Ele adiou nossos planos de casamento por causa dela. Deixou que ela invadisse nossa casa, tocasse na minha arte, dormisse com meu roupão. Ele me chamou de possessiva e cruel quando protestei. O homem que um dia prometeu me amar se foi, substituído por um estranho que usava um procedimento médico como desculpa para sua crueldade.
A gota d'água foi o medalhão da minha mãe, a única coisa que me restava dela. Diana o viu e decidiu que o queria, chorando que seu namorado morto tinha um igualzinho.
Quando recusei, o rosto de Arthur endureceu. "Não seja criança", ele ordenou. "Dê para ela."
Ele não esperou por minha resposta. Avançou e arrancou a corrente do meu pescoço, o metal queimando minha pele.
Ele prendeu o medalhão da minha mãe no pescoço de Diana. "Isto é um castigo, Ella", disse ele calmamente. "Talvez agora você aprenda a ter um pouco de compaixão."
Enquanto ele passava um braço protetor ao redor dela e a levava embora, eu soube que o homem que eu amava estava realmente morto. Peguei meu celular, minha decisão tomada.
"Pai", eu disse, com a voz firme. "Estou voltando para casa."
Capítulo 1
A festa de noivado deveria ser hoje à noite.
Em vez disso, Arthur Bittencourt, meu noivo e herdeiro de um império imobiliário, estava em um quarto de hospital particular, se recuperando. Um transplante de medula óssea o salvara da leucemia. Deveríamos estar celebrando uma nova vida, um novo começo.
Foi quando ela entrou.
"Você é Arthur Bittencourt?", ela perguntou, com a voz suave.
Ela era linda de uma forma frágil, seus olhos grandes e perscrutadores. Arthur, ainda fraco, assentiu da cama.
"Eu sou Diana Ferraz", disse ela. "Gabriel Costa... o doador... ele era meu namorado."
O ar no quarto ficou parado. O programa de doação era anônimo. Não deveríamos saber o nome dele, muito menos conhecer sua ex-namorada.
Arthur pareceu visivelmente desconfortável. "Sinto muito pela sua perda. E sou grato. Mas não acho que você deveria estar aqui."
O rosto de Diana se desfez. "Por favor. Você tem uma parte dele dentro de você. É a única parte dele que resta no mundo."
Suas palavras eram estranhas, obsessivas. Um arrepio percorreu minha espinha.
"Diana, isso é inapropriado", eu disse, dando um passo à frente. "Agradecemos o gesto, mas Arthur precisa descansar."
Ela me ignorou completamente. Seus olhos estavam fixos em Arthur. No dia seguinte, a encontramos no saguão do hospital, recusando-se a sair. Ela fez uma cena, chorando, dizendo a todos que quisessem ouvir que só queria estar perto do homem que carregava a "alma" de seu amor perdido.
Arthur ficou furioso no início. "Tirem-na daqui", disse ele à segurança. "Ela é instável."
Mas Diana era esperta. Quando os seguranças se aproximaram, ela tirou um objeto pequeno e afiado da bolsa e fez um corte fino e vermelho em seu pulso. Não foi profundo, mas foi o suficiente. Suspiros encheram o saguão.
"Não tenho mais pelo que viver sem ele", ela soluçou.
Algo mudou nos olhos de Arthur. Ele dispensou os seguranças. Caminhou até ela, seus movimentos ainda rígidos por causa da recuperação, e gentilmente tirou o objeto de sua mão.
"Não faça isso", disse ele, com a voz surpreendentemente suave.
A partir daquele momento, tudo mudou. Ele começou a passar tempo com ela, ouvindo suas histórias intermináveis sobre Gabriel. Ele se sentava com ela no jardim do hospital, me deixando sozinha em seu quarto por horas.
"Ela só está de luto, Ella", ele dizia quando eu tentava protestar. "Temos que ser compreensivos."
Então ele olhou para mim, seus olhos distantes. "Vou adiar a festa de noivado."
"O quê? Arthur, não. Todos estão esperando."
"Faremos mais tarde. Diana não está em condições de ver pessoas comemorando."
Não era mais sobre nós. Era sobre ela. A notícia se espalhou pela nata da sociedade paulistana como uma doença. Ella Martins, a artista em ascensão, estava sendo deixada de lado pela trágica e bela ex-namorada de um homem morto. Eu via os olhares de pena, ouvia os sussurros nas galerias e eventos de caridade que agora eu tinha que frequentar sozinha. Eu me tornei uma piada ambulante.
"É só que... é estranho", Arthur tentou explicar uma noite, a mão esfregando o peito sobre sua nova medula. "Sinto uma conexão com ela. Uma culpa. É como... memória celular. As células dele estão me dizendo para cuidar dela."
A desculpa era tão absurda que me deixou sem palavras. Ele estava usando um procedimento médico para justificar sua crueldade.
"Por favor, Ella", disse ele, pegando minhas mãos. Seu aperto era forte, desesperado. "Apenas espere por mim. Seja paciente. Eu vou compensar você."
Olhei para o homem que eu amava, o homem que havia lutado contra uma doença mortal e vencido. Vi a exaustão em seu rosto, e meu coração doeu. Eu estive ao seu lado em cada sessão de quimioterapia, em cada noite aterrorizante. Eu não podia abandoná-lo agora.
Então eu assenti, um nó se formando em minha garganta.
Lembrei-me de como ele costumava ser. A maneira como ele olhava para minha arte, seus olhos cheios de orgulho. Ele segurava minha mão e me dizia que eu era a pessoa mais talentosa que ele já havia conhecido. Ele me fazia sentir vista, amada.
