Então, depois que ele me expulsou de casa tarde da noite, eu bati o carro. Deitada e ferida no hospital, eu esperava que ele finalmente desmoronasse. Em vez disso, ele chegou com minha rival da faculdade, Gisela Prado, que zombou abertamente de mim e afirmou que Heitor estava com ela.
Heitor ficou ao lado dela, defendendo-a, mesmo quando ela quebrou deliberadamente um desenho precioso da minha falecida mãe e depois inventou uma história de que eu a ataquei. Ele a carregou para fora, me deixando sozinha, com suas palavras ecoando: "É só um objeto, Clara. Você machucou uma pessoa por causa de um objeto."
A notificação da Conexão Mental piscou, tentando justificar a traição dele como "um teste do meu amor incondicional". Mas, pela primeira vez, suas palavras pareceram uma mentira monstruosa, uma justificativa doentia para sua crueldade.
Eu encarei a caixa azul, as palavras se borrando através das minhas lágrimas. O amor que aquilo descrevia não era amor. Era uma jaula. E eu, finalmente, enxerguei as grades. Eu tinha que sair dali.
Capítulo 1
"Saia."
A voz de Heitor Azevedo era vazia, sem um pingo de emoção. Ele nem sequer olhou para Clara. Seus olhos estavam fixos na pilha de relatórios financeiros em sua mesa de mogno.
Clara congelou, a mão ainda no livro que acabara de mover. Era uma coletânea de poesias que ela achou que ele gostaria. Ela o colocou no canto da mesa dele, um pequeno e esperançoso gesto.
"O quê?", ela perguntou, sua própria voz mal passando de um sussurro.
"Eu disse, saia", ele repetiu, finalmente levantando o olhar. Seus olhos eram de um cinza frio e penetrante, como um céu de inverno. "Preciso trabalhar. Não quero você aqui esta noite."
O choque, frio e agudo, a atingiu em cheio. "Heitor, para onde eu vou? Está tarde."
Ele apenas a encarou, sua expressão indecifrável.
Então, algo que só ela podia ver apareceu no ar diante dela. Uma caixa azul translúcida, como um pop-up em uma tela.
[Notificação de Conexão Mental: Heitor está testando sua obediência. Um homem da posição dele precisa de uma parceira que entenda sua necessidade de solidão sem questionar. Obedecer aumentará o afeto dele em 5%.]
A respiração de Clara falhou. Por sete anos, essas notificações foram sua tradutora secreta, a chave para entender seu enigmático marido. Elas transformavam a crueldade dele em complexas expressões de amor.
A notificação lhe deu uma estranha sensação de alívio. Não era crueldade aleatória. Era um teste. Um teste estranho e doloroso, mas com um propósito.
Ela assentiu, a vontade de lutar se esvaindo. "Tudo bem."
Ela se virou e saiu do escritório dele, seus movimentos robóticos. Não pegou um casaco, apenas a bolsa e as chaves.
Heitor não disse mais uma palavra. Ele já havia voltado sua atenção para o trabalho, a postura de seus ombros rígida e desdenhosa.
Ao fechar a pesada porta da frente atrás de si, o ar frio da noite a atingiu. Os gramados bem cuidados de sua mansão no Morumbi estavam escuros e silenciosos. Começou a garoar, uma chuva fria e miserável que encharcou seu suéter fino quase instantaneamente.
Ela entrou no carro, as mãos tremendo levemente ao dar a partida. Não tinha para onde ir. Suas amigas moravam a uma hora de distância, e ligar para elas tão tarde para explicar por que seu marido bilionário a havia expulsado era humilhante demais.
Ela começou a dirigir sem rumo, os limpadores de para-brisa lutando para acompanhar a chuva. Sua mente vagou para quando tudo começou.
Ela conheceu Heitor Azevedo na USP. Ele era o herdeiro silencioso e brilhante de uma fortuna de tecnologia, sempre cercado de pessoas, mas nunca parte delas. Ela era uma esperançosa estudante de artes, atraída pela tristeza que via em seus olhos.
Ela o perseguiu incansavelmente. Suas amigas a avisaram.
