O médico tirou os óculos, o seu rosto sério.
"Sinto muito, a hemorragia interna do seu pai era demasiado grave. Fizemos tudo o que podíamos."
Nesse momento, o meu mundo desabou.
A dor no meu peito era insuportável, enquanto o cheiro a desinfetante me sufocava, e a minha perna partida latejava.
Mas nada se comparava à traição que se seguiu.
Liguei ao meu marido, Pedro, para partilhar a notícia devastadora.
Ele atendeu com irritação: "Ana? O que foi? Estou ocupado."
Quando consegui dizer que o meu pai tinha morrido, o silêncio do outro lado não era de choque, mas de frieza.
"Eu sei," disse ele. "Eu estava lá. Tive de tirar a Sofia do carro primeiro. Ela estava a ter um ataque de pânico."
A Sofia. A mulher que ele sempre protegia. A minha melhor amiga.
Ele deixou o meu pai a sangrar, preso nos escombros, para salvar a sua 'amiga frágil'.
O meu próprio marido observou o meu pai morrer.
A fúria gelada apoderou-se de mim.
A sua mãe, a Sônia, ligou logo a seguir, acusando-me de "birras egoístas" e defendendo o filho.
"O teu pai teve um acidente, acontece! Não culpes o meu filho!"
Eles não sentiam culpa, nem remorsos. Apenas desprezo pela minha dor.
Naquele quarto de hospital, com o meu coração partido e a perna fraturada, soube que a minha antiga vida tinha ruído.
Mas o meu pai, mesmo depois de morto, deixou-me uma arma.
Era uma cláusula no seu testamento que amarrava o Pedro a mim.
Ele precisava da minha assinatura para tocar no maior projeto da sua vida.
Quando o Pedro ligou, com a voz subitamente suave e suplicante, eu sorri.
O jogo tinha mudado. A guerra tinha começado.
E eu ia lutar com tudo o que tinha por justiça.