A lembrança de seu pedido de casamento era uma ferida recente. Ele havia alugado um andar inteiro do MASP, nos cercando com as obras de Portinari porque sabia que eram as minhas favoritas. Ele se ajoelhou, a voz embargada de emoção ao me prometer uma vida inteira de amor e apoio. "Você é o meu mundo, Ella", ele havia jurado.
Onde estava aquele homem agora? Para onde foram todas aquelas promessas?
Na semana seguinte, Diana estava em nosso apartamento. Ela andava pelos cômodos como se fosse a dona, tocando em minhas coisas, minhas pinturas, minha vida.
Ela pegou uma foto emoldurada de mim e Arthur da lareira. "Nós teríamos ficado tão bem em uma foto como esta", ela suspirou, uma lágrima rolando por sua bochecha.
Arthur, ao lado dela, apenas assentiu. Ele nem olhou para mim.
"Ela só sente falta dele", disse ele mais tarde, como se isso explicasse tudo. "Não seja tão possessiva com as coisas, Ella. São apenas coisas. Posso te comprar cem molduras novas."
Mas não era sobre a moldura. Era sobre ela invadindo meu espaço, minha vida, com a permissão dele.
A verdadeira briga veio por causa do medalhão da minha mãe. Era uma peça simples, vintage, a única coisa que me restava dela. Eu o usava todos os dias. Diana o viu e seus olhos brilharam com um brilho doentio e cobiçoso.
"Gabriel me deu um igualzinho a este", ela sussurrou, a voz trêmula. "Eu o perdi."
Apertei o medalhão em meu pescoço. "Sinto muito por isso, mas este era da minha mãe."
"Por favor", ela implorou, virando-se para Arthur. "Significaria tanto para mim. Seria como se ele estivesse comigo de novo."
Eu me mantive firme. "Não. Isso não é negociável. É meu."
O rosto de Diana se contorceu em uma máscara de dor. Ela parecia um animal ferido. "Você é tão cruel", ela engasgou, lágrimas escorrendo por seu rosto. "Você tem tudo, e não me dá esta única coisinha."
O rosto de Arthur endureceu. Ele se virou para mim, seus olhos de aço frio. "Ella. Não seja criança. Dê para ela."
"Arthur, você não pode estar falando sério. Este era da minha mãe!"
"E Gabriel está morto!", ele retrucou. "Ela já passou por o suficiente. Não se atreva a fazê-la se sentir pior."
Tentei argumentar, fazê-lo ver como aquilo era irracional. "Ela está mentindo, Arthur, você não vê..."
Ele me cortou. "Chega."
De repente, Diana ofegou e tropeçou, agarrando o braço. "Meu pulso... o corte... está sangrando de novo."
Era mentira. Eu tinha visto o corte mais cedo; era uma linha tênue e cicatrizada. Mas era a única desculpa que Arthur precisava.
Ele correu para o lado dela, sua voz cheia de pânico e preocupação. "Diana! Você está bem? Deixe-me ver." Ele embalou o braço dela como se fosse um tesouro inestimável, me ignorando completamente.
Seu olhar voltou para mim, cheio de fúria. "Você fez isso. Você a aborreceu."
Antes que eu pudesse reagir, ele se aproximou de mim. Sua mão disparou e arrancou o medalhão do meu pescoço. A corrente delicada se partiu, queimando minha pele.
Eu ofeguei, uma dor aguda irradiando do meu pescoço, mas a dor em meu coração era mil vezes pior.
Ele segurou o medalhão na palma da mão, um troféu. "Isto é um castigo, Ella", disse ele, com uma voz terrivelmente calma. "Talvez agora você aprenda a ter um pouco de compaixão. Nunca mais a aborreça."
Ele voltou para Diana, que agora soluçava em seu ombro. Ele gentilmente prendeu o medalhão - o medalhão da minha mãe - em volta do pescoço dela. "Pronto", ele murmurou, acariciando seu cabelo. "É seu agora. Tudo vai ficar bem."
Eu os observei, ele a confortando, ela se agarrando a ele. O último presente da minha mãe para mim estava agora no pescoço de uma estranha, uma ladra.
Ele nem olhou para trás enquanto a conduzia para fora do quarto, o braço protetoramente em volta dela.
Fiquei ali, a mão no meu pescoço ardendo, o lugar onde o medalhão costumava estar agora frio e vazio. Lembrei-me dele me devolvendo depois que a corrente quebrou uma vez, seus dedos tão gentis, seus olhos cheios de amor. "Eu sempre consertarei o que estiver quebrado para você, Ella", ele havia prometido.
Fiquei no apartamento silencioso por um longo, longo tempo. A dor no meu pescoço desapareceu lentamente, mas a do meu peito só cresceu, uma dor oca que se espalhou por todo o meu corpo até eu ficar entorpecida.
Este não era o homem que eu amava. Ele se fora.
Minha esperança também se fora.
Peguei meu celular e disquei para meu pai em Florianópolis. Sua voz era um calor bem-vindo no vazio frio do quarto.
"Pai", eu disse, minha própria voz soando estranha e quebrada. "Eu quero ir para casa."
Não houve hesitação. "Graças a Deus", ele suspirou. "Aquele desgraçado nunca te mereceu. Quando você vem?"
Meu pai havia deixado São Paulo anos atrás, incapaz de suportar a atmosfera pretensiosa e cruel da cidade. Ele havia me implorado para ir com ele, mas eu era jovem, apaixonada e acreditava que Arthur era meu futuro. "Ele é diferente, pai", eu havia insistido.
Como eu estava errada.
"Em breve", sussurrei no telefone. "Vou marcar um voo para o final do mês."
"Seu quarto está pronto, querida. Apenas venha para casa."
Desliguei, uma única ação decisiva. A contagem regressiva havia começado.