele pensou que eu estava tendo um chilique, fazendo uma exigência que ele poderia facilmente atender.
"Tudo bem", disse ele, pegando a caneta. Ele nem leu o que estava assinando. Apenas rabiscou seu nome na linha. "A cobertura é sua. Apenas pare com essa bobagem de ir embora."
"Seja uma boa menina", ele acrescentou, "e você pode ter o mundo."
O arranhar da caneta no papel foi o som das minhas correntes se quebrando.
Observei a tinta secar. Henrique Moraes. O nome que definiu minha vida por cinco anos.
Acabou. Eu tinha minha liberdade.