"Clara, ele é um bloco de gelo", sua melhor amiga, Mariana, havia dito durante um café. "Ele não fala, não sorri. O que você vê nele?"
"Eu vejo alguém que está sozinho", Clara respondera, cheia de uma confiança ingênua. "Eu posso alcançá-lo."
Mas ela não conseguiu. Ele rechaçou todas as tentativas, sua frieza uma muralha sólida. Ela estava prestes a desistir, de coração partido, quando a primeira notificação apareceu.
Ela estava sentada em um banco do campus, observando-o se afastar, quando a caixa azul cintilou e surgiu.
[Notificação de Conexão Mental: Heitor Azevedo é patologicamente tímido. Ele está sobrecarregado com sua franqueza, mas secretamente cativado. Sua rejeição é um mecanismo de defesa.]
Foi chocante, surreal. Mas lhe deu um pingo de esperança. No dia seguinte, outra notificação apareceu.
[Notificação de Conexão Mental: Heitor passou três horas na noite passada pesquisando seu artista favorito. Ele está tentando encontrar uma maneira de se conectar com você.]
Clara, cheia de determinação renovada, encontrou uma pintura antiga e desgastada em seu estilo em uma feira de antiguidades. Ela viu Heitor na biblioteca e passou por sua mesa, "acidentalmente" deixando a pintura cair.
Ele a pegou. Olhou para ela, depois para Clara. Pela primeira vez, ela viu algo além de indiferença em seus olhos. Um lampejo de interesse.
Ela soube então que as notificações eram reais. Eram seu guia.
Eles eventualmente começaram a namorar, se é que se pode chamar assim. Suas demonstrações de afeto eram inexistentes. Mas as notificações explicavam tudo. Um encontro cancelado era um teste de sua paciência. Um comentário cruel era um elogio oculto, uma maneira de afastá-la para ver se ela lutaria para ficar.
Foi ela quem o pediu em casamento. No dia do casamento, ele estava no altar parecendo mais um homem em um funeral. Ela chorou no banheiro depois, com o coração doendo.
[Notificação de Conexão Mental: Heitor está sobrecarregado pelo amor que sente por você. Sua limitação emocional o impede de expressar alegria convencionalmente. Sua solenidade é um sinal do peso profundo de seu compromisso.]
Então ela ficou. Por sete anos, ela suportou a frieza, os tratamentos de silêncio, as humilhações públicas. As notificações eram seu consolo constante, a única prova do amor profundo e possessivo que ela acreditava existir sob seu exterior gélido.
O som agudo de uma buzina a trouxe de volta ao presente. Faróis a cegaram. Ela desviou instintivamente, os pneus cantando no asfalto molhado. O carro girou fora de controle, batendo em uma mureta de proteção com um barulho medonho de metal se contorcendo.
Sua cabeça bateu no volante, com força. O mundo ficou turvo, pontos pretos dançando em sua visão. A última coisa que sentiu foi uma dor aguda e lancinante em seu braço.
Ela tentou ficar acordada, sua mente gritando por Heitor. Talvez fosse isso. O momento em que o muro cairia. Ele ouviria sobre o acidente, correria para o seu lado, sua compostura cuidadosamente construída finalmente se quebrando.
Sua visão embaçou. Ela sentiu que estava perdendo a consciência. Pouco antes de desmaiar, um pensamento, tingido com uma esperança familiar e amarga, ecoou em sua mente desvanecida.
Ele virá me buscar.
Ela acordou com o teto branco e estéril de um quarto de hospital. Uma dor surda latejava em sua cabeça, e seu braço esquerdo estava engessado, apoiado em um travesseiro.
Ela virou a cabeça, esperando ver Heitor na cadeira ao lado de sua cama.
A cadeira estava vazia.
Uma enfermeira entrou, sua expressão solidária. "Ah, você acordou. Como está se sentindo, Sra. Azevedo?"
"Onde... onde está meu marido?", a voz de Clara estava rouca.
O sorriso da enfermeira se contraiu. "Ele ligou mais cedo. Disse que tinha uma reunião importante que não podia perder. Ele enviou seu assistente para cuidar da papelada."
