Respirou fundo, tentando se lembrar de quem ela era - sempre forte, sempre determinada, nunca cedia ao medo, mesmo quando ele apertava seu peito como agora.
- Vai ficar tudo bem - murmurou para si mesma, mais como um mantra do que uma verdade.
Ela estava a caminho de um novo destino, uma nova vida, uma nova chance de recomeçar. Tinha feito a escolha certa, ou pelo menos, era o que tentava acreditar. Deixar tudo para trás tinha parecido sensato na época, mesmo que agora, no meio do mar furioso, ela começasse a questionar. O barco balançava com uma violência crescente, e a sensação de perigo iminente tornava difícil pensar em qualquer coisa além do momento presente.
- Maldita tempestade - murmurou, apertando os lábios. O barulho ensurdecedor do vento e das ondas batendo no casco era quase surreal.
De repente, a porta da cabine foi aberta com um estrondo, e um dos tripulantes entrou, molhado até os ossos. Seus olhos estavam arregalados de pânico, a respiração curta.
- Temos problemas grandes, senhorita - disse ele, as palavras saindo trêmulas. - É melhor se preparar. Vai ser uma noite longa.
Antes que Bianca pudesse perguntar algo, o tripulante se foi tão rápido quanto veio, voltando para o caos do convés. A sensação de impotência crescia em seu peito, um nó na garganta que ela se forçava a engolir. Ficando de pé, ela se chocou contra a parede quando o barco inclinou-se de maneira perigosa. O capitão gritava ordens do lado de fora, mas suas palavras eram tragadas pelo rugido do vento.
Por um breve momento, Bianca pensou em correr para a segurança da cabine interna, onde provavelmente estaria mais protegida. Mas algo a fez hesitar. Ela sentia que precisava estar lá fora, que deveria enfrentar a tempestade de frente, não se esconder dela.
Seus pés hesitaram por um segundo, mas ela logo se moveu em direção à porta que levava ao convés. O frio cortante do vento a atingiu assim que saiu, quase tirando seu fôlego. A água da chuva misturada com os respingos salgados das ondas batia em seu rosto, cegando-a temporariamente.
A cena à sua frente era um caos absoluto. A tripulação corria de um lado para o outro, tentando manter o controle do barco que agora parecia ser uma mera casca de noz à deriva no oceano furioso. O convés estava inclinado em um ângulo assustador, e cada batida das ondas fazia o barco tremer violentamente.
- Senhorita, volte para dentro! - gritou um dos tripulantes, sua voz quase inaudível no meio da tempestade.
Mas Bianca não se moveu. Ela agarrou a lateral da embarcação, seus dedos firmes contra o metal frio. Algo nela recusava-se a ceder. Mesmo com o coração batendo na garganta, uma parte dela se recusava a se render ao pânico que começava a tomar conta de todos ao redor.
- Eu posso fazer isso - murmurou para si mesma, mais uma vez, como se repetisse uma verdade que precisava desesperadamente acreditar.
Uma onda colossal se ergueu à frente, como um monstro, e Bianca arregalou os olhos, incapaz de se preparar para o impacto. O barco foi arremessado para o lado com uma força brutal, e, por um momento, ela sentiu o chão sumir debaixo de seus pés. Sua mão escorregou da grade, e ela foi lançada contra a parede do convés.
A dor irradiou por todo o seu corpo, o impacto a deixando tonta. Ela lutou para se levantar, sentindo a náusea crescer enquanto o mundo girava ao seu redor. Quando finalmente conseguiu se erguer, uma sensação de desespero a atingiu
- Não... não assim - murmurou, tentando segurar uma nova rajada de pânico.
Foi então que ela ouviu o grito. Um dos tripulantes foi jogado para fora do barco, desaparecendo nas águas agitadas antes que alguém pudesse sequer tentar ajudá-lo. Bianca congelou, o sangue gelando em suas veias ao ver a cena. Sua mente recusava-se a acreditar no que seus olhos viam.
- Não... Não pode ser verdade.
Mas a realidade estava bem diante dela. O mar estava tomando tudo.
Uma nova onda colossal se formava à frente. Desta vez, Bianca soube que não havia para onde correr, e antes que pudesse reagir, a água atingiu o barco em cheio. O impacto a arremessou de novo, e ela sentiu seu corpo ser puxado pelo chão inclinado em direção às grades do convés. Ela tentou se segurar, mas seus dedos encontraram apenas o vazio.
- Segura! - alguém gritou, a voz abafada pelo rugido do vento.
Mas era tarde demais.
Bianca sentiu o vazio abaixo de si. O mundo ao seu redor virou de cabeça para baixo enquanto ela era lançada para fora do barco. O tempo pareceu desacelerar, e tudo o que ela viu foi o céu, coberto de nuvens escuras, girando acima de sua cabeça. Uma última palavra se formou em seus lábios, mas ela não teve chance de dizê-la antes de sentir a água gelada do oceano.
O impacto foi brutal. A água era como gelo, cortando sua pele e roubando seu fôlego em um único golpe. A sensação de ser engolida pelas profundezas tomou conta, e Bianca lutou desesperadamente para subir à superfície. Seu corpo implorava por ar, mas as ondas eram implacáveis, jogando-a de um lado para o outro como uma boneca de pano.
- Eu... preciso... respirar - pensava enquanto suas mãos e pernas batiam freneticamente contra a água. Mas o sal queimava seus olhos e sua garganta, e cada tentativa de subir parecia mais fútil que a anterior.
Lá em cima, ela conseguiu vislumbrar o barco, uma sombra distante no meio da tempestade. Mas ele parecia cada vez menor, mais longe. Sozinha, em meio ao vasto oceano, Bianca sentiu o desespero crescer em seu peito como uma chama incontrolável.
- Isso não pode estar acontecendo - pensou, o pânico tomando conta. - Eu não posso morrer assim.
O medo era quase paralisante, mas em algum lugar, dentro de si, algo gritava mais alto - a lembrança do motivo pelo qual ela estava ali. Ela não havia lutado tanto para acabar assim, não agora. Não no meio de um oceano furioso, onde ninguém a encontraria. Bianca não cederia.
Com um esforço sobre-humano, ela se forçou a bater as pernas contra as ondas, usando cada grama de força que ainda restava. Seu corpo inteiro implorava por descanso, por desistir, mas ela lutava.
- Não aqui. Não agora - repetia mentalmente, sua determinação empurrando o desespero para longe.
Mas, por mais que tentasse, o cansaço finalmente a dominou. Seu corpo começou a se entregar ao peso das ondas, seus braços e pernas se recusando a obedecer. A última coisa que sentiu antes de ser envolvida pela escuridão foi o frio mortal da água e o som distante da tempestade, ainda furiosa, mas cada vez mais distante.
Bianca foi levada pelas correntes, seus pensamentos e consciência desaparecendo no abismo do mar. Ela não sabia para onde as águas a levariam, mas, naquele momento, tudo que restava era o vazio silencioso.