Clara sentiu um buraco frio se formar em seu estômago. Uma reunião importante.
Então, a risada de uma mulher ecoou do corredor. Era um som familiar e irritante.
A porta se abriu e Gisela Prado entrou, um sorriso presunçoso em seu rosto perfeitamente maquiado. Ela era a antiga rival de Clara na faculdade, uma mulher que fez de sua missão de vida atormentá-la.
"Clara, querida", Gisela arrulhou, seus olhos percorrendo o quarto com falsa preocupação. "Soube o que aconteceu. Que terrível."
Heitor apareceu atrás dela. Ele ficou na porta, sua expressão tão fria e remota como sempre. Ele nem estava olhando para Clara. Estava olhando para Gisela, um lampejo de algo - irritação? Indulgência? - em seus olhos.
"Heitor", Clara sussurrou, seu coração se partindo.
Ele olhou para ela, seu olhar desdenhoso. "O médico disse que você vai ficar bem. Uma concussão leve e um braço quebrado."
Gisela se aproximou dele, colocando uma mão perfeitamente manicure em seu braço. "Heitor estava tão preocupado, não é, querido? Ele estava me dizendo como você pode ser desastrada."
Clara os encarou, a mão possessiva de Gisela no braço de seu marido, a aceitação silenciosa de Heitor. A dor em sua cabeça não era nada comparada à agonia que rasgava seu peito.
[Notificação de Conexão Mental: Heitor está usando Gisela para testar sua reação. Ele quer ver se você vai lutar por ele. Seu ciúme é a prova máxima do seu amor.]
Pela primeira vez, a notificação não trouxe conforto. Parecia uma mentira. Uma justificativa doentia e distorcida para uma traição tão descarada que lhe roubou o fôlego.
Gisela se inclinou, sua voz um sussurro venenoso que só Clara podia ouvir. "Ele estava comigo ontem à noite, sabe. Depois que te expulsou."
Clara se encolheu como se tivesse sido atingida.
Gisela sorriu, uma curva triunfante e cruel em seus lábios. Ela ofereceu a Clara uma maçã descascada, a faca que usara ainda na outra mão. "Tome, coma uma fruta. Você parece tão pálida."
Clara encarou a maçã, depois a faca. Uma imagem passou por sua mente: a faca mergulhando no rosto sorridente de Gisela.
Ela empurrou a mão de Gisela para longe. A maçã caiu no chão. A faca bateu ao lado dela.
"Saia daqui", disse Clara, sua voz tremendo com uma raiva que não sentia há anos.
Gisela tropeçou para trás, um olhar de choque teatral em seu rosto. "Oh, meu Deus! Heitor, você viu isso? Ela tentou me atacar!"
Os olhos de Heitor se estreitaram, finalmente focando em Clara. Mas não havia preocupação, nem compreensão. Apenas uma desaprovação fria e cortante.
"Clara, já chega", disse ele, sua voz afiada. "Peça desculpas a Gisela."
Pedir desculpas? A palavra era tão absurda, tão monumentalmente injusta, que Clara só conseguiu encará-lo, incrédula.
Ele deu um passo à frente, sua sombra caindo sobre a cama dela. "Você me ouviu? Está fazendo uma cena."
Ele pegou Gisela pelo braço, seu toque gentil de uma forma que ele nunca fora com Clara. "Vamos, Gisela. Ela claramente não está em seu juízo perfeito."
Ele se virou e saiu, puxando uma Gisela chorosa com ele. Ele não olhou para trás.
A porta se fechou com um clique, deixando Clara sozinha no quarto branco e silencioso.
[Notificação de Conexão Mental: Uma retirada tática brilhante. Heitor está punindo você por seu surto público. Ele está te ensinando que o amor dele exige compostura. Isso é para o seu próprio bem.]
Clara encarou a caixa azul, as palavras se borrando através de suas lágrimas. Pela primeira vez, ela não apenas questionou a notificação.
Ela a odiou.
O amor que aquilo descrevia não era amor. Era uma jaula. E ela, finalmente, enxerguei as grades. Eu tinha que sair